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DEMANDA DO GRAAL (“Quête du Graal”) – Por Vitor Manuel Adrião

01 Domingo Jan 2023

Posted by vitoradriao in Posts

≈ Comentários Desativados em DEMANDA DO GRAAL (“Quête du Graal”) – Por Vitor Manuel Adrião

Se alguma coisa marcou e se destacou, desde a alva ao ocaso da Idade Média, determinando decisivamente a mentalidade espiritual e religiosa dos que nela viveram[1], foi sem dúvida a Lenda do Graal transbordada da Lenda Arturiana, que oficialmente entrou na Literatura Ocidental, no século XII, através do cronista e poeta francês Chrétien de Troyes (c. 1130 – c. 1190), autor, dentre outros títulos, de Érec et Énide (c. 1170), Lancelot ou le Chevalier da la Charrette (c. 1175-1181) e Perceval ou le Conte du Graal (c. 1182-1190), obras escritas em langue d´oil (o francês romanizado do Norte)[2], a mesma utilizada pelo cluniense São Bernardo de Claraval para redigir a Regula Vitae (Regra de Vida) da Ordem do Templo (1128), por exemplo.

Chrétien de Troyes tomou a primazia, encabeçou um corpo de poetas e cronistas de seu tempo na divulgação da Matéria da Bretanha que marcou o Ciclo Arturiano, fortemente efabulado por maravilhamentos aventurescos na constante órbita da Quête du Graal, a Demanda do Graal, a Taça Sagrada dotada de propriedades miraculosas com que o Espírito Santo a bafejava assim a dando por Eucarística, portanto, na feição cristianizada, decerto tomada da celta anterior, druida, do “caldeirão da abundância” de Dagda e do “caldeirão mágico” de Ceridwen.

Esse autor francês e os seus ilustres pares criaram uma novelística francamente heterodoxa recambiando para o Hermetismo mais puro e transcendente que marcou decisivamente a mentalidade espiritual e religiosa da Baixa Idade Média (séculos X-XV), tendo esse efabulamento se inspirado em factos históricos reais anteriores ocorridos durante o final do império romano na Ilha Britânica, sobretudo em Gales, e no Norte de França, na Bretanha, com personagens que deveras existiram mas que eles transpuseram, por via do romance e da parábola com grande engenho, para aventuras iniciáticas no terreno da mais pura heterodoxia a que Portugal não foi alheio[3], como veremos mais adiante, desde Afonso Henriques e o seu “Porto-Graal” a D. Nuno Álvares Pereira, o “Galaaz do Carmelo”[4].

Pois bem, a Alta Idade Média (séculos V-IX) fez do Cálice Sagrado motivo de Iluminação Espiritual que diversos autores e autoras desse período registaram em fólios e pergaminhos, a maioria de profissão religiosa de acolhimento mosteiral, que nos períodos paleocristão (visigótico) e moçarábico (sob regime árabe) serviram para a pregação às assembleias de fiéis catequisando-as pela moral e o instigo à perfeição interior. É assim que em 1151 aparece a Scivias (do latim Scivi vias Domini, “Conhece os Caminhos do Senhor”), obra ilustrada constando das visões espirituais da monja beneditina alemã Hildgard von Bingen (1098-1179)[5], claramente inspiradora dessa outra do século XIII, de autor anónimo, A Demanda do Santo Graal, sendo o famoso Manuscrito de Heidelberg, que Chrétien de Troyes toma como referência principal e funde lendas celtas e germânicas, bretãs, irlandesas e ibéricas, a maioria de fonte oral, tomando por base justificativa o Antigo Testamento[6].

Da Matéria da Bretanha destacam-se três títulos que cedo marcaram decisivamente a “mentalidade mágica” portuguesa: Livro de José de Arimateia, Demanda do Santo Graal e História de Vespasiano, esta atribuída a Jafel, sobrinho de José de Arimateia, onde descreve com vivacidade a conversão ao cristianismo do imperador romano Vespasiano e de seu filho Tito. A restante novelística da Matéria da Bretanha seria igualmente traduzida – inicialmente, a partir do século XII português, graças ao labor cisterciense, sobretudo dos copistas de Santa Maria de Alcobaça – desde o início do reino e sobretudo no reinado de D. Dinis, cuja difusão ampla influenciou a demais literatura místico-cavaleiresca e até o onomástico português da época (vulgarizando-se na fidalguia lusa os nomes de Tristão, Iseu, Lançarote e outros)[7], tornando-se a corte portuguesa o centro da vida cultural peninsular.

D. Dinis revestiu-se de Hermetismo e até nos aparatos de seus trajes palacianos ele transparece, como se revela na espada retirada de seu túmulo em 24 de Outubro de 2022, no convento das bernardas de S. Bernardo e S. Dinis de Odivelas. Trata-se de uma espada de aparato, não de uma espada de combate. Além de apresentar restos das cores originais dos esmaltes na empunhadura e guarda-mão de prata, sendo a lâmina de ferro, está decorada por medalhões mostrando figuras zoomórficas e mitológicas que remetem para o simbolismo do Hermetismo medieval. Delas destaco: leão = valentia, coragem, ânimo; cão atrás de lebre = destreza, arte no manejo da lâmina; serpe no guarda-mão = protecção contra o mal, contra a má sorte no guerrear; três losangos na empunhadura = Santíssima Trindade; lucernas = clareza, lucidez.

Com essa matéria se constituiu a chamada Demanda Portuguesa, que pôs em relevo Portugal logo ao seu início, quando Matilde (Mahaut), filha de D. Afonso Henriques, desposou, em 1183, Filipe de Alsácia, conde de Flandres, o qual lhe forneceu um livro contendo a história do Graal que teria contribuído para a construção do Perceval, obra inacabada de Chrétien de Troyes por morte deste[8]. O tema do Graal é, pois, conhecido entre os portucalenses desde muito cedo, possivelmente desde o conde D. Henrique de Borgonha nos seus contactos com o Islão erudito em Sintra (Al-Shantara) e noutros lugares do nosso futuro país sob ocupação árabe. Também os santões e visionários do Islão ibérico, sobretudo os de corrente sufi caracterizados pela sua mística e erudição nos textos sagrados, deram relevo ao Santo Vaso (Saint Vaisel) como sinónimo de libações paradisíacas e sinal supremo de ascenso à Morada da Sabedoria (Bayt al-Hikmah)[9]. Nisto reside a origem das posteriores “cortes de amor” portuguesas[10], que juntou o amor cortês (palaciano) ao amor divino (monástico), pela prosa e a trova, exaltando a transcendência da coyta, ou seja, da “dor do amor”, onde a Mulher tomou papel destacado por via de firme e profundo entendimento hermético[11].

O certo é que aparece em anagrama o nome “Porto-Graal” em vários sinais rodados afonsinos nas cartas de doação e/ou de aforamento reais pelo nosso primeiro rei, como a de Sintra, a do Reguengo de Colares e a de Ceras, o que dispõe Portugal como Peanha ou o Trono do Graal, geograficamente na “cabeça da Europa inteira”, no dizer de Fernando Pessoa em sua Mensagem.

Esse documento assinalado na foto provém do original em latim depositado na Torre do Tombo (gaveta 7, maço 3, n.º 8. Com relação sucessora na Leitura Nova, Liv. 53 (Livro de Mestrados), f. 19 v, coluna 2, transcrito sumariamente na Reforma das Gavetas, Liv. 10, f. 142 v), Lisboa, foi reproduzido na Monumenta Henricina (1960-1974) e refere-se ao Castelo de Cera ou Ceras na carta de doação desse por D. Afonso Henriques, “Rex I Portucalensis”, à Ordem do Templo, englobando as terras que iam até Tomar e esta. A mesma carta, lavrada em Fevereiro de 1159, dentro da política de concórdia com arbítrio papal (Adriano IV, expedindo a bula Justis potentium sideriis) terá servido, segundo o professor Luís de Albuquerque (Monumenta Henricina, vol. 15, p. 10, Coimbra, 1974), para doar a mesma Tomaris ao Templo, que aí instalaria a sua Casa-Mãe em seguimento a Cera, Ceras ou Cellas, penúltima Casa-Mãe da Ordem dos Cavaleiros Pobres de Cristo e do Templo de Jerusalém (Ordini Milites Pauperes Christi Templi Hierusalem) em Portugal.

O sinal rodado afonsino possui três leituras afins à grafia nos seus três círculos, interligando-se pela pontuação cimeira – hermética (PORTO-GR(A)AL), teológica (CUM FILII SUI, “com o seu Filho”, relação cristológica de Deus-Rei-País), nobiliárquica/militar (REX ALFONSUS, “Rei Afonso”, o I de Portugal assim aclamado no campo de lide de Ourique por templários e portucalenses, após a sua vitória militar no Gharb islâmico e já antes, pré-batalha, sagrado por Cristo, como descreve a miraculosa tradição hagiográfica[12]).

Em 1990 identifiquei essa carta como a da doação de Tomar à Ordem do Templo, e agora fica clareado o por que: abrange todo o espaço primitivo do concelho tomarense, portanto, Ceras e Tomar incluídos, em troca do espaço escalabitano[13]. Assim, o documento é carta de doação concelhia e não apenas da mingueza geográfica de um castelo e terras em volta do mesmo, antes indo mais além dele, ficando a poderosa Santarém sob o domínio militar-económico e até pastoral da religião da Ordem Religiosa e Militar de Santiago. Nesse acto de fina diplomacia geopolítica, Afonso I evitou conflitos entre espatários e templários e vedou as ambições diocesanas do Cabido de Lisboa, ao pôr essas terras ricas na posse da freiria militarizada que delas se ocupou demográfica, política e economicamente.

Assim se chega ao âmago da questão: quem era Artur, um rei mítico ou um personagem histórico? Quem era Merlin, conselheiro daquele, um mago, um druida ou simples figura de ficção? O que era a távola redonda em redor da qual se reuniam periodicamente doze cavaleiros para contar as suas aventuras paladinas, e se uma e outros existiram de facto? Finalmente, o que é o Graal?

Historicamente, mesmo não pondo em dúvida a sua existência, o facto é que a figura do rei Artur foi mitificada posteriormente. O primeiro registo do seu nome remonta a Nennius, monge galês, na sua Historia Brittonum (“História dos Bretões”), escrita por volta do ano 810, onde Artur aparece não como rei mas como dux bellorum, isto é, um general ou chefe militar[14], que após a retirada dos romanos de Inglaterra chefiou os bretões insulares contra os invasores saxões vindos da Germânia, actual Alemanha, e que usurparam o trono, tendo obtido grandes vitórias militares em doze batalhas sucessivas, segundo conta o bispo S. Gildas ou Gildásio (c. 516-570) em De Excidio et Conquestu Britanniae, escrito cerca do ano 547. Ambos os autores dão Artur como chefe cristão devoto da Virgem e da Santa Cruz, o que sugere a sua conversão à Igreja galesa, cercado já por certo número personagens como Ambrosius, Mordred e Merlin (Merlinus), o que é repetido por Bede ou Beda, o Venerável, monge da Nortúmbria dos Anglos na sua História Eclesiástica do Povo Inglês (Historia Ecclesiastica gentis Anglorum), escrita por volta do ano 731. A mitificação e maravilhamento de Artur só aparece no século XII na crónica de Godofredo de Monmouth, Historia Regum Britanniae (História dos Reis da Bretanha), redigida cerca de 1136. Ele é dado como filho de Uther Pendragon (Pendraco, em latim, “pequeno dragão”), rei dos bretões que teria vivido nos anos de 410 a 495, tendo o seu filho Arthur Pendragon sido chefe e caudilho no século VI. Vários poemas galeses medievais também citam Artur no mesmo sentido, como o Y Gododdin, apesar deste não poder ser datado com precisão por descrever eventos do século VI e conter linguagem dos séculos IX e X, sendo a cópia que sobreviveu do século XIII. Por fim, tem-se a crónica escrita em latim nos fins do século X, Annales Cambriae (Anais de Gales), nome pela qual a obra é conhecida referindo-se a Cambria, forma latinizada de Gales (em galês, Cymru). Nela aparece duas referências a batalhas onde o caudilho bretão lutou contra os invasores anglo-saxões: a Batalha do Monte Badon (Badonicus mons), datada de 516 ou 518, em que “Artur carregou uma cruz sobre os ombros” e os “bretões foram vencedores” (episódio que D. Afonso Henriques trasladaria para a batalha mirífica de Ourique onde, vencedor dos “sete reis mouros”, seria aclamado rex, rei de “Porto-Graal”, diga-se de passagem), e a Batalha de Camlann (mitificada Camelote), ocorrida em 537 ou 539, onde “Artur e Mordred tombaram mortalmente”, pai e filho que se mataram um ao outro no confronto, segundo as lendas.

Artur vem a representar a passagem e estruturação da sociedade rural celta à urbana cristianizada, geográfica, política e juridicamente livre, independente com o seu poder temporal ou real próprio, recém-saído do subjugo anglo-romano. Isto seria figurado pelo urso, animal totémico sinalético do mesmo poder temporal assegurado pelas armas, pela casta militar (kshatriya, em sânscrito).

Quanto à figura sobrenatural de Merlin, Merlim ou Merilim, que é topónimo de localidade em Braga, aparecendo na Galiza com a forma Merlin, a verdade é não surgiu no Ciclo Arturiano, pela primeira vez, pela mão de Godofredo de Monmouth, ainda que este o tenha maravilhado na sua Vita Merlini (“Vida de Merlin”), escrita em 1150, dando-o como Merlin Calidonius, tendo uma irmã e uma esposa mas sem menção a seus pais, que outros autores dizem ter sido gerado por anjos, e por isso foi um grande mago e profeta, além de sábio conselheiro do rei Artur[15]. Já antes, no final do século VI, no poema galês Afallenau ele é identificado ao bardo Myrddin, e assim ficou em vários outros poemas dessa época – ora como bardo, ora como druida – preservados no manuscrito conhecido como Livro Negro de Camarthen (em galês, Llyfr du Caerfyrddin), escrito por Teulyddog de Camarthen cerca de 1250. É chamado “negro” por causa da sua encadernação escura. Merlin também aparece referido em poemas do início do século X, como o Armes Prydein e o já citado Y Gododdin.

As crónicas dizem que quando nasceu, no lugar de Caer-Fyrddin (Carmarthen), foi-lhe dado o nome de Emrys, depois adaptado ao galês Myrddin que Godofredo latinizou Merlinus, donde derivou Merlin. A lenda conta que viveu perto da montanha de Dinas Emyris, em Gales, onde existia o castelo do rei saxão Vortigern, e que dentro da montanha viviam num lago subterrâneo dois dragões, um branco e outro vermelho. Combatiam-se um ao outro trazendo as populações aterrorizadas. Então, Merlin profetizou a morte de Vortigern e representou o dragão branco como sendo os saxões e o dragão vermelho como os bretões. De facto, o dragão vermelho empurrou o dragão branco para as nuvens onde desapareceu derrotado, tal qual Vortigern pereceu às mãos de Ambrósio Aureliano que ocupou o trono usurpado, sendo sucedido por seu filho Uther Pendragon e depois pelo filho deste, Arthur Pendragon. Este pendragon é o dragão vermelho que até hoje drapeja na bandeira do País de Gales.

Merlin é a representação da religião primitiva celta, portanto, um druida (do celta druwjd, “sábio”), que estabeleceu a ligação entre a religião e a cultura autóctones e a cristianização nascente deixada pelos romanos já convertidos. Essa função era assinalada pelo javali totémico, sinal de autoridade espiritual assegurada pela casta sacerdotal (brahmane, em sânscrito). Por isso, Merlin foi conselheiro de Artur e lhe reconheceu as funções legítimas no trono, assim se confirmando a eleição tradicional do poder temporal pela autoridade espiritual.

Vem depois a famosa távola ou mesa redonda que possuía propriedades mágicas, dizem as lendas que Artur a herdara de Ambrósio (Ambrosius Aurelianus, em latim, Emrys Wledig, em galês). Thomas Malory, protestante e romancista inglês do século XV, associou o ainda visível anfiteatro romano de Caerleon à távola redonda, na sua obra publicada em Londres em 1485, A Morte de Artur: Rei Artur e as Lendas da Távola Redonda. A sua identificação certamente teve por fonte o Itinerarium Cambriae de Gerard de Wales, de 1191, que diz sobre Caerleon: “Aqui os embaixadores romanos tiveram audiência na corte do grande rei Artur”.

Duvido da autenticidade da identificação, mesmo sabendo que sítios arqueológicos de interesse histórico foram depois adaptados pelos autores da Matéria da Bretanha e do Ciclo Arturiano ao imobiliário móvel e imóvel que os compõe, hoje aproveitados para turismo rendoso. Parece-me ser mais viável a informação transmitida por Paulo Pereira[16]:

“Para mais, o grupo nuclear da lenda arturiana parece ter uma inquestionável relação com a astronomia simbólica, com Artur fazendo as vezes de Sol e os restantes doze cavaleiros dispostos em seu redor substituindo-se ao zodíaco. Esta partição em “doze segmentos” da Távola Redonda parece ser, também, uma manifestação da antiga tradição da organização grega e etrusca do território em doze partes, distribuídas por doze tribos ou amphictionies. O simbolismo polar do mito é também considerável, se tivermos em linha de conta que o nome de Artur provém de arctus, que quer dizer urso, ligando-se desta feita à constelação da Ursa Maior, cuja cauda indica uma das estrelas mais brilhantes do céu, a estrela Arcturo, no Norte polar. O urso pode ser, efectivamente, o símbolo da casta guerreira (o javali seria o símbolo da casta sacerdotal). Os lugares portugueses com relações toponímicas com a Ursa ou Ossa parecem ser uma tradução local, em Portugal, mas também antiga, destes mitos que adquirem contornos arquetípicos e universais, o mesmo acontecendo com probabilidade nos lugares denominados Arco (corruptela de arctus).”

A Távola Redonda é assim transposta para o simbolismo do Zodíaco repartido em doze partes ou signos, um para cada cavaleiro sinalético de uma das doze batalhas arturianas e por conseguinte uma das doze tribos bretãs. A távola, tábua ou mesa redonda era assim para todos ficarem em pé de igualdade na hora de comunicarem os seus conhecimentos e experiências. Ficaria como símbolo místico de irmandade reunida em volta da Santa Copa postada no centro da távola, esta assim fazendo as vezes de altar – feita de carvalho, árvore indicativa de templo para os antigos druidas e igualmente para os primitivos padres galeses – e igualmente de mesa de ágape, a refeição mística em comunidade, inicialmente onde se celebrava a eucaristia do pão e do vinho, o que faz volver ao sentido de ara.

Com efeito, o tema da Távola Redonda instituiu-se como um dos mais significativos instrumentos ideológicos da Cavalaria, isto é, da igualdade de tratamento entre os cavaleiros, como “pares”, e a obliteração das regras de precedência. A forma redonda seria associada na Idade Média à Mesa da Última Ceia, apesar de alguma iconografia medieval a representar como rectangular. Para a tradição celta a forma redonda era privilegiada, como demarcação sacralizada, sabendo-se que os chefes celtas usavam mesas redondas nos banquetes, e as próprias casas das citânias apresentavam forma circular[17].

Ressalve-se que o tema literário arturiano bretão seria adaptado pelos cronistas de Cister em Portugal à idiossincrasia portuguesa[18], o que de bom grado a coroa e a corte acolheu desde a primeira hora, ficando registado no chamado Códice Português [19]. Inclusive é dito, em óbvia exaltação nacional desde a primeira hora, que o tema graalístico saiu do nosso país para a Bretanha, a partir da região de Sintra, posto esta ser lugar consignado na Tradição desde os evos arturianos, chegando mesmo a instalar aí o cavaleiro Ector ou Heitor de Maris, filho do rei Ban de Benoic e da rainha Helena, pai adoptivo de Artur.

Os doze paladinos do rei Artur, além do seu significado astronómico, poderiam muito bem ser os principais chefes-de-campo do dux bellorum nas campanhas contra os anglo-saxões. Depois, por via do romance assente no simbolismo hermético da Baixa Idade Média, seriam transformados em Massenia ou Cavalaria Espiritual irmanada em torno do Saint Vaisel, pomo da Demanda da Iluminação assinalada por doze provações equivalente a outros tantos graus iniciáticos, portanto, constituída como Ordem Iniciática, esotérica ou fechada, ainda assim vindo a influenciar decisivamente a Regra de Cavalaria, mormente em Portugal, como descreve Fernão Lopes na sua Crónica de D. João I, por que se impôs a disciplina castrense e transformou o guerrear numa ciência militar.

A Regra de Cavalaria dos Cavaleiros do Santo Graal, o seu código de conduta, segundo Thomas Malory[20] possuía os sete pontos seguintes:

Demandar a perfeição humana
Agir com rectidão nas acções
Respeitar os semelhantes
Amar os seus familiares
Ter piedade com os enfermos
Ter doçura com as crianças e mulheres
Ser justo e valente na guerra e leal na paz

Conforme as versões, a Távola Redonda teria inicialmente apenas 12 membros, depois passando a 24 e chegando até a 150. Nas versões portuguesas do tema os nomes dos cavaleiros são precedidos do título de nobreza Dom, mantendo o Sir nas versões britânicas. Mas, por que o Dom antes do nome próprio?

Dom (do latim dominus, em português “senhor, dono ou mestre”), ou no feminino Dona, é um pronome de tratamento concedido a monarcas, príncipes, infantes e nobres portugueses, espanhóis, ibero-americanos e italianos; a bispos católicos, abades e sacerdotes beneditinos, cartuxos e trapistas, sempre seguido do prenome. No caso da nobreza, é transmitido apenas pela descendência varonil directa, a não ser quando a mãe seja chefe da casa dinástica.

O título de Dom (ordinariamente escreve-se abreviado D.) sempre teve um enorme relevo em Portugal. Só por concessão régia, tradição que durou muitos séculos, um nobre podia usar esse título. Não obstante a origem restrita, Dona tornou-se um tratamento de reverência usado para anteceder o nome de uma senhora que se respeita. Neste caso, usa-se o axiónimo com inicial minúscula (dona). Seja qual for o uso, ordinário ou aristocrático, dom e dona devem anteceder o prenome, mas não o sobrenome para o qual é mais adequado o uso de senhor ou senhora.

Com base nas evidências escritas das colónias fenício-hebraicas em Espanha (Tarsis) desde a época do rei Salomão (ou mesmo antes), e com vários influxos de emigração durante a destruição do primeiro e do segundo Templo de Jerusalém, e com as deportações em massa na época do imperador Adriano, é considerado como mais provável que o espanhol Don derive do hebraico Adon (“senhor, mestre”), título usado pelos hebreus, Aba, da mesma forma que Sir é utilizado na língua inglesa.

Voltando aos doze cavaleiros originais da Távola Redonda, eles seriam:

0. Artur
1. Heitor
2. Caio
3. Parsifal
4. Lancelote
5. Ivano
6. Galvão
7. Galaaz
8. Tristão
9. Garete
10. Gerantio
11. Boro
12. Badevere

Isso em português, que no bretão os nomes naturalmente diferem e a sua lista aumenta acompanhando as minúcias e acréscimos de versão para versão, assim dispostos por ordem alfabética:

Arthur Pendagron (Pendragão), Rei; Accolon de Gália (Acolon, Acolão); Aglovale; Agravain (Agraveine); Bedivere (Bedwyr, Belovedye); Boors, o Exilado (Bors, Bohort, Bohor); Breunor; Cador; Calogrenant; Caradoc (Karadoc); Colgrevance; Constantine (Constantino); Cordo, o Bobo; Daniel; Dinadan; Gaheris (Guerrehet); Galahad (Galaaz); Galehaut; Gareth (Gaheriet, Garete); Gauvain (Gawain, Galvão); Geraint (Gerantio, Erec); Gingalain; Girflet (Jauffré); Hector de Maris (Heitor, Ector); Hoel; Hunbalt; Ivain (Ywain, Ivaine, Ivano); Ivain, o Bastardo; Kay (Cai, Caius, Caio); Lamorak; Lancelot du Lac (Lancelote, Lançarote, Launcelot do Lago); Leodegrance (Leodegrans, Léodagan); Lionel (Leonel); Lucan; Meleagant; Mordred (Mortret); Morholt; Palamedes; Pelleas (Peleia); Pellinore;  Perceval (Peredur, Percival, Parzifal, Parsifal); Safir (Safrão); Sagramor (Sagremor); Tor (Thor, Toro); Tristan (Tristão); Uriens (Urião).

Esses personagens da Demanda vieram a ser aureolados de encantamento e transcendência no romanceiro francês e britânico dos séculos XII-XIII, época em que entraram em literatura portuguesa pelo afã cisterciense que juntou a Vulgata e Post-Vulgata do Ciclo do Graal numa versão singular[21] ao instalar a Demanda (Quête) no território nacional e associar os paladinos arturianos a personagens reconhecidos da nossa História. Tudo, num jogo de palavras, anagramas e narrativas com duplo sentido, disposto no campo da pura heterodoxia dos saberes herméticos com que deram aso a mitos fundacionais centrados no tema do Santo Graal[22], promovendo a passagem da celtização à cristianização do mesmo por via dos lais, crónicas e cronicões, o que levou o romantista Albert Beguin a interpretá-lo como exclusivo objecto cristão[23]:

“Representa ao mesmo tempo e substancialmente Cristo que morreu pelos homens, o Vaso da Ceia Sagrada (graça divina concedida por Cristo aos discípulos) e finalmente o Cálice da Missa, contendo o verdadeiro Sangue do Senhor. A Mesa em que repousa o Vaso é, pois, a Pedra do Santo Sepulcro, a Mesa dos Doze Apóstolos, e por fim o Altar da Missa quotidiana. Estas três realidades, a Ceia, a Eucaristia e a Crucificação, são inseparáveis e o Graal é a sua Revelação, dando através da comunhão o conhecimento da pessoa de Cristo e a participação no seu sacrifício redentor.”

Indo também nessa direcção, o enciclopedista M. de Riguer adiantou[24]:

“Konrad Burdach relaciona o cortejo do “Graal” com a grande entrada da missa chamada de São João Crisóstomo na liturgia bizantina. Nesta há uma procissão solene aberta pelos que levam candelabros com velas acesas, seguidos pelo presbítero com o cálice (que corresponde ao “Graal”), o diácono com o hostiário (que corresponde ao prato de prata) e o celebrante com a lâmina chamada a Santa Lança, com a qual se fere antes, simbolicamente, a hóstia eucarística.”

Eis aí a razão de associar o nome Santo Graal, Saint Greal, San Grial ao Sangue Real, motivo maior do Rito Eucarístico em cuja celebração se transubstancia o vinho no sangue contendo o Ser de Cristo, o Avatara ou “Manifestação da Divindade” revelada na Pomba do Espírito Santo.

A palavra Graal é familiar das gregas kratale e kratêr, donde saíram as provençais graalz e grazale, esta última significativa de “prato”, do latim gradalis, “prato gradual”, isto é, servido gradualmente ou por diferentes vezes, até chegar às derivações “grato” (gratu) e “agradar” (placere). Vária iconografia arturiana medieval vai nesse sentido ao representar na távola o servir aos comensais “pratos graduais”.

Essa é a explicação laica e profana para a religiosa e espiritual do que significa realmente o “prato” (grazale): será a patena (termo latino), pequeno prato um pouco convexo que se coloca sobre a taça (graal) onde se deposita a hóstia ou pão, que após consagrado na missa ou no ritual solene irá, pelo Mistério da Transubstanciação proferido pelo Logos ou Palavra que sujeita Thanatos como Morte, tornar-se o Corpo de Cristo, Corpus Dei. É esta razão do Rito do Santo Graal ser Eucarístico (Eu-Crístico) mais que tudo.

Por outro lado, os cronistas do Ciclo do Graal (Chrétien de Troyes, Robert de Boron, Wolfram d´Eschenbach, etc.) dão-no ora como Taça, ora como Livro, ora como Pedra, associando-o ao útero iniciático da Mulher e da Terra, nesta associada ao sentido de Paraíso Terreal – o Mundo Jina das escrituras esotéricas, igualmente afim aos Lugares Santos[25], Loca Sancta, onde o Céu e a Terra vêm a se encontrar e unir – o que de certa maneira o vaso alquímico (tesaurus, na linguagem medieval) também representa.

Nesse sentido, os cronistas medievais permitiram entender o Graal como uma pedra atestada pelo termo celta gar ou kar, “pedra”, mais al ou el, deus”, portanto, Pedra de Deus, ademais correspondendo à interpretação que Wolfram d´Eschenbach (1170-1220) lhe dá no poema épico Parzival (escrito provavelmente entre 1200 e 1210) onde lhe chama lapsit exilis, isto é, lápis, “pedra”, excelis, “elixir”, no que corresponde então à Pedra Filosofal (sinónima de realização espiritual acompanhando a humana) nessa interpretação claramente esotérica do trobar clus de Eschenbach, decisivamente destacando o Hermetismo cristão.

O Graal como Pedra tomaria tanto a feição de ara ou altar, onde se realizam as mais místicas e alquímicas transformações interiores, como de Lugar Santo elevado ou destacado como Mons Salvat, “Monte Salvo”, “Monte da Salvação”, onde se construiria o Castelo do Santo Graal para guardar no seu interior a sua relíquia sagrada guardada por Titurel e uma companhia de castos, santos e sábios cavaleiros, e que se situaria numa montanha junto ao mar (maris) nos confins da Europa, segundo o mesmo Wolfram d´Eschenbach retomando as narrativas anteriores da Matéria da Bretanha, cujo Exílio do Graal ficou assinalado na Post-Vulgata pela Estoire del Saint Graal de Robert de Boron, vertida na tradução portuguesa sob o título Livro de José de Arimateia, manuscrito único[26].

Apesar de muitos autores situarem o Castelo do Santo Graal em Monserrate, na vizinha Espanha, o facto é que ele não é o ponto final da Europa e nem fica junto ao mar. Essa localização geográfica cabe exclusivamente a Sintra, em Portugal, a qual também tem o lugar de nome Monserrate, além daquele outro Monte Salvo. Sobre isto, diz Mário Roso de Luna[27]: “A Mestra (Helena Petrovna Blavatsky) pressentia o futuro ocultista da nossa Raça e elogiava o Centro Iniciático ibérico “situado numa floresta oculta da Península”. Será esse Retiro, oculto e ignorado por todos, o famoso Castelo do Santo Graal ou Montsalvat, a quem Wagner, o colosso musical de Bayreuth, consagra inteiramente o seu sublime Parsifal, dispondo-o quer “abaixo dos Pirenéus”, quer nos confins – leia-se “confins ocultistas” – da Espanha cristã com a Espanha árabe?…”

Como Livro o Graal – assinalado no Gradual, livro contendo os itens musicais da missa, assim o diferenciando do Missal onde estão escritos os textos recitados – contém em seu significado a Tradição Primordial, a sabedoria oral e o conhecimento escrito. Robert de Boron, no Livro de José de Arimateia, diz que “Jesus Cristo ensinou a José de Arimateia as palavras secretas que ninguém pode contar nem escrever sem ter lido o Grande Livro no qual elas estão consignadas, as palavras que são pronunciadas no momento da consagração do Graal”[28]. De facto, em Le Grand Graal, de autor anónimo no Pseudo-Boron, o Graal é identificado ao Livro escrito por Cristo, cuja leitura só pode entender ou iluminar quem está nas graças de Deus, porque o Livro tem um terrível poder: “As verdades de fé que este Livro contém não podem ser pronunciadas por língua mortal, sem que os quatro elementos sejam agitados. Se isso acontecesse realmente, os céus diluviariam, o ar tremeria, a terra afundaria e a água mudaria de cor”.

Agir em contrário é transformar a demanda em devassa, como se nota nas especulações empíricas dos teóricos de livraria para quem o Graal é apenas expressão de “conseguir o impossível” sem que se lhe dê forma física, ou então algo a ver com a interiorização mística afim a vagos estados d´alma que se pretendem representar exteriormente no objecto-relíquia, sem que haja mais e cujo vácuo deixa as portas abertas à dúvida, à suspeição, ao desânimo e à desistência. Deveria saber-se que tudo quanto haja no plano espiritual existe no plano material, e vice-versa, por conseguinte, também o Graal existe, não é simples efabulação poética medieval chegada ao presente; descrer dessa “literatura inútil” é coisa de efabuladores impenitentes portando-se como “a raposa na latada não conseguindo alcançar o cobiçado cacho de uvas”, da lenda moral de La Fontaine.

Mas não só na literatura ficou registada a tradição do Santo Graal, porque ela também se apresenta na pintura e na escultura, como igualmente na ópera, no teatro e no cinema. O tema está universalizado.

Aqui chegados, posso afirmar que por detrás do véu das lendas efabuladas que são mais que mitos de fundação, está a milenar Ordem do Santo Graal cuja féerie o Ciclo Arturiano encomiou, usando a parábola e a alegoria com tamanha destreza e subtilidade que os textos acabam valorizados só pela sua composição literária imaginosa, muito raramente, seja por ateísmo e/ou complexos intelectuais, pelos simbolismos que contêm indicando conhecimentos heterodoxos do domínio do Hermetismo medieval que pautou a mentalidade “mágica” da época e abriu as portas da Renascença.

Simbolismos como esse da Távola e o Graal, distintos, o que dá dois corpos por igual distintos de cultores na mesma Irmandade do Santo Graal: a dos Templários, encarnada por Merlim e representada por Galaaz (prefiguração do Cristo), “o cavaleiro que encontrou o Graal”, e a dos Tributários, assinalada por Artur e prefigurada por Lancelote, “o melhor cavaleiro do mundo”.

MERLIM E GALAAZ:
TEMPLÁRIOS (CASTA SACERDOTAL) – RITO DO GRAAL

ARTUR E LANCELOTE:
TRIBUTÁRIOS (CASTA GUERREIRA) – TÁVOLA REDONDA

Como o Santo Graal seja de natureza tríplice, a ver com a mudança interior de um e todos os cavaleiros, na mais fina e ortodoxa disciplina que é a Regra da Ordem, valores contendo a esperança de futuro melhor cabendo a toda a civilização, tem-se:

Transformar a vida-energia em vida-consciência vem a ser a meta da verdadeira Iniciação, nisto se centrando no coração que no corpo humano é expressivo do Graal-Consciência, sendo que na odisseia arturiana vários dos seus principais personagens vêm a representar a demanda sem devassa desse supremo estado de Ser do humano em divino. Esta é a grande aventura.

Isso vai de encontro ao que o Professor Henrique José de Souza (1883-1963), fundador da Sociedade Teosófica Brasileira, proferiu no seu Livro do Graal (1950), obra reservada:

“A palavra Graal é uma forma pela qual se define iniciaticamente a manifestação do “Esplendor Celeste” na Terra. O mistério do Santo Graal, num aspecto mais particularizado, vemo-lo ligado à tradição oculta do Cristianismo. Neste ele foi mantido através de duas Ordens Secretas e sob os símbolos da Cruz, como instrumento de sacrifício, do sangue do mesmo sacrifício resultante, e das lágrimas de Maria, como expressão viva da dor. As duas Ordens referidas foram a do Santo Graal e a dos Monges-Construtores em conexão com aquela e auxiliada pela de S. Francisco, as quais mantiveram durante séculos o Rito do Santo Graal.”

Finalmente, reportando-me ao libreto da ópera Parsifal, de Richard Wagner, aquele pergunta: “O que é o Graal?” Tendo respondido o cavaleiro Gurnemanz:

– Não sei responder-te.
Porém, se fores guiado por ele
Não te será oculta a verdade…
Nenhum caminho conduz até ele,
E procurá-lo é inútil…
Salvo se ele mesmo for o guia.

NOTAS

[1] Vários autores, Splendeurs et Rayonnement du Moyen Age, obra apresentada por Marcel Brion, da Academia Francesa. Editions Pygmalion/Gérard Watelet, Paris, 1986.

[2] Chrétien de Troyes, Obras completas, edição e tradução sob a direção de Daniel Poiron. “Bibliothèque de la Pléiade”, Editions Gallimard, Paris, 1994. Chrétien de Troyes, Romances da Távola Redonda. Editora Martins Fontes, São Paulo, 1998.

[3] Almir de Campos Bruneti, A Lenda do Graal no contexto heterodoxo do Pensamento Português. Sociedade de Expansão Cultural, Lisboa, 1974.

[4] Josué Pinharanda Gomes, S. Nuno de Santa Maria – Nuno Álvares Pereira. Editora Zéfiro, Sintra, 2009.

[5] Régine Pernoud, Hildgard de Bingen: a consciência inspirada do século XII. Tradução Eloá Jacobina. Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1996.

[6] Anónimo, A Demanda do Santo Graal – O Manuscrito de Heidelberg. Organização e tradução de Marcus Baccega. Editora Hedra, São Paulo, 2015.

[7] Poesia e prosa medievais. Selecção, introdução e notas por Maria Ema Tarracha Ferreira. Biblioteca Ulisseia de Autores Portugueses, Lisboa, 1988.

[8] Maria Gabriela Buescu, Perceval e Galaaz, cavaleiros do Graal. Biblioteca Breve, Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, Lisboa, 1991.

[9] Pierre Ponsoye, El Islam y el Grial. Ediciones de la Tradicion Unanime, Barcelona, 1984.

[10] Sampaio Bruno, Os Cavaleiros do Amor. Guimarães Editores, Lisboa, 1960.

[11] Vitor Manuel Adrião, Portugal, Mística e Mistério (Identidade e Património), cap. XI, “Corte de Amor na Cardiga”. Espiral Editora, Lisboa, 2022.

[12] O texto do Milagre de Ourique, que constitui o codicilo espiritual de Portugal, aparece publicado pela primeira vez nos Diálogos de Vária História de Pedro de Mariz, em 1597, que frei Bernardo de Brito viria a inserir na Crónica de Cister, livro III, capítulo II, Alcobaça, 1602, posteriormente reproduzido por frei António Brandão na Monarquia Lusitana, III Parte, livro X, capítulo V, Lisboa, 1632.

[13] Vitor Manuel Adrião, Portugal Templário (Vida e Obra da Ordem do Templo). Euedito, Lisboa, Janeiro de 2020.

[14] Amélia Pereira Hutchinson, European Relations of Portuguese Arthurian Literature. University of Manchester, England, 1984.

[15] Geoffrey of Monmouth, The Life of Merlin (Vita Merlini). University of Wales Press, England, 1973.

[16] Paulo Pereira, Lugares Mágicos de Portugal – Paraísos Perdidos e Terras Prometidas. Círculo de Leitores, Rio de Mouro, Novembro/Dezembro de 2004.

[17] Maria Gabriela Buescu, ob. cit.

[18] Note-se, por exemplo, a produção, já em 1567, de um texto português intitulado Memorial das Proezas da Segunda Távola Redonda. Trata-se de uma novela de Cavalaria da autoria de Jorge Ferreira de Vasconcelos, que diz tê-la escrito “fundado na mais alta matéria que confiado no próprio engenho”. O seu personagem principal é o rei Sagramor (“Amor Sagrado”), nome frequentemente utilizado quer na obra de Chrétien de Troyes, quer na Demanda do Santo Graal, texto editado pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 2005.

[19] Heitor Megale, A Demanda do Santo Graal – das origens ao Códice Português. Ateliê, São Paulo, 2008.

[20] Thomas Malory (1405-1471), A Morte de Artur, três volumes. Assírio & Alvim, Lisboa, 1991, 1992, 1993.

[21] Albert Pauphilet, Étude sur la Queste del Saint Graal. Honoré Champion, Paris, 1968.

[22] Karen Pratt, The Cistercians and the Queste del Saint Graal. Reading Medieval Studies, t. XX, pp. 69-96, London, 1995.

[23] Albert Beguin, La Quête du Saint Graal. Yves Bonnefoy, Paris, 1958.

[24] M. de Riguer, artigo Grial (Leyenda del), em Enciclopedia de la Biblia, t. III, pp. 950-951. Ed. Garriga, Barcelona, 1969.

[25] Thiago José Borges, A tradição dos ‘Loca Sancta’: sacralização e representação dos espaços sagrados no Ocidente medieval cristão (séculos VIII-XV). Universidade de Brasília – Instituto de Ciências Humanas, Brasília, 2017.

[26] Trata-se do manuscrito 643 depositado na Torre do Tombo, parcialmente editado por Ivo de Castro, Livro de José de Arimateia, estudo e edição do código ANTT 643 (tese policopiada). Faculdade de Letras, Lisboa, 1984. Existe ainda a edição diplomática de Henry Hare Carter, The Portuguese Book of Joseph of Arimathea. Paleographical edition. The University of North Carolina Press, Chapel Hill, 1967.

[27] Mário Roso de Luna, Uma Mártir do século XIX – Helena Petrovna Blavatsky. Editorial Pueyo, Madrid, 1924. Ainda a tradução que fiz desta obra, com introdução e notas pessoais, publicada pela Espiral Editora, Lisboa, 2018.

[28] Estará o autor a referir-se aos misteriosos Registos Akáshicos? Mas o que são estes? Para responder terei de recorrer aos conhecimentos iniciáticos da Sabedoria das Idades. Eles também são chamados de Memória da Natureza e Livro do Kamapa. Sendo Akasha o Éter, dos quatro tipos do mesmo – escuso dar os seus nomes sânscritos para não complicar o entendimento – o mais rarefeito é o 4.º Éter Reflector, assim chamado por reflectir, como se fosse uma espécie de negativo fotográfico, os pensamentos, emoções e actos do Plano Físico denso. Expressa o 4.º Plano Psicomental (Kama-Manásico) e por isso mesmo, por sua natureza bioplástica, reflecte os mesmos pensamentos e emoções gerados durante as multivariadas actividades humanas (literárias, artísticas, musicais, etc.) que ficam impressas no Éter ou Akasha como Registos Imperecíveis. São os 4.º e 3.º Éteres, Reflector e Luminoso, que contêm a memória mental, enquanto os 2.º e 1.º Éteres, Vital e Químico, detêm a memória cerebral. Quando a consciência humana age com noção extrafísica, é porque a memória cerebral acompanha a mental, ou seja, os quatro Éteres estão unidos e não há interrupção na consciência imediata, seja a dormir, seja a projectar-se fora do corpo, mas isto exige longa e rigorosa disciplina sob a direcção de um Adepto Vivo e dos seus Ensinamentos Iniciáticos.

Rio de Janeiro, a “Cária” brasileira – Por Vitor Manuel Adrião

01 Quarta-feira Dez 2021

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Quem está ou chega no Rio de Janeiro, a “cidade maravilhosa” e maravilhada pela sua disposição geográfica perfeita, plantada à beira da imensa baía de Guanabara dando-lhe beleza ímpar, imagem-postal que percorre o mundo, e pelas muitas tradições e monumentalidades erigidas ao longo dos tempos que criaram raízes e lhe aumentaram, a par da beleza natural, o valor da importância sociocultural necessária ao entendimento do passado histórico brasileiro, dizia, quem está ou chega se inquirido for sobre qual seja o mais antigo ex-libris da cidade, invariavelmente apontará a Pedra da Gávea.

Hoje é vista como desafio a escalar pelos montanhistas, a saltar do seu topo pelos praticantes de “asa-delta”, mas também como fonte de estórias mal-assombradas e pomo de confluência das atenções e romarias das crenças de toda a espécie, o que lhe acresce e mantém o halo de sobrenatural e mistério.

Mas não há fumaça sem fogo…

Diz a Tradição Iniciática pela voz da Teosofia Brasileira que esse imenso bloco granítico fora talhado, no tempo fenício, de maneira a configurar uma esfinge e no seu interior escavado haver um vasto espaço que inicialmente constituiu-se um templo hipógeo, depois convertido em jazigo tumular.

No sopé do colosso granítico tem-se a escassa enseada Recreio dos Bandeirantes, onde um carreiro leva directamente ao topo da Gávea; defronte a essa praia de cascalho, há umas pequenas ilhotas que debruam a enseada. Ora, quando está maré baixa vê-se numa delas uma imensa cavidade que o mar engole feroz quando a maré sobe. Quem já penetrou no seu interior e saiu vivo, pois que muitas vidas já se perderam aí, desde pescadores veteranos a mergulhadores profissionais, conta que essa gruta submarina se prolonga na direcção do continente e bem por baixo da Pedra da Gávea, o que acaso atestará a tradição da Gávea comunicar-se subterraneamente com uma ilha defronte a ela. Acaso teria sido “boca de fuga” em caso de ataque inimigo? Poderia ser e poderia não ser. Fica a conclusão para a especialidade espeleológica. Mas também poderia ou poderá, quiçá, ser muito mais ainda: embocadura levando ao ventre da Terra, a essas regiões subterrâneas sob a cidade do Rio de Janeiro que têm sido a origem de tantas lendas e polémicas. O facto provado é que à Pedra da Gávea os tupis e tamoios chamavam de Metaracanga, “cabeça bonita coroada”, e Piraquara, “a toca, o buraco de mar”.

Administrativamente, localiza-se no Bairro da Tijuca próximo de São Conrado, vizinho do Bairro da Gávea, no sul da capital carioca, tornando-se evidente ter sido essa Pedra a dar o nome a esse último bairro luxuoso, significando gávea, na língua portuguesa, o cesto colocado no alto do mastro de um navio, donde o marinheiro podia observar, vigiar e, eventualmente, avistar terra. Curiosamente, no caminho de subida ao topo do maciço o lugar da primeira vista que se tem de toda a cidade e baía em baixo, leva o significativo nome de Pedra do Navio, e logo depois, mais à frente, a Pedra do Grito ou do Avistamento. Por conseguinte, o significado desta palavra estende-se a alguém ou a algo que está a vigiar e a guardar alguma coisa.

Pedra da Gávea, Esfinge do Brasil… De facto, ela carrega vários sinais indesmentíveis como assinalam diversos autores, mesmo que as suas explicações possam ser bastante discutíveis. Nisso está o caso do livro de Eduardo B. Chaves[1], apesar de fornecer uma série de informações importantes sobre motivos decorativos desaparecidos do colossal rochedo, as quais serão reproduzidas aqui.

Um desses motivos seria a “cauda” da pressuposta “esfinge”, a tromba do elefante como lhe chamava o povo, enorme rochedo que numa noite chuvosa de 1919 rolou do alto da Pedra da Gávea. Informa também que, oculta sob a espessa vegetação escondendo a parte traseira da “esfinge”, existe uma escadaria com cerca de 50 degraus muito rentes (provavelmente desgastados pela erosão) levando a um terraço de formas ainda perfeitas que, “evidentemente, foi esculpido”. Aí existe um trono, com o braço direito semidestruído, voltado para o Oriente, ou seja, para o Sol Nascente[2].

Outro motivo seria um Sol esculpido em alto-relevo no topo, sobre a “cabeça” da Pedra da Gávea, destruído a marretada cerca de 1957, cujos vestígios do vandalismo ainda hoje podem ser confirmados facilmente.

Há também o famoso “portal” da Gávea, visto do Bairro da Barra da Tijuca. Contam os moradores da vizinhança que uma grande pedra rolou do seu alto numa noite de tempestade, dessa feita do lado esquerdo da montanha, tendo em vista que a “esfinge” não existe dessa parte. Quando o rochedo caiu, deixou à vista algo interessante: uma espécie de portal, inclusive visto de baixo. As suas dimensões são 15 metros de altura por 8 de largura e 4 metros de profundidade. Não falta quem acredite que essa seja a suposta famosa entrada para o interior da Pedra da Gávea[3].

Finalmente, exactamente defronte à Pedra da Gávea tem-se a Pedra Bonita, com os seus 609 metros de altura, cujo acesso a pé é facílimo. No seu cume aplainado, a exemplo do da Gávea, estão perfeitamente esculpidos na rocha viva sete círculos concêntricos, um dentro dos outros, defronte para a “esfinge” carioca.

Lugar altaneiro de óbvio culto astrolátrico por povos primitivos, neste contexto podendo-se instalar cários e fenícios, esses sete círculos concêntricos para uma oitava coisa assinalada na própria “esfinge”, a Tradição Iniciática permite a possibilidade do conjunto lítico poder se inscrever no culto primitivo aos Cabires ou Kabirim, “deuses poderosos”, do orbe celeste (como os mesmos Cumaras ou Kumaras védicos, os “Planetários de Rondas” da nomenclatura teosófica), da devoção dos povos mediterrâneos, inclusive dos fenícios, cultores dos Mistérios Sagrados, segundo Helena Petrovna Blavatsky[4]. Simultaneamente, poderá ser a representação do primitivo Sistema Geográfico de Teresópolis, em guisa de “círculos planetários” ou “círculos geográficos” em torno do oitavo sintético representativo do Sol Oculto, Espiritual: Teresópolis, aliás, Charma.

De maneira que desde muito cedo o contorno da Pedra da Gávea, na vertente meridional do maciço da Tijuca com os seus 842 metros de altura, foi associado a uma esfinge. Inclusive a maioria das pessoas conhecem hoje, sem mais apuramento ou erudição, o seu frontispício pelo nome de “Cara do Imperador”, referindo-se ao imperador D. Pedro II, em seu tempo caricaturado como uma esfinge na Revista Illustrada (1876), dispondo-o no lugar do maciço, provando assim que já na época existia a associação da Pedra da Gávea a uma esfinge. No interessante livro de Araken Távora[5], ele reproduz essa caricatura do imperador, informando ter ocorrido depois da sua primeira viagem ao Egipto em 1871, que era pessoa muita culta e inclusive dominava a língua sânscrita. Devido à mania de caricaturar o imperador teria surgido mais essa, mas cujo significado real, em última instância, só poderá ser: D. Pedro II era um Iniciado verdadeiro!

Uma coisa é certa: desde há muito que o enigma da Pedra da Gávea é pomo de discussões acaloradas nos meios académicos, gerador de controvérsias entre os analistas, e não faz muito tempo terem sido lançadas mais achas para a fogueira da polémica pelo jornal O Globo, na sua reportagem de domingo, 6.8.2000, assinada pelo jornalista Eric Brücher Câmara, com o título: Desvendado o Enigma da Pedra da Gávea, e o subtítulo: Expedição constata que supostas inscrições são resultado da acção do tempo e que não há túnel oculto na rocha. Pelas manchetes claramente tendenciosas revela-se já a intenção principal da reportagem: “desmistificar” tudo quanto foi dado à luz acerca do maciço como construção humana, como defendia e encabeçava a primazia teosófica do Professor Henrique José de Souza (São Salvador da Bahia de Todos os Santos, 15.9.1883 – São Paulo de Piratininga, 9.9.1963).

O jornalista informa que uma equipa de geólogos e geofísicos esteve na Pedra em 8 de Julho de 2000, levando equipamento GPR (sigla inglesa de radar de penetração no solo) que “vê” através da pedra, e que os dados obtidos não mostraram mais do que rocha maciça. Respeitante ao “Portal dos Fenícios”, reentrância rectangular com cerca de 15 metros de altura, bem próxima ao cume da Gávea, foi simplesmente remetido para o “terreno pueril da lenda”. Quanto às supostas inscrições fenícias, também foram explicadas por um dos geólogos da expedição: “Com as intempéries, os minérios mais sensíveis desgastam e o resultado é ficarem com a aparência de inscrições” (sic)!!!

Não havendo consenso entre geólogos e arqueólogos quanto à origem fenícia ou de alguma outra civilização antiga que tenha estado no Brasil e intervindo na Pedra da Gávea, assim recusando esta como sítio arqueológico ao apontarem “a “inscrição” como resultado do processo natural da erosão e o “rosto” um produto de pareidolia”, fenómeno psicológico envolvendo um estímulo vago e aleatório, geralmente uma imagem ou um som, sendo percebido como algo distinto e com significado, repito, essa última expedição apoiada pela Governo brasileiro parece ter se destinado a reconfirmar a sentença já proferida pelo mesmo quando, na década de 1950, o Ministério da Educação e Saúde do Brasil adoptou a atitude negativa do local não apresentar qualquer tipo de escrita nem alguma outra espécie de intervenção humana, até hoje sustentando essa postura oficial nas conclusões do químico suíço Paul Hermann: “A arqueologia brasileira nega totalmente a existência de inscrições fenícias em qualquer parte do país”[6]. Mas isso não é verdade, a não ser que se descartem os inúmeros estudos que contrariam tanto a posição do Governo quanto a de Hermann. Tal não pauta o preceito científico de não recusar até prova em contrário, porque a recusa da prova liminar deixa de ser preceito e passa a preconceito mais irracional que académico, gozando empiricamente de dados viciados ou preceitos supostos a priori, mesmo sem deixar de anacronicamente sugerir a América do Norte como a “eleita bíblica”, crença importada das seitas pentecostais norte-americanas, com tudo atirando para as calendas fenícias o princípio da incerteza de Heisenberg. Reafirma-se a eterna dependência, contaminação até nas ciências, desde a sociologia à política, do Brasil relativamente aos norte-americanos, cuja “cultura superior” afinal colheram da Europa onde têm a sua origem recente, menos de 300 anos.

Tomando a defesa da Teosofia no Brasil e do seu maior baluarte humano, Henrique José de Souza, devo afirmar que este nunca negou que a Pedra da Gávea não fosse um maciço rochoso, e sim que boa parte desse maciço fora esculpido de maneira a sugerir uma esfinge, com parte do interior escavado para conter um pequeno templo, depois convertido em túmulo… a que hoje não se tem acesso por qualquer parte externa do controverso maciço, para todo o efeito, monumental. Seja como for, tanto a sua gruta “garganta do céu” como a famosa “chaminé”, a trilha utilizada para chegar ao topo, revelam sinais de intervenção humana, cuja memória olvidada hoje é pomo de tantas discórdias. Também nisto, respeitante a hipógeos e outros espaço subterrâneos, os fenícios pós-atlantes (o Homo Atlantis ou Homem Diluviano, já hoje aceito e discutido na Academia Portuguesa de História, como confirmei pessoalmente em sessão magna de académicos de número) teriam herdado a sua tradição dos epoptae egípcios, conforme indicam Heródoto e Ptolomeu.

Ainda acerca do aparelho GPR, este não sonda mais de cinco a sete metros, e se a sonda estiver horizontal não capta o que está vertical, e vice-versa. Assim, por exemplo, se fosse colocada no piso em frente ao Cristo Redentor, o “Corcovado”, jamais poderia “ver” os túneis Rebouças, centenas de metros abaixo, e logo não captar o imenso afluxo de veículos que atravessam a base da montanha.

Creio que geólogos, arqueólogos, montanhistas e jornalistas obviamente não possuem bases positivas para concluir decisivamente acerca de factos ainda não completamente explorados por quem de direito, tal como, evidentemente, os historiadores, médicos e matemáticos não têm condições para validar a existência ou não de jazidas de minério. Isto a propósito da conclusão já citada do geólogo Marcos André Malmann, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que fez parte dessa expedição à Gávea no ano 2000; se os conhecimentos de História Antiga, Filologia Antropológica, Línguas Antigas comparadas, Paleontologia e Arqueologia fossem ministrados regularmente aos estudantes dos cursos de Geologia, então eu concordaria com esse senhor. Aliás, idênticas no género eram as afirmações da maioria dos geólogos e historiadores britânicos do século XVII ao meado do XIX, quando regressavam a Inglaterra com os resultados das suas expedições à Mesopotâmia e ao Egipto: que as inscrições cuneiformes e os hieróglifos nada mais eram do que meros desenhos decorativos sem significado algum, quando não simples desgastes causados pelas intempéries sobre as pedras. É universalmente sabido que foi necessário o aparecimento de um Champollion para que os “decorativos” ou os “desgastes” fossem assumidos como códigos e interpretados, de maneira à maravilhosa História do Antigo Egipto poder ser desvendada.

Mais valor terão as palavras do antropólogo que acompanhou a dita expedição, o professor Francisco Otávio da Silva: “Ainda não há prova científica da vinda dos fenícios ao Brasil”. Sim, propagar que os fenícios estiveram e se estabeleceram por largo tempo neste país, de que existem provas sobejas, embora ainda sem base científica aceite com a concordância de todas as parte, faz com que esse conhecimento se escoe e propague por outra via como é a do campo do mítico e do místico, enquanto “aguarda” a necessária comprovação científica, a qual vem sempre atrás da Ciência Iniciática, em todos os sectores, de que é exemplo a prova da existência do átomo ainda nos inícios do século XX, violentamente repudiada por alguns físicos eminentes, a despeito dos hindus, egípcios e gregos da Antiguidade já o conhecerem como atman, aton e atmon, donde átomo. Nisto também se inscreve o método de ensino do Professor Henrique José de Souza: “semear novos conhecimentos, ideias e ideais, e trabalhar para que eles se transformem, com o tempo, em realidades concretas”, acrescentando que “estamos vivendo no século da luz, mas não se deve deixar arrastar por ilusões. Raciocine-se imparcialmente e nada se aceite sem entender. Se não se compreender alguma coisa, não se a rejeite imediatamente. Procure-se estudar profundamente o assunto. Não se conforme com a pior das escravidões que é a mental. Nascemos para ser livres e só o seremos quando raciocinarmos livremente”.

As inscrições referidas encontram-se gravadas no lado direito da Pedra da Gávea, sendo atribuídas aos fenícios praticamente desde a época de D. João VI. Com efeito, na folha 66 do I Volume da Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, encontra-se a seguinte carta lida pelo cónego Januário da Cunha Barbosa (Rio de Janeiro, 10.7.1780 – Rio de Janeiro, 22.2.1846), no expediente dos trabalhos da 8.ª sessão extraordinária de 23 de Março de 1839:

“Em uma das montanhas do litoral do Rio de Janeiro, ao sul da barra, há uma inscrição em caracteres fenícios, já muito destruídos pelo tempo e que revelam grande antiguidade. Esta inscrição foi vista e observada por um conhecedor das línguas orientais, e que ao vê-la concluiu que o Brasil tinha sido visitado por nações conhecedoras da navegação, e que aqui vieram antes dos portugueses. Ele me certificou que tinha dado conta desta descoberta ao governo de D. João VI, e que tinha copiado a inscrição do mesmo modo que se acha feita.”

“Requereu pois o Sr. Cunha Barbosa que o Instituto Histórico, atenta a importância desta notícia, peça com empenho aos nossos consócios oficiais de secretarias que se esforcem por descobrir nelas o relatório desta descoberta, feita no reinado de D. João VI, e oferecido pelo padre mestre Fr. Custódio, professor de grego, e versado nas línguas orientais. Esta carta foi remetida ao Sr. Guedes para fazer as indagações precisas para o descobrimento da memória de que ela fala.”

Mais adiante, nas folhas 98 a 103, encontra-se o Relatório sobre as referidas inscrições, acompanhado do desenho das mesmas, trabalho apresentado por uma comissão nomeada pelo Instituto com o fim de as estudar. Este valioso documento, que passo a transcrever, é concebido nestes termos:

“… Senhores. A comissão encarregada pelo Instituto Histórico e Geográfico para analisar e copiar a inscrição, que se acha gravada no morro da Gávea, transportou-se ao lugar, e não se poupou aos meios e fadigas, que uma primeira excursão demanda, para obter-se um resultado digno de sua missão; e vem hoje perante o Instituto Histórico e Geográfico dar conta do que viu e observou, assim como trazer uma cópia fiel da pretendida inscrição, desse monumento, que pertence à classe daqueles que Mr. Court de Gibelin coloca no seu “Mundo Primitivo”, e que têm chegado às recentes gerações envolvidas no mistério dos tempos com os hieróglifos, os caracteres cuneiformes e as construções ciclopeanas.

“A descoberta de uma inscrição é um facto, que pode trazer uma revolução na História; que pode reconquistar ideias perdidas e aniquilar outras em pleno domínio: um nome, uma frase em uma lápida podem preencher lacunas imensas, restaurando conjecturas e abrir uma estrada luminosa do Passado ao Futuro.

“Os povos que têm uma civilização nascente, são naturalmente crédulos, e sua imaginação os arrasta a ver tesouros encantados por todas as partes; e homens amigos do misterioso algumas vezes também crêem encontrar vestígios dos outros homens naquilo que é um acaso da Natureza.

“À comissão cumpre que aqui manifeste perante o Instituto Histórico e Geográfico a sua gratidão para com os Srs. Rev. Ex-vigário da Lagoa, Manoel Gomes Souto, Manoel Joaquim Pereira e João Luiz da Silva, pela bizarra e cordial hospitalidade que deles recebeu; assim como ao Rev. Sr. José Rodrigues Monteiro, capelão de S. M. I., que teve a bondade de acompanhar e servir de testemunha na averiguação da cópia que se fez da pretendida inscrição, participando dos incómodos sofridos nesta exploração arqueológica.

“Senhores. Que no cume da Gávea, do lado direito aos que vão pela Serrote da Boavista, numa pedra de forma cúbica existem caracteres, ou sulcos que a eles se assemelham é indubitável; mas a comissão não afirma que eles sejam gravados pela mão do homem, ou pela lima do tempo.

“Assim como a Natureza esculpiu sobre a rocha de ‘Bastia’ a forma de um leão em repouso; na gruta das Sereias, em ‘Tivoli’, um dragão em ar ameaçador; e na mesma Gávea a forma de um mascarrão trágico; assim como ela eleva pontes naturais, constrói fortificações e baluartes, que ao primeiro lampejo da vista fazem crer ao viajor monumentos da mão do homem e assim ela podia gravar na rocha viva aqueles caracteres que podem mais ou menos por suas formas aproximarem-se a algumas das letras dos alfabetos das nações antigas e orientais.

“A comissão não deseja representar perante o Instituto Histórico o papel dos antiquários de Walter Scott e Goldoni, para não encontrar a ilusão de suas conjecturas na ingenuidade de um mendigo, ou nas trapaças de um Brighella; tanto mais que com os seus próprios olhos ela encontrou em diversas pedra isoladas em roda da mesma Gávea, sulcos profundos entre dois veios do granito, que mais ou menos representavam caracteres hebraicos, e alguns até romanos, e de uma maneira assaz evidente e caprichosa.

“Pitágoras, senhores, olhava para o Sol como um Deus, e Anaxágoras como uma Pedra inflamada. A comissão nesta sua primeira análise voltou, como os dois filósofos, vendo uma inscrição e vendo uns sulcos gravados pela Natureza.

“Argumentos notáveis se apresentam de uma e outra parte para que ambas as conjecturas tenham seu fundamento e suas principais proposições vos vão ser apresentadas.

“1ª. Que os diversos viajantes têm descoberto inscrições em diferentes rochedos do Brasil, e que a da serra da ‘Anabastabia’, aonde se crê, vai a descrição de uma batalha, assim como a das margens do ‘Iapurá’ e outras mais, que se vêem na famosa colecção das palmeiras de “Spik et Martiles”, dão uma prova da existência desta sorte de monumentos no nosso solo: acrescentando mais a tradição das ‘Letras do Diabo’ num rochedo em Cabo Frio, que depois de dados mais exactos algum de nós se transportará ao lugar para copiá-las, e descortinar mais esta ponta do véu que encobre a História primitiva desta Terra bem-aventurada.

“2ª. Que assim como Pedro Álvares Cabral, Afonso Sanches, empurrados pelos ventos, descobriram o continente da América, também algum desses povos antigos, que a ambição do comércio forçava a sulcar os mares, podia por iguais motivos aportar às nossas praias, e escrever sobre uma pedra um nome ou aquele acontecimento, para que a todo o tempo as gerações vindouras lhe restituíssem a glória de tão grande descoberta.

“3ª. Que a inscrição da Gávea se acha colocada de uma maneira vantajosa a estas conjecturas: voltada para o mar, em uma face da rocha cúbica, pouco escabrosa, com caracteres colossais de sete a oito palmos, ao rumo de L. S. E., pode ser vista a olho nu de todas as pessoas que por ali passarem; e notável é que os habitantes daqueles lugares todos conhecem as letras da pedra. A inscrição assim colocada está exposta à fúria das tempestades e dos ventos do meio-dia e por consequência, deve estar muito safada, tanto mais que o granito da pedra em que está gravada é de uma consistência menos forte, por conter muito talco e mica, e na sua base existem três concavidades esburacadas que formam o aspecto de mascarrão.

“Um dos dados arqueológicos para fortificar qualquer conjectura na averiguação de tais monumentos, é o da possibilidade de poder-se ou não gravar naquela altura imensa uma inscrição tão colossal, e o carácter geológico do mesmo lugar.

“O terreno que circunda as raízes do morro da Gávea é todo primitivo, à excepção de uma pequena enseada que está na base da colina da fazenda da Gávea, que é de terreno de aluvião, pouco acima do nível do mar, e que nada influi sobre os pontos principais que se denotam dos ‘Dois Irmãos’ à Tijuca e desta à Gávea que são massas enormes de granito, cobertas de uma crosta de terra vegetal, assaz delgada, e tendo aqui e ali glebas de carbonato de ferro, ou saibro micoso: o mar está muito próximo, nenhuma revolução grande, se exceptuarmos alguns calhaus destacados dos morros, se denota naquele recinto.

“O homem, que levado a aqueles lugares quisesse deixar uma memória da sua passagem, facilmente seria seduzido pela majestade e grandeza do morro da Gávea, e pela disposição daquela pedra com uma face quase plana, e fronteira ao mar; e quanto ao acesso do cume da Gávea, ele é incontestável, porque dias antes de nossa exploração alguns oficiais da marinha inglesa lá subiram, e colocaram umas bandeirinhas ainda que com muito custo.

“O lugar onde está a inscrição pode ser que em tempos remotos fosse mais aterrado, e que com os séculos tenha sido escalvado pelas contínuas humidades, chuvas e ventos do sul.

“Porém, senhores, além destas considerações e outras mais diminutas, que conduzem o nosso espírito à crença, outras se levantam para encontrá-las e nos obrigam a oscilar entre a afirmativa e a negativa.

“1ª. Que os pretendidos caracteres, que apresenta o rochedo da Gávea, não se assemelham aos dos povos do velho continente, que empreenderam as primeiras navegações, e muito menos aos dos modernos.

“2ª. Que estes caracteres, comparados com os alfabetos e inscrições, que Mr. Court de Gibelin dá na sua obra do “Mundo Primitivo”, não apresentam semelhança alguma de uma inscrição fenícia, cananeia, cartaginesa ou grega: e que mais parecem sulcos gravados pelo tempo, entre dois veios do granito, pois com iguais aparências se encontram não só no lado oposto do da inscrição da mesma Gávea, como em outras pedras destacadas, e principalmente numa grande, que se encontra à esquerda, na base do morro, quando se sobe para a casa do Sr. João Luiz da Silva.

“3ª. Que a parte da rocha onde começa a pretendida inscrição, além de perpendicular e de um acesso quase impossível, é a menos conservada ou a mais apagada: sendo aquela que está menos exposta à fúria das estações; alguns traços perpendiculares, outros mais ou menos oblíquos, mais ou menos curvos, ligados por hastes interrompidas, que muito e muito se assemelham a veios, fazem o todo da inscrição, e uma grande irregularidade de profundidade se observa na gravura, assim como no largo veio da base, que se poderia conjecturar como um traço, para melhor se descobrirem as letras, o que é interrompido visivelmente e dá formas não equívocas de um veio mais profundo. Este argumento é fortificado pela profundidade dos caracteres da parte esquerda que estão mais expostos do que os da direita, por entrarem na curva que se dirige para o norte.

“Os fenícios escreviam da direita para a esquerda, trabalhando destarte deviam dar a mesma profundidade às letras, para que elas fossem igualmente visíveis.

“Mas a comissão, senhores, vindo perante o Instituto Histórico e Geográfico dar conta de sua missão, está longe de protestar solenemente contra a ideia de serem, ou não, uma inscrição aqueles sulcos ou traços que se encontram no cume da Gávea, porque ela ainda não empregou os últimos recursos que lhe restam para a verificação de semelhantes monumentos; ela vem, em família, expor as suas impressões e conjecturas, e protestar que uma segunda exploração será feita com melhores instrumentos e com um dia mais favorável para ver se obtém um resultado de maior evidência, e mais positivo; lastimando, contudo, o não poder estudar a ‘Memória’ que o ilustre Fr. Custódio escrevera, noutros tempos, sobre esta mesma inscrição[7].

“A comissão tem presente na lembrança as navegações desses povos da Antiguidade, e se triunfar a ideia do ilustre Padre Mestre, ela a fortificará por uma ‘Memória’ mais ampla e circunstanciada, e nas formas demandadas pela ciência da Arqueologia, em que não somente passará em resenha todas as tradições, que temos das navegações dos antigos, como também procurará nas línguas e tradições de diversos povos a luminosa esteira traçada pela civilização dos fenícios, entre os povos das ilhas aonde eles tiveram as suas feitorias, e onde eles deixaram monumentos materiais de sua existência e passagem, tanto na Ásia e África como na América, que, segundo Stevan Sewall e Court de Gibelin, aí aportaram e deixaram inscrições na parte setentrional.

“A comissão não desespera da glória, que aguarda o Instituto Histórico e Geográfico, na descoberta de iguais monumentos; nem da esperança de ver aparecer em seu seio um Champollion brasileiro, esse Newton da Antiguidade Egípcia ou Cuvier do Nilo, para o facho de seu génio indagador iluminar esta parte tão obscura da História primeva do nosso Brasil; e porque ela pode num dia contemplar aquele monumento como Anaxágoras o Sol, e no outro como Pitágoras ver naquela rocha uma inscrição gravada pelo acaso e o tempo, ou um padrão, pelo cinzel do homem, deixado às gerações vindouras.

“Rio de Janeiro, 23 de Maio de 1839 – Manoel de Araújo Porto Alegre. – J. da C. Barbosa. Como testemunha, José Rodrigues Monteiro.”

Tal “Champollion brasileiro” estaria destinado a ser Bernardo de Azevedo da Silva Ramos (Manaus, 13.11.1858 – Rio de Janeiro, 5.2.1931), que com a paciência e a minúcia de um sábio chinês, num longo e exaustivo estudo filológico comparativo das línguas antigas, chegou à conclusão de tratar-se de escrita fenícia, dando a seguinte tradução ao texto da Pedra da Gávea[8]:

Todavia o eminente autor deixou escrito no término do seu preciosíssimo estudo, na página 436 v da obra citada, sobre a sua interpretação da inscrição: “Dada a hipótese de não a termos interpretado fielmente, resta-nos o consolo de que bem empregámos o nosso tempo, determinando com nossas modestas investigações o estímulo aos competentes, que nos perdoarão esse alvitre”.

A frase viria a ser corrigida em Maio de 1954 pelo próprio Professor Henrique José de Souza, que assim a interpretou:

YETBAAL, TYRO FENÍCIA, PRIMOGÉNITO DE BADEZIR.

Quanto ao dito recheio interior havido na Pedra da Gávea até 1938, ano em que foi tudo retirado e lacradas ainda mais as suas passagens subterrâneas conforme a primazia autoral de Henrique José de Souza, este mesmo assim o descreve[9]:

“Dentro da Pedra da Gávea, além de duas múmias colocadas uma junto à outra sobre uma mesa de pedra, aos seus pés também se acham duas outras de dois escravos núbios, sendo que à cabeceira se encontram dois jarrões contendo flores em parafina, etc. E dos lados, em dois vasos canópicos, como outrora nos túmulos faraónicos do velho Egipto, os manes das duas referidas múmias… E mais adiante, depois de uma rampa que vai dar ao mar, pela parte traseira da mesma Pedra – como esfinge fenícia que é – uma barquinha de tecto esmaltado de azul, movida por uma roda que ia ter à pequena hélice, na popa, sendo accionada por referido escravo núbio.

“Pelo que se vê, o ‘casal’ cujas múmias se acham sobre as mesas de pedra, outro não é senão ‘a parelha primogénita de Badezir’, do mesmo modo que o escravo (pois a escrava morreu alguns anos depois) que movia a barquinha, e que soçobraram na baía que hoje tem o nome de Guanabara (Niterói, em língua tupi, quer dizer ‘baía grande’, mas, em língua fenícia, chamava-se outrora Nish-Tao-Ram, ou ‘o caminho iluminado pelo Sol’, como se se dissesse que os dois referidos seres, já naquela época, preparavam, na mais excelsa de todas as tessituras, a sua própria Obra do Futuro, que deveria tomar forma na referida região).

“Quando Badezir veio a saber da morte de seus dois filhos, correu pressuroso, em companhia do sumo-sacerdote Baal-Zin e de um mago (médico e mumificador), chegando, infelizmente, muitos dias depois. O choque moral e a sua própria idade, concorreram para que ele durasse pouco tempo. Mas, antes de morrer, pediu ao supracitado sacerdote que ‘logo isso acontecesse, mumificasse o seu corpo, deixando-o ao lado dos dois filhos durante sete anos, findos os quais deveria ser transportado para certa região do Amazonas’, onde até hoje se acha, num pequeno santuário oculto nas referidas selvas.”

Fazendo agora uma ordenação geosófica, tem-se que além do morro próximo chamado dos Dois Irmãos (possível evocação toponímica dos malogrados Yet-Baal-Bey e Yet-Baal-Bel), dois outros perfazem uma triangulação com a Pedra da Gávea. Um é o Corcovado (possível evocação toponímica do velho Badezir), montanha granítica com mais de 700 metros de altura, onde foi levantada a estátua do Cristo Redentor. Aí existia antes de 1831 uma famosa Pedra Santa, que presumo ter sido algum ícone ou altar sobrevivente da Proto-História, destruído nessa data conforme a notícia dada por Brasil Gerson[10]: “… Era o padre Souto um homem inquieto, que levou uma comissão do IHGB à Pedra da Gávea para destruir a lenda de que nela existiam inscrições fenícias e recebeu da Ilustríssima Câmara a incumbência de retirar do Corcovado a famosa Pedra Santa, que ameaçava o caminho para o jardim (suponho, o Botânico), e quando ele deixou a sua paróquia, em 1831, sucederam-lhe…”.

O outro morro é o Pão de Açúcar. Foi no seu sopé que Estácio de Sá, no 1.º de Março de 1565, fundou a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, depois de se derrotarem as pretensões francesas, entre 1560 e 1567, de fundarem aqui uma colónia, França Antártica, e uma cidade Henriville, pretendendo assim tomar posse do território brasileiro para a Coroa de França. Os franceses liderados por Nicolas Durand de Villegagnon, cavaleiro oficial da Ordem de Malta, foram definitivamente derrotados e expulsos de todo o território do Rio de Janeiro, cuja batalha da Baía de Guanabara foi decisiva para a vitória de Mem de Sá à cabeça dos portugueses e temiminós juntos contra o opressor estrangeiro[11], o qual depois se vingou pela calúnia perdurando até hoje, inclusive alimentada por certos meios intelectuais brasileiros, os quais melhor do que ninguém deveriam saber que lusos e tupis mais que fraternos são irmãos, nem que seja «só» pela ligação consanguínea donde resultou o mameluco; são, enfim, a argamassa racial do Brasil Ibero-Ameríndio!… Após a vitória decisiva e à semelhança do que muito antes fizera Badezir, em 1572 o Brasil foi dividido em dois Governos: o da Bahia (sendo governador Luís de Brito e Almeida) e o do Rio de Janeiro (sendo governador António Salema). Em 1577 aboliu-se essa dualidade governativa e ficou um só Governo do Brasil, sendo Lourenço da Veiga nomeado governador-geral com sede capital na Bahia, e só em 1763 a sede do Governo Central transferiu-se para o Rio de Janeiro, que então passou a ser a capital, capitã ou cabeça política do país.

A História igualmente conta que os portugueses, quando aí chegaram, perguntaram aos índios o nome daquela montanha junto à barra, talvez por acharem estranha a sua forma. A resposta teria soado como pau-nd-açuquã, que em tupi significa “morro isolado e pontiagudo”, tendo-a os portugueses traduzido como Pão de Açúcar, deturpando sem malícia essa forma fonética. Segundo o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda[12], pão de açúcar é o tronco de açúcar branco que se forma ao aparar-se internamente a forma de açúcar dos engenhos antigos, anteriores às fábricas. Naturalmente, os portugueses acostumados que estavam com esse sistema de produção de açúcar, associaram a forma de um pão de açúcar (cónica) das suas primitivas fábricas à forma da montanha em questão, além, naturalmente, da “coincidência” fonética com o nome que os índios lhe davam.

Os teósofos brasileiros consignam o Pão de Açúcar marco do Karma Atlante-Fenício, têm-no como lugar fatídico de mau agouro, apontando ter sido nas suas imediações que terá se afundado a barca que conduzia os Gémeos Espirituais fenícios de Niterói para o Rio de Janeiro. O facto é que até as mais antigas referências históricas sobre esse maciço granítico são-lhe pouco abonáveis. Gustavo Barroso, por exemplo, no seu magnífico livro[13] cita uma lenda árabe, possivelmente recolhida da cultura fenícia, onde aponta o nome da “Ilha Brasil” em cuja entrada da barra havia uma certa Mano Satanas, a qual fazia soçobrar as embarcações que ousassem atravessá-la. Como “não há fumaça sem fogo”, verifica-se, ao compulsar-se as cartas de Pedro Reinel, de 1519, e de Gian Baptista Ramusio, de 1556, no Roteiro Cartográfico da Baía de Guanabara e Cidade do Rio de Janeiro, séculos XVI e XVIII, apud Álvaro Teixeira Filho, o deparar, respectivamente, com os termos Sombreyo para o Pão de Açúcar, e Sombriere para a baía de Guanabara. Esses dois topónimos são derivados da palavra sombra… No francês, inclusive, o verbo sombrer tem o sentido de “soçobrar”, “fazer naufragar o navio”, etc.[14]

Essa Mano Satanas de péssimo agouro divulgada pelos navegadores árabes em África e na Europa, é uma entre muitas tradições recolhidas por eles nos “lugares incógnitos” aonde chegaram e depois difundiram. Com efeito, as posteriores geografia e cartografia dos navegadores portugueses da Idade Média foram maioritariamente herdadas dos árabes, por sua vez possuindo essas informações por herança mesopotâmica – turco-síria e iraniana-iraquiana – afim à antiga Fenícia, através da grande plataforma transcontinental de intercâmbio cultural de povos que era e ainda é Jerusalém.

Entendo por literatura geográfica árabe os famosos relatos de viagens célebres, como as de Soleimão, o Mercador, à China por mar. Essa literatura havia de servir para os tratados descritivos como o de Ibn Khordadhbeh que tomou o título, depois vulgarizado, de Kitâb Al-Massâlik wa Al-Mamâlik (“Livro dos Caminhos e dos Reinos”). A partir de então, os árabes acrescentaram a China e a Sibéria aos conhecimentos do mundo antigo, atingindo as terras de Gog e Magog. No entanto, os seus mapas obedeciam ainda aos critérios de Ptolomeu, apenas havendo a acrescentar que tornaram o mundo mais extenso. O primeiro período de esplendor da Geografia árabe é o definido, cerca do ano 1000, por nomes de sábios como Balkhi, Yacubi, Istakhri, Ibn Hauakal e Al-Massudi.

Ao mesmo tempo que a Geografia descritiva dá uma extraordinária riqueza de informação e pormenor (Al-Massudi é considerado, por isso mesmo, o Plínio árabe), a Cartografia prossegue o iniciado por Ptolomeu, com os cartógrafos utilizando desenhos esquemáticos e figuras geométricas para representar os países e os acidentes geográficos. É o caso dos mapas de Istakhri, bem elucidativos desse processo. Estava-se, precisamente, na época dos mapas do Islão.

Uma época à parte pode ser considerada a de Edrisi ou Idrisi ou Abu Abdullah Muhammad al-Idrisié no século XII (1110 – 1165), que trabalhando em Palermo às ordens dos reis normandos da Sicília, não só elaborou a sua monumental Geografia como também um gigantesco mapa onde representou todo o Mundo então conhecido, da China ao Magreb, do Andaluz à Índia, de Zanzibar à Terra dos Russ (Rússia)[15]. Nos séculos seguintes surgiram os criadores dos dicionários geográficos e enciclopédias: Yaqut, Qazwini, Abu’l-Fida.

Mapa-Mundi de Al-Edrisi, situando-se o Sul no topo

No que diz respeito à cartografia, importa registar que antes de Edrisi, que já representa um notável progresso na ubicação das costas marítimas do Mediterrâneo, Abu’l-Hassan, autor de um famoso tratado de astronomia, dá numericamente a posição de 131 cidades com tanta perfeição que se tornou possível o desenho de um mapa do Mediterrâneo, onde os erros em relação à realidade hoje conhecida são quase desprezíveis. Se comparar-se o mapa de Ptolomeu com o de Abu’l-Hassan (séculos X-XI), tem-se de reconhecer que com os árabes a Geografia deu um salto gigantesco trazendo-a quase até à posição actual.

A esfericidade da Terra era ponto assente para os árabes, e entre eles não faltaram autores que admitiam a existência de um continente onde está a América, como justamente protesta José Garcia Domingues[16]. Exemplo disso é a Geografia Taqwin al-Buldân, escrita nos inícios do século XIV por Abu’l-Fida (Abu’l-Fida Ismail Ibn Ali Al-Ayubi), que teve como fontes Ibn Hauqal, Edrisi e Ibn Kondhadhbeh. Apresenta uma particularidade mais que nova, notável: a de dar a situação das diferentes localidades por meio de coordenadas – latitude e longitude. A latitude a partir do Equador, definido pelos equinócios; a longitude a contar das terras do Extremo Ocidente[17], as “Ilhas Afortunadas” – Jaza’ir-as-Sa´adat.

Com efeito, a geografia árabe estava cheia de mitos a descobrir, tal como a sua cartografia repleta de mistérios a desvendar. Ambas consequência certa de cultura e saber legadas por civilização anterior afro-mediterrânea. Abentofaíl aludira às ilhas de Vac-Vac, às quais se chegava pelas estrelas, pela orientação estelar, e Edrisi à Ilha dos Carneiros ou Ilhas Fantásticas, num texto relembrando a Navegação de São Brandão. A ideia de viagem por Ocidente em busca de terras era de tal modo grata que, no século XII, os almagrurin de Alfama encetaram empresa de viajar Atlântico fora até às Canárias. Foi de Lisboa que partiram os navegadores que, no dizer de Edrisi, iam procuram saber o que havia no Mar das Trevas (Mar Tenebroso) e quais os seus limites, tendo atingido Ua açafi (Safim?) mas não as Canárias, segundo certos autores do século XIX[18], no que não concordo por serem vastas as provas e referências romano-árabes da presença arábica nessas ilhas, nomeadamente em Tenerife, ao lado dos templários e do médico, escritor e alquimista, afamado peregrino de Santiago de Compostela, Raimundo Lúlio. Ademais, as Canárias, tal como outras ilhas atlânticas, estavam bastante mencionadas na geografia árabe. Por exemplo, Maudi, no século X, aludiu na obra Os Prados de Ouro às “Ilhas Eternas” (Jaza´ir-al-Khalidat) no Oceano Ocidental, e a tais “Ilhas Eternas”, espécie de Paraíso Terreal, refere-se também Almacarí.

Na geografia como na astronomia, filosofia, matemática, química, a ciência árabe medieval foi, na verdade, o elo de ligação entre a ciência grega, de tão nobres tradições, e a moderna, não apenas no sentido de que transmitiu a ciência grega mas ainda por trazer o saber no nível em que os gregos o deixaram, até ao momento em que foi possível elaborar a ciência moderna.

A serem verídicas, poderão ser já da época da decadência do “império” fenício no Brasil as inscrições no Pão de Açúcar, descobertas e traduzidas por Ladislau de Sousa Melo e Neto, director-geral do Museu Nacional do Rio de Janeiro, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e catedrático em Ciências Naturais, citadas no livro de Peter Kolosimo[19]:

“Somos filhos da terra de Canaã. Sobre nós pesa a desventura e a maldição. Em vão invocamos os nossos deuses; eles nos abandonaram e assim morreremos desesperados. Hoje é o décimo aniversário do infausto dia em que chegámos a estas margens. O calor é atroz, a água é podre, o ar cheio de repugnantes insectos. Os nossos corpos estão cobertos de chagas. Ó deuses, ajudai-nos! Tiro, Sidon e Baal!”

Deixo essa informação à apreciação do leitor, e como não disponho de mais dados plausíveis até ao momento, não me é possível julgar da sua mais ou menos valia. Passo, pois, de imediato à origem toponímica de São Sebastião do Rio de Janeiro. Este nome depreende-se da tradição do santoral católico em se batizar as terras descobertas em conformidade aos dias das festas do calendário litúrgico. Ainda assim, a frota comandada pelo capitão D. Nuno Manuel ao serviço do rei D. Manuel I, com a missão de explorar a costa brasileira, fugiu à praxe adoptada, pois ao alcançar a região da Guanabara, no dia 1 de Janeiro de 1502, batizou-a primeiro de Rio de Janeiro, e só depois consagrou o lugar a São Sebastião.

A título de exemplo, repasso uma pequena lista dos lugares que receberam os nomes conformados ao calendário litúrgico: a 28 de Agosto, Cabo de Santo Agostinho; a 29 de Setembro, Rio de São Miguel; a 30 de Setembro, Rio de São Jerónimo; a 4 de Outubro, Rio de São Francisco; a 21 de Outubro, Rio das Virgens; a 1 de Novembro, Baía de Todos os Santos; a 13 de Dezembro, Rio Santa Luzia; a 21 de Dezembro, Cabo de São Tomé; a 25 de Dezembro, Baía do Salvador; a 6 de Janeiro, Angra dos Reis; a 20 de Janeiro, Ilha de São Sebastião; a 22 de Janeiro, Porto de São Vicente, etc.[20]

Janeiro, nome que encerra inúmeros simbolismos, deriva de Jano ou Janus, que na mitologia romana é o “deus das duas caras”, e por estar colocado no primeiro mês do ciclo anual com uma das caras presidia aos acontecimentos dos onze meses procedentes, e com a outra reflectia os sucessos e insucessos do ano precedente. De maneira que, em termos teosóficos, simbolizava o Manu Semente e Colheita presidindo ao início e ao final de um Ciclo de Evolução Humana, facto representado no Cristianismo nas duas chaves entrecruzadas do seu sumo-pontífice[21]: a de ouro (Manu – Vida – Semente – Encarnação) e a de prata (Yama – Morte – Colheita – Desencarnação). No contexto da Evolução Cósmica, as “duas caras” representam as Duas Faces do Eterno: a Divina e a Terrena. Uma é a face de um Velho barbado, o Ancião das Idades, e a outra é a de um Jovem, o Eterno Adolescente; uma que chora, e outra que ri. As Duas Faces do Eterno representam, pois, “o Começo e o Fim das Coisas” – o Alfa e o Ômega da Criação.

Quanto a São Sebastião, Juan Atienza faz eco da Tradição Iniciática quando o aponta como paradigma da condição Kshatriya, “Guerreira ou Real”, conformada ao ideário sinárquico de Agharta em que se inspirou St.º Agostinho para a sua Civitas Dei ou “Cidade de Deus”[22], e muito mais tarde a Maçonaria Adonhiramita, ao escolher a capital carioca para nela fundar a primeira Potência Maçónica do Brasil, ela mesma ao se considerar Arte Real perseguiu o projecto magno de edificar aqui mesmo a Nova Cidade de Deus, a Nova Jerusalém, já desde a lonjura dos tempos assinalada por vates e sibilas a sua aparição no Grande Ocidente do Mundo. Tudo isso, afinal, revelando-se causalidades da Lei Suprema que a tudo e a todos rege.

Em 1921, o Governo Federal resolveu demolir o Morro do Castelo, antigo Morro de São Januário, onde se localizava a igreja de São Sebastião do Rio de Janeiro. No dia 20 de Janeiro de 1922, houve a trasladação das “relíquias históricas” da igreja de São Sebastião, acto cuja missa foi celebrada pelo então arcebispo coadjutor D. Sebastião Leme, depois cardeal. A família Leme, tão ligada à História do Brasil, de onde desponta um Fernão Dias Paes Leme, é de origem flamenga e se assinava Lem, cujos irmãos Martim Lem já haviam desempenhado papel importante na Basílica do Precioso Sangue, em Bruges, Bélgica, onde no século XV foi fundada e consagrada a Ordem do Tosão de Ouro.

Inclusive o primeiro governador do então povoado do Rio de Janeiro, Mem de Sá (Coimbra, 1500 – Salvador, 2 de Março de 1572), estava ligado à família Lem. No processo militar de expulsão dos franceses (que haviam angariado o apoio guerreiro dos tamoios contra os portugueses, por artifícios vários a ponto de depois os deixarem entregues à sua triste e má sorte), ele recebeu o auxílio de Ararigboia, chefe ou morubixaba dos temiminós, vindo com a sua gente do lugar do Espírito Santo[23] onde se haviam estabelecido em 1555, emigrados da Guanabara devido aos ataques dos mesmos tamoios.

A batalha foi rápida e brilhante, começando pela tomada do forte de Uruçú-mirim, situado na foz do rio Carioca (no fim da praia do Flamengo, próximo do local onde foi construído o Hotel dos Estrangeiros), generalizando-se depois à ilha de Villegaignon e à do Governador ou do Gato (Maracaiâ), onde se declarou a vitória final[24].

Durante o combate de Uruçú-mirim recebeu Estácio de Sá uma flechada no rosto, de que veio a morrer alguns dias depois.

Ao índio Ararigboia (em tupi, “cobra de tempestade” ou “cobra feroz”), em recompensa dos seus serviços, foi-lhe entregue o hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo (tendo recebido o batismo cristão no Rio de Janeiro em 1530, segundo Frei Vicente do Salvador, recebendo do seu padrinho o nome de Martim Afonso de Sousa) e doada do outro lado da baía uma légua de terra no litoral com duas pela terra adentro, desde São Lourenço até Icarahy, compreendendo a maior parte da actual cidade de Niterói. O seu nome ficou ligado à colonização do Espírito Santo, do Rio de Janeiro e da Guanabara[25].

Mem de Sá retirou-se pouco depois para a Bahia e de lá continuou a insistir pela sua demissão, vindo a falecer em São Salvador dois meses antes da chegada do seu sucessor.

Como disse, no Morro do Castelo estava a igreja de São Sebastião que durante quase quatro séculos foi o bastião da Sé, e no seu topo dominava a estátua do Arcanjo São Miguel, simples e bela, toda em cobre, que servia de ponto de referência aos navios que cruzavam a barra (Pão de Açúcar…) da baía de Guanabara. Este Arcanjo psicopompo, conduzindo as almas de um lado ao outro da vida, portador da Espada e da Balança, diz a Tradição Iniciática que seria representado pela secreta Ordem de Mariz, tendo dado início à extinção do Karma Fenício-Atlante que pesava sobre o Rio de Janeiro.

Tal Ordem Encoberta, Jina, como diria Mário Roso de Luna, avança ainda a Tradição Iniciática que ela é a Quinta das Sete Ramas da Grande Loja Branca, Maçonaria Universal ou Igreja de Melkitsedek – afim à chamada Linha Cabayu (tupi) ou Morya (sânscrito), em arábico Muridj ou Maridj, donde Mariz em português – e que levantou bem alto o seu Pavilhão Púrpura no Rio de Janeiro, a ponto de no Brasão de Armas deste a figurar centralmente o barrete frígio (simbólico do Adepto Independente ou o verdadeiro Homem Livre) sobreposto às três setas sebásticas, flechas incendiadas pelas Três Hipóstases do Deus Eterno Criador do Universo Mundanal, este assinalado na Esfera Armilar signatária do Hermetismo Manuelino, indicativa da Assiah ou o “Mundo”, que no Tarot se representa no Arcano 22 marcando o biorritmo do Brasil.

No Ermitão da Glória, obra preciosa do Genial José de Alencar (ou “Jina de Além-Mar”…), fala-se de Aires de Lucena e de Maria da Glória, autênticos gémeos espirituais profundamente enamorados que, por causa do seu amor impossível, morre ela na flor da idade e ele se torna o ermitão da Glória. Esotericamente, ela, Maria, é Vénus (Mãe, Mater, Mariz…) e ele, Aires ou Áries, é Carneiro (o “Guerreiro da Arca ou Agharta”, que toma por espada o bastão de eremita e por couraça o solidéu da renúncia), no cume do Outeiro (Solar) com o nome daquela alma amada que tão jovem partiu. Assim, Lucena acaba encarnando em si o martírio do próprio Orago, e quis a Lei de Causalidade que lá em baixo, logo ao começo da subida, fosse postada a monumental estátua de São Sebastião, “bastião” da Mui Leal e Heróica Cidade do Rio de Janeiro.

Lucena e Glória, cuja morte acaba simbolizando a “Realização do Andrógino” como parelha gémea, ficaram representados nos dois golfinhos laterais do Brasão de Armas do Rio, bem se sabendo que o delfim é tanto símbolo da Pedra Filosofal como do Messias ou Avatara, seja Cristo ou Maitreya, tanto vale, por ser a mesmíssima Consciência Divina em nova manifestação como Espírito de Verdade.

O Outeiro da Glória tem por “balizas”: à sua esquerda, o Relógio da Glória, de “quatro faces”, as quais transpostas às quatro faces de Janus, o deus das Portas, dos Portais do Mundo, vêm a representar os quatro pontos cardeais. No pedestal posta-se Brasão de Armas da cidade, ostentando a quilha de uma caravela entre a parelha de golfinhos.

À direita, encontra-se o Monumento Comemorativo da Abertura dos Portos (28.1.1888), onde duas damas sentadas vis-à-vis, a primeira tem a mão esquerda apoiada numa âncora (marinha), e a segunda empunha um caduceu (comércio); no respectivo pedestal, mais uma vez, o Brasão de Armas da cidade. Se teologicamente expressa a Esperança, esotericamente a âncora representa a fixação de um Ideal em lugar predeterminado aportado por determinado Movimento, portanto e como muito bem diz Moysés Jakubovicz, é “o símbolo do Salvador, o Avatara ou Manu, cuja “Barca” ancora em Porto Seguro… para a eclosão dos Seus preceitos, que, devidamente vivenciados pela criatura humana, realiza o equilíbrio do masculino e do feminino, energias estas representadas pelas serpentes do caduceu de Mercúrio, uma das metas da Teosofia”.

A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, a cidade de São Salvador da Bahia de Todos os Santos e Brasília, a actual capital do país, têm uma característica comum: à luz da Tradição os seus nomes correspondem a princípios sagrados.

Cidade do Salvador – 1.ª capital (1549-1763). Início do Brasil Ibero-Ameríndio. Salvador, em grego, é Soter, com o sentido de Messias, Avatara, Legislador, Manu, etc.

Cidade do Rio – 2.ª capital (1763-1960). Brasil Luso-Mameluco. Janeiro provém de Janua, “Porta”, e Janus, o “Senhor das Eternidades”. Aqui foi a capital de Portugal e de todo o Império Português no Mundo, reinando D. João VI, e diante da dimensão geográfica do Império bem se poderá dizer que o Rio de Janeiro chegou a ser Capital do Mundo.

Cidade de Brasília – 3.ª capital (desde 1960). Brasil Americano, o Futuro. Brasília é feminino de Brasil, o que decerto terá a ver com o alvorescente V Império Universal ou a Era do Espírito Santo – a Idade do Veltro di Dio, a da Parúsia.

Para terminar, de volta à memória desse enigma brasílico que é a Pedra da Gávea e assim desfechar a saga do Brasil Fenício, informa, em lavra romanceada, Sérgio Órion de Souza do que terá sucedido após a morte abrupta de Yet-Baal-Bey e Yet-Baal-Bel[26]:

“O choque e a comoção apossaram-se do reino. Badezir foi mandado buscar às pressas pelos sacerdotes, apressando-se quanto pôde em vencer tão longo quão dificultoso trajecto, mas ao chegar nada mais pôde ser feito senão o sepultamento dos gémeos, que se deu no interior da hoje chamada Pedra da Gávea. Badezir retornou ao reino do Norte arcado pela imensa dor. Os reinos não mais lhe interessavam. Mesmo as redobradas responsabilidades políticas e administrativas – pois teve que assumir a ambos os reinos – não lhe dissiparam a tristeza de pai que muito se lamentava por nada ter conseguido fazer pela protecção dos filhos amados. Meses depois falecia Badezir de desgosto na capital de seu reino, em plena floresta amazónica. O seu corpo foi sepultado num templo piramidal, ainda lá existente, porém inacessível.

“Sob Badezir vigia a mais harmónica complementaridade entre os dois reinos, com a natural hegemonia do reino do pai, ao Norte. Com o desaparecimento dos supremos dirigentes, os sacerdotes e os militares tentaram de alguma forma manter coesos os reinos, mas as desavenças avultaram. Negavam-se os do Sul a serem governados pelos do Norte, chegando-se quase à declaração de guerra. O caos generalizou-se. Seguiram-se à dissidência política as crises administrativas e económicas. À falta de um governo central, as cidades fundadas às margens das rotas interiores foram deixadas à própria sorte; umas desapareceram, outras vingaram ainda por muito tempo, mas todas, com o passar dos séculos, foram abandonadas, pela vida mais fácil nas cercanias do litoral”… até desaparecerem definitivamente, com o fenício e o cário conversos simplesmente tupi e carioca.

Em desfecho final ao tema, agora respigo breve trecho de obra privada da lavra do Professor Henrique José de Souza, escrita nos anos 50 do século findado, levando o sugestivo título Livro da Pedra:

– Acolá, a Pedra da Gávea respondendo aos sinais semafóricos dos náufragos da vida, querendo dar entrada na Barra da “Baía de Guanabara”. Do outro lado, a Nistaoram dos amores fenícios dos Gémeos contemplando o mistério. A barquinha tradicional encalhada no bojo da serra, do monólito estranho, como Templo-Túmulo de Dois Deuses do Passado… E querendo ela mesma revelar a imortalidade indiscutível dos Gémeos. As vísceras nos vasos canópicos… querendo sangrar com as dores e saudades de outrora, duas múmias de escravos núbios postados aos pés desses mesmos Gémeos… olhando fixamente os corpos dos seus senhores… À cabeceira, dois jarrões de vítrea forma e adornados com aves exóticas e multicoloridas… mais parecem “dois pêndulos do mesmo relógio” a marcar a “Ancianidade dos Tempos”… E o perfume das flores que dentro dos mesmos existem, também na imortalidade de sua existência, a perfumar, agridocemente, o mágico ambiente do multissecular Monumento. Sim, os festejos da face da Terra, nas suas águas oceânicas, a se confundirem com os festejos de Duat repercutidos na Agharta…

E a Pedra da Gávea faz ecoar, no “tintinábulo das pedras em seu redor”, acompanhando o marulhar das águas oceânicas:

“BADEZIR… BASIL… BRASIL!” Terra do Fogo Sagrado.

A Canaã da Kumárica e Pramanthica Quadrilateralidade.

Palavras cruzadas…

NOTAS

[1] Eduardo B. Chaves, Mensagem dos Deuses (Para uma revisão da História do Brasil). Livraria Bertrand, Lisboa, 1977.

[2] Cássio Costa, História dos Subúrbios: Gávea. Departamento de História e Documentação do IHGB, Estado da Guanabara, 1963.

[3] Brasil Gerson, Histórias das Ruas do Rio de Janeiro. Editora Sousa, Rio de Janeiro, 1954.

[4] Helena P. Blavatsky, Isis Sin Velo, tomo II, cap. VI. Editorial Sirio, S. A., Málaga, 1988.

[5] Araken Távora, Pedro II através de Caricatura. Editora Bloch, Rio de Janeiro, 1975.

[6] Paul Hermann, Conquest by Man – The saga of Early Exploration and Discovery. Harper & Brothers, New York, 1954.

[7] Trata-se do padre frei Custódio Alves Serrão (1799-1873), da Ordem dos Carmelitas Calçados da Província do Reino, que durante muito tempo foi professor catedrático de Física e Química na Escola Militar no Rio de Janeiro, neste onde dirigiu o Museu Nacional por decreto de 25 de Janeiro de 1828. Em 1839 escrevera uma Memória remetida ao rei D. João VI, relatando a sua descoberta e interpretação dos pressupostos petróglifos da Pedra da Gávea.

Sacramento Blake, literato, biógrafo e historiador brasileiro, no segundo volume do seu Diccionario Bibliographico Brazileiro (1893), assim descreve este religioso erudito:

“Custodio Alves Serrão — Filho de José Custodio Alves Serrão e de Dona Joanna Francisca da Costa Leite, nasceu na villa, depois cidade de Alcântara, no Maranhão, a 2 de Outubro de 1799, e falleceu no Rio de Janeiro a 10 de Março de 1873. Carmelita professo aos quinze annos de idade, apezar de sua manifesta aversão á vida claustral, mas por imposição de seus paes, em vista da rara intelligencia que demonstrava, foi mandado, à expensas da Ordem, para Coimbra, com o fim de seguir o curso dos estudos superiores; mas bem depressa teve de entrar em lucta com os frades conimbrenses, porque queriam estes obrigal-o a estudar theologia e, como ele teimasse em seguir o curso de sciencias naturaes, chegaram ao ponto de negar-lhe um talher em seu refeitorio! Obtendo, entretanto, o gráo de bacharel com as melhores approvações e com grandes sacrificios, veiu para o Rio de Janeiro em 1825; foi nomeado em 1826 lente do botanica e zoologia da Academia Militar, passando logo com a reforma da Academia a lente de chimica e mineralogia, e em 1828 director do Museo Nacional. Do primeiro destes logares obteve aposentadoria em 1847; do segundo a exoneração que pediu, depois de elevar o Museo ao gráo de aperfeiçoamento que elle ideava. Antes disto, em 1834, exerceu as funcções de membro da commissão de melhoramentos da Casa da Moeda, onde introduziu uteis reformas e processos de analyse e refinação de metaes, que então eram novidade; depois disto, em 1859, foi nomeado para o cargo de director do Jardim Botanico, onde conservou-se alguns annos, tendo alcançado breve de secularisação em 1840. Por occasião de uma viagem ao Norte, em 1835, explorou, em Sergipe, as serras de Itabaiana, onde se dizia existirem minas de ouro e de salitre, e em Alagoas a formação betuminosa das praias de Camaragibe, remettendo amostras ao Governo. Conhecia a lingua grega e varias linguas orientaes e era notavel naturalista, vindo a cegar completamente antes de fallecer, em consequencia das repetidas observações microscopicas a que se entregava. Foi membro do Instituto Fluminense de Agricultora, socio fundador da Sociedade de Melhoramentos da Instrucção Elementar, socio do Instituto Historico do Brazil, socio e presidente honorario da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional, e commendador da Ordem de Christo.”

Quanto às pesquisas na Pedra da Gávea, empreendidas por esse mesmo erudito, agrega Sacramento Blake:

“Consta-me que frei Custodio, em vista de uma inscripção em caracteres phenicios, já muito carcomidas pela acção destruidora do tempo, encontrada em uma das montanhas do littoral do Rio de Janeiro, ao sul da barra, escrevera uma Memoria, em que se prova que o Brazil fôra visitado por alguma nação conhecedora da navegação, antes que aqui viessem os portuguezes. Esta Memoria foi examinada por uma commissão do Instituto Historico, mas nunca se tratou mais disto.”

[8] Bernardo Ramos, Inscrições e Tradições da América Pré-Histórica (Especialmente do Brasil), vol. I, cap. XIV, “As inscrições do Morro da Gávea”. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1930.

[9] Henrique José de Souza, Brasil Fenício. Brasil Ibero-Ameríndio. Revista Dhâranâ, ano XXIX, n.º 2, Maio / Junho – 1954, São Paulo.

[10] Brasil Gerson, História dos Subúrbios: Botafogo. Departamento de História e Documentação da Prefeitura do Distrito Federal, 1959.

[11] Vasco Mariz, Lucien Provençal, Villegagnon e a França Antártica: uma reavaliação. Nova Fronteira, Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 2001.

[12] Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Editora Positivo, Curitiba, 2010.

[13] Gustavo Barroso, Aquém da Atlântida. Cia. Editora Nacional, São Paulo, 1931.

[14] Alfredo Pinheiro Marques, A Cartografia Portuguesa e a Construção da Imagem do Mundo. Edição trilingue (português – francês – inglês). Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 1991. O citado Álvaro Teixeira Filho pertencia às Armas de João Teixeira Albernaz I que, cerca de 1640, pintou uma carta antiga de Portugal Continental que se conserva até hoje em Lisboa, no Museu Calouste Gulbenkian, recentemente acrescentada nos Portugalie Monumenta Cartographica. Sendo filho de Luís Teixeira, João Teixeira Albernaz I foi cartógrafo real, entre 1597 e 1612, e o que teve influência mais notável no estrangeiro, notoriamente na Holanda, onde está boa parte da sua obra. Deve-se a ele as cartas planisféricas do litoral e interior do Brasil, que assim passou a ser conhecido dos navegadores de Seiscentos, nomeadamente holandeses e ingleses, já que desde muito antes os portugueses conheciam bem o Brasil, cerne da sua diáspora mais cultural que comercial, ao inverso dos outros. A dinastia Albernaz teve continuação sobretudo com João Teixeira Albernaz II, neto do homónimo e bisneto de Luís Teixeira. Cf. Armorial Lusitano (Genealogia e Heráldica), referência aos Albernaz, pp. 37-38. Lisboa, 1961.

[15] Este mapa foi publicado em Monumenta Cartographica Africae et Aegypti, de Yousouf Kamal, t. 3.º, fasc. IV, p. 867, Cairo, 1934.

[16] José Garcia Domingues, Portugal e o Al-Andalus. Hugin-Editores, Ltda., Lisboa, 1.ª edição Outubro de 1997.

[17] O texto árabe da Geografia de Abu’l-Fida, Taqwin al-Buldân, foi publicado por Reinaud et Slane, Paris, 1840. A sua tradução, sob o título La Géographie d´Abulfêda, deve-se a Reinaud e Estanislau Guyard, Paris, 1848-83.

[18] J. da Costa Macedo, Memória (…) que os Árabes não conheceram as Canárias antes dos Portugueses, in Hist. e Mem. da A.R.C.L., Tomo I (1843), 37-268. Cf. Pinharanda Gomes, História da Filosofia Portuguesa – A Filosofia Arábigo-Portuguesa. Guimarães Editores, Lisboa, 1991.

[19] Peter Kolosimo, Antes dos Tempos Conhecidos. Edições Melhoramentos, São Paulo, 1970.

[20] Moysés Jacubovicz, A Pré-História do Brasil. Revista Aquarius, ano 3, n.º 9, 1977, Rio de Janeiro.

[21] René Guénon, Symboles Fondamentaux de la Science Sacrée. Éditions Gallimard, Paris, 1962.

[22] Juan G. Atienza, Santoral Diabólico. Ediciones Martínez Roca, S. A., Barcelona, 1988.

[23] Osório Duque Estrada, História do Brasil. Jacinto Ribeiro dos Santos, Editor, Rio de Janeiro, 1922.

[24] Esta ilha teve sucessivamente os nomes de Paranapuam ou Paranapucú, Maracaiâ ou do Gato, dos Sete Engenhos e, finalmente, do Governador (Mem de Sá).

[25] Frei Vicente do Salvador, História do Brasil (1500-1627). Editora Melhoramentos, São Paulo, 1931.

[26] Sérgio Órion de Souza, O Descobrimento do Brasil em três actos. Revista Dhâranâ, ano 76, edição 235, Janeiro 2000, São Paulo.

HY-BRAZIL: DELENDA PHOENICIA – Por Vitor Manuel Adrião

26 Sexta-feira Nov 2021

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Parece ter se tornado instituição o muro de silêncio e ostracismo sobre a Pré e Proto História do Brasil. É como se este nunca tivesse existido antes da chegada de Cabral… Este mistério de ignorar ou de ocultar as provas, ou então as censurar e deturpar, é daqueles que não consigo decifrar, confesso.

Lembro há uns anos atrás ter chegado a Portugal a notícia televisiva de ter sido descoberta no fundo da baía de Guanabara (RJ) uma embarcação pressupostamente fenícia. Foi o “fim do mundo”! Os mais reputados historiadores vieram a liça gesticulando coléricos que essa “não passava de um barco de pescadores afundado recentemente” (como é que eles sabiam se não assistiram ao naufrágio, tampouco realizaram alguma pesquisa submarina no local?!) e que “antes de Cabral nada havia”… e a notícia morreu aí.

Lembrei-me desse acontecimento passado por recentemente ter lido sobre ele numa revista teosófica, o que me avivou a memória[1]:

“Um triste exemplo que comprova esse aberrante comportamento (académico) tivemo-lo em 1982, quando surgiu a notícia da descoberta de três ânforas reconhecidamente fenícias, retiradas da baía de Guanabara. O arqueólogo norte-americano Robert Frank Marx iniciou, em 1975, uma série de mergulhos na citada baía, para confirmar a hipótese do afundamento de um navio fenício ali. Não encontrou navio algum, mas sim as ânforas. O caso foi mediatamente abafado e somente foi divulgado, com informações vagas, três anos depois, em 1978. O assunto só voltou à baila em 1982, quando o jornal O Globo, do Rio de Janeiro, publicou matéria sobre uma Conferência da Marinha, onde o presidente da Associação Profissional das Actividades Subaquáticas, Raul Cerqueira, relatou o achado das ânforas, cada uma delas com capacidade para 36 litros, juntamente com outras 12 peças arqueológicas. O nome do mergulhador que as encontrou foi então revelado: José Roberto Teixeira, que teria ficado com uma das ânforas, entregando as outras duas para o Governo Brasileiro que, segundo informações confidenciais, as mantém em local sigiloso.”

Ainda defronte à cidade do Rio de Janeiro, na Ilha Rasa, foram encontrados esqueletos humanos e paleogravuras datados para cima de 20.000 anos. Não é isto significativo?

Há ainda a notícia da descoberta de 40 urnas funerárias em Presidente Figueiredo, a 107 quilómetros ao norte de Manaus, sendo considerada um dos mais importantes achados arqueológicos do Amazonas de todos os tempos[2]. As urnas mantinham os mortos parcialmente conservados, o que revelava conhecimento herdado dos antepassados acerca dos processos de mumificação. O secretário municipal de Turismo e Meio Ambiente de Presidente Figueiredo, o geólogo Frederico Cruz, disse aos órgãos de comunicação social: “Essas urnas podem conter informações preciosas sobre as populações passadas e sobre as migrações dos paleoíndios que habitaram a região, com certeza há mais de dois mil anos”. Uma das urnas descobertas, de cinco metros de diâmetro no chão, supôs-se “poder ser uma urna gigante usada para enterro colectivo”[3]. Frederico Cruz acrescentou ainda que a Prefeitura de Presidente Figueiredo não era irresponsável ao divulgar informação tão extraordinária. Por causa da grande pressão de jornais e arqueólogos independentes, foi decidido que uma excursão pioneira coordenada pelo arqueólogo Marco António Rocha, do Centro Ambiental da Vila de Balbina, se deslocaria até ao local do achado para realizar os primeiros estudos.

Essas são notícias factuais, referentes a descobertas cientificamente comprovadas, as quais em nada ingerem com a posterior presença de Cabral no Brasil, ao contrário do que achou certa e desavisada comissão de portugueses patrioteiros em Maio de 1968, nisso sendo “mais papistas que o Papa”, como conta Moacir Lopes na sua Introdução à obra de Ludwig Schwennhagen[4]:

“Em Maio de 1968 lemos no jornal O Dia, do Rio de Janeiro, uma notícia vinda dos Estados Unidos, acompanhada da reprodução de um quadro de símbolos. Dizia o texto: “Encontrados na Paraíba e levados para Walthan, em Massachussets, nos EUA, estes símbolos foram estudados durante quase cem anos. Finalmente o professor Cyrus Gordon, especialista em assuntos mediterrâneos, conseguiu decifrá-los. Indicam que os fenícios estiveram nas terras que hoje formam o nosso país, pelo menos dois mil anos antes de Cristóvão Colombo descobrir a América e Cabral chegar ao Brasil”.

“Dois dias após a publicação dessa nota, vimos em outro jornal outra nota: “Lusos: Cabral chegou antes”, em que alguns portugueses radicados no Brasil mostram-se mesmo “revoltados, manifestando a disposição de fazer uma representação junto à Embaixada dos Estados Unidos”…”

Isso vem revelar ignorância crassa em termos históricos, como se o período Pré-Cabralino de alguma maneira ingerisse com o Cabralino e Pós-Cabralino do Brasil. Passo adiante.

De maneira que assim vou me achegando ao estudo filológico comparativo Sumério – Tupi, que é dos mais apaixonantes da Proto-História Brasileira, indo tomar por ponto de partida a palavra bíblica Ophir, que fez a glória de Israel e foi a joia mais cara da grandeza de Tiro, esta descrita pelo profeta Ezequiel:

“Ó Tiro, tu disseste: «Eu sou de uma beleza perfeita e situada no coração do mar”… Os cartagineses que traficavam contigo, trazendo-te toda a casta de riquezas, encheram os teus mercados de prata, de ferro, de estanho e de chumbo. A Grécia, Thubal e Mosoch também estes sustentavam o teu comércio: trouxeram ao teu povo escravos e vasos de metal. Da casa de Thogorma trouxeram à tua praça cavalos, e cavaleiros, e machos. Os filhos de Dedan negociaram contigo: o comércio das tuas manufacturas se estendeu a muitas ilhas, eles em troca das tuas mercadorias te deram dentes de marfim, e de pau ébano. Os sírios se meteram no teu tráfico por causa da multidão das tuas obras, expuseram à venda nos teus mercados pérolas, e púrpura, e estofos bordados de pequenos escudos, e linhos finos, e sedas, e toda a casta de mercadorias preciosas. Os povos de Judá, e da terra de Israel, foram os mesmos que comerciaram contigo no melhor trigo, eles puseram de venda nas tuas feiras o bálsamo e o mel, e o azeite, e a resina. O de Damasco traficava contigo pela abundante variedade dos teus géneros, pela multidão de varias riquezas, em vinho generoso, em lãs da mais alva cor… A Arábia, e todos os príncipes de Cedar, estavam também metidos na dependência do teu comércio: com cordeiros, e carneiros, e cabritos vinham a ti para comerciar contigo… Os teus vasos faziam o teu comércio principal: e tu foste cheia de bens, e elevada à mais sublime glória no coração do mar…”[5]

É Cândido Costa[6], repetido por Arthur Franco[7], a não economizar detalhes filológicos, devidamente apurados, no intento de comprovar a presença fenícia na “Ínsula” que depois se revelaria o Brasil, tomando por base da sua arqueofilologia diversas passagens do Antigo Testamento.

O rei David, quando morreu, deixou ao seu filho, o rei Salomão, para a construção do Templo de Jerusalém, 7000 talentos de prata e 3000 de ouro de Ophir. O velho rei não possuía nenhum navio que navegasse nos mares exteriores. Recebia, pois, o ouro de Ophir pelo tráfico com os fenícios, os quais, segundo a mesma Bíblia, “conheciam todos os mares”. Salomão, para pôr em execução os seus grandes projectos de edificação do Templo, recorreu ao rei Hiram I de Tiro. Interessou-o nas suas empresas e contratou com ele aliança sólida.

O receio de provocar hostilidades dos povos vizinhos do Mediterrâneo, sem dúvida terá sido o motivo que decidiu Salomão a construir em Esion-Gaber, no Mar Vermelho, os navios que destinava às viagens a Ophir, havendo para isso marinheiros fenícios experimentados que Hiram lhe enviara (Paraliponemos 2, cap. 8, vers. 18: “E o rei Hirão lhe mandou por seus vassalos naus, e marinheiros práticos do mar, e foram com a gente de Salomão a Ofir, e de lá trouxeram ao rei Salomão 450 talentos de ouro”). Ademais, na época, as Colunas de Hércules estavam fechadas aos gregos por Cartago e o comércio para as terras banhadas Atlântico tinha vigilância apertada.

A frota salomónica a Ophir terá ido muito além do Mar Vermelho. Deduz-se que terá passado o Cabo africano e se reunido, já no Oceano Atlântico, à frota de Hiram que saíra do Mediterrâneo. É a partir desta hipótese que Cândido Costa, por via da Filologia, tenta levantar o véu acerca da verdadeira identidade das ricas localidades bíblicas de Ophir, Parvaim e Tarschisch. Para isso, baseou-se no estudo comparativo das antigas línguas europeias e asiáticas, bem como na língua quichua ou dos antis do Peru, a qual ainda se falava, pelo menos em 1900, na bacia superior do Rio Amazonas.

Nos Paraliponemos 1, cap. 29, vers. 2-4, conta-se que Salomão adornou a sua casa com belas pedras preciosas e que o ouro era de Ophir e de Parvaim. Ora, Parvaim é pronúncia alterada de Paruim. A terminação im dá o plural em hebraico, e vem acrescentado a Paru, decerto para indicar uma duplicidade na ínsula occidis de Ophir; efectivamente existem, na bacia superior do Rio Amazonas (nome fenício dado à Ursa Menor), no território oriental do Peru, dois rios auríferos, um com o nome de Paru, outro com o de Apu-Paru, o “rico Paru”, e que unem as suas águas para se confundirem no Ucuayli. Filologicamente, os dois rios Paru e Apu-Paru perfazem, no plural, Paru-im. Ateste-se ainda que, primitivamente, o Rio Amazonas levava o nome Paruinga e que os autóctones tupis até hoje pronunciam Paranatinga (pronúncia Paranã-tinga, “o mar ou caudal branco”)[8].

O Rio Amazonas, desde a embocadura do Ucuayli até à foz do Rio Negro, chama-se ainda hoje Solimões. Este não é mais nem menos que o nome viciado de Salomão, cujo batismo poderá dever-se aos da frota hebraico-fenícia do rei bíblico, quando tomaram conta da terra, tanto que Salomão se escreve em hebraico Solimah e em árabe Soliman, donde Solimões, corruptela tardia. Çorinam, alterado Sorimão, Solimão, donde Solimões, é o nome de uma tribo tupi do alto Amazonas que deu o seu apelido à parte do grande rio, acima do Rio Negro[9]. Nisto não se deve esquecer de que, na América, as correntes de água tiram os seus nomes das tribos que habitam junto delas. Daí também os portugueses bandeirantes setecentistas terem implantado a pronúncia rústica Solimão, por hábito de linguística não apurada em conformidade às poucas letras aprendidas, o que era comum no vulgar sertanejo.

Essa pressuposta colónia hebraico-fenícia terá tido uma duração assaz longa, pois as viagens trienais dos navios de Salomão e de Hiram se renovaram várias vezes, conforme se lê em Paraliponemos 2, cap. 9, vers. 13 e 21: “E o peso do ouro, que todos os anos se trazia a Salomão, era de 666 talentos de ouro. Porque as frotas do rei iam de três em três anos com a gente de Hirão a Tharsis (ou Tarschisch), e traziam de lá ouro e prata, e marfim, e bugios, e pavões”. “Marfim e pavões” parece remeter mais para a África congolesa do que para a amazónica América do Sul, mas poderá justificar-se o texto por eventual paragem da frota em alguma parte da costa africana. É ainda dito que a colónia amazónica não foi abandonada à sua própria sorte senão no reinado de Josaphat, rei de Judá, no tempo em que os cartagineses todo-poderosos não permitiam a nação alguma sair do Mediterrâneo. Poderá ter sido essa a razão porque Josaphat quis mandar sair do Mar Vermelho para essas mesmas regiões uma frota equipada, conjuntamente com Ochozias, rei de Israel. Porém, um terrível temporal destruiu-a completamente.

Passo agora a Ofhir, lugar de situação geográfica controversa, célebre pelas suas riquezas imensas. Antes de tudo o mais, devo lembrar que vários filólogos acreditaram poder fazer que prevalecesse o nome de Abiria, por ter sido a Ophir da Bíblia. Todavia, devem levar-se em consideração os factos seguintes:

Primeiro, o nome Abiria é a tradução latina do vocábulo grego Sabeiria, tomado da Geografia de Ptolomeu, livro VII, cap. I. A licença do tradutor é tão grande quanto censurável. Em segundo lugar, Sabeiria acha-se localizada na parte ocidental da Índia, que chamavam Indo-Scitia. Porém é reconhecido que a Índia, mormente na parte ocidental, nunca produziu ouro para o comércio; pelo contrário, os egípcios e os árabes para ali o levavam, para trocaram-no por tecidos de lã e algodão. Assim, a hipótese de que Sabeiria fosse a Ophir da Bíblia cai por si mesma!… Cândido Costa, na sua obra citada, aponta o filologista Esteban Quatremére que também não admite que Ophir estivesse colocada no Golfo Arábico ou em alguma parte da Índia, Ceilão, Sumatra, Bornéu ou em algum ponto do Extremo Oriente, pela razão muito simples de que os navios de Salomão e Hiram gastavam três anos em cada viagem dessas[10]. Mas não eram três anos de viagem, e sim viagens de ida-volta de três em três anos. Contudo, Quatremére cai no próprio erro dos que combate ao colocar Ophir em Soplah, na costa oriental de África. Para fortalecer a sua hipótese, Quatremére não hesita na escolha dos meios: assim é que, por não achar pavões na África (mas os há, como o pavão-do-congo, Afropavo congensis), quer que os pássaros chamados tulens na Bíblia sejam periquitos ou picotas. Curiosamente, muitos autores têm adoptado a teoria descabida, com laivos de brejeira ou anedótica, de Esteban Quatremére, ao colocar Parvaim e Ophir, o “País das Minas de Salomão”, na África. Devo acrescentar que o hebraico Parvaim é todo ele igual ao Paraim ou Paraima tupi, nome primitivo das Lavras de Minas, hoje Estado de Minas Gerais, enquanto Pindorama, em tupi, era o “País das Palmeiras”, hoje Brasil, o Hy-Brazil sumério.

No primeiro Livro de Reis aparece escrito Ophir em língua hebraica de três modos: Apir, Aypir e Aypira. Nada se opõe, antes se conclui, que o Aypira bíblico encontre o seu correspondente imediato no Rio Yapur, onde o Y significa “água”, ou seja, “água ou rio de Apir, Aypir ou Ophir”. Razão filológica da região de Ophir ser essa que atravessa o Rio Yapurá, no Amazonas, conectado ao significado tupi de “entre água, ilha”: Ypaú, alterado Ipaon e Upíon, este cuja fonética se identifica a Ophir.

Quanto à palavra hebraica Tarschisch, grafada de forma simples Tharsis, em sumério significa “Amazonas do Alto”, neste caso e astronomicamente, a Ursa Maior, obviamente acima da Ursa Menor, mas geograficamente só poderá ser, pela mesma lógica, a Alta Amazónia.

Parentes dos fenícios foram um outro povo dos mais ilustres da Antiguidade Clássica: o cário, provindo da Ásia Menor que deu nome ao território onde se fixou, a Cária, situado na Anatólia, a sudoeste da Europa, em cujo litoral estavam as famosas cidades de Halicarnassus e Mileto. Halicarnassus era o lugar do famoso Mausoléu que foi uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Mileto era a cidade do famoso Thalkes, de origem fenícia. Próximo ficava Rhodes, também sede de uma das Sete Maravilhas, o famoso Colosso. Heródoto descreve a importância real da Cária no Passado:

“Os cários eram uma raça que veio para o continente (europeu) a partir das ilhas (egeo-cretenses). Nos tempos antigos estavam sujeitos ao rei Minos, e o foram pelo nome de leleges (donde lelúgios, lúgios e lígures…), residindo nas ilhas e, tão longe quanto pude ir em minhas pesquisas, nunca sujeitos a prestar tributo a qualquer homem. Eles serviram a bordo dos barcos do rei Minos quando ele requeria; e então, como ele era um grande conquistador e prosperou em suas guerras, os cários eram, nos seus dias, de longe os mais famosos de todas as nações da Terra. Também foram os inventores de três coisas as quais os gregos copiaram. Foram os primeiros a colocar cristas nos capacetes e a colocar dispositivos nos escudos, e também inventaram punhos para os escudos. Nos tempos antigos, os escudos eram sem punhos, e seus usuários os manejavam pela ajuda de uma tira de couro que eles penduravam em torno do pescoço e do braço esquerdo. Muito tempo depois de Minos, os cários foram retirados das ilhas pelos jónicos e dóricos, e então estabeleceram-se no continente. Isto é o que os cretenses contam dos cários. Os cários mesmo contam algo muito diferente. Eles sustentam que eram os habitantes originais (originais e pós atlantes, aventarei) da parte do continente onde agora habitam, e nunca tiveram outro nome que este que ainda levam.”[11]

Essas cristas referidas no texto são, na realidade, uma característica da América Pré-Colombiana e do Brasil Pré-Cabralino. Era um hábito estranho à população europeia, como acentuou Heródoto. Isso poderá ser mais um indício etnográfico significativo a corroborar a presença desses povos mediterrânicos no continente americano. Observa-se em 1194 a.C. essas cristas na grande invasão dos povos do mar, os que varreram o Mediterrâneo e se caracterizavam por vestimentas muito idênticas às maias sul-americanas, inclusive a crista de penas. Adianta Arthur Franco na sua obra citada:

“Diodoro da Sicília (90-21 a.C.), escrevendo em 50 a.C., disse que os cartagineses seguiram na navegação os rastos dos cários nos mares do Oeste. Os cários usavam penas como os índios americanos. Segundo alguns historiadores, foram deixando na maior parte da América o seu nome, estabelecendo uma dinastia de sua raça que reinava em Quito, capital do Equador. Plutarco, em seu Tratado das Manchas no Orbe Lunar, conta-nos que, abrangendo todo o Ocidente além das Colunas de Hércules, o continente em que reinava Merope foi visitado por Hércules numa expedição que fez para Oeste, e que os seus companheiros ali apuraram a língua grega, que começava a adulterar-se. Segundo Heródoto, as origens gregas estariam na América. Ora, os indícios que as culturas de Cuzco, no Peru, de Yucatan, no México, de San Agustín, na Colômbia, apresentam na filologia é gritante. O prefixo car aparece em numerosas culturas ameríndias. Entre os indígenas das Honduras, figura a tribo dos caras. No centro e no sul de uma vasta região contígua vivem as tribos dos caricos, carihos, caripunos, carayas, caras, carus, caris, carais, caribos, cários, carannas, caribocas, cariocas, caratoperas, carabuscos, cauros, caricoris, cararaporis, carararis, etc. Isto pode não significar uma prova, mas é significativo que todas as tribos em cujo nome aparece o prefixo car chamem os brancos europeus de caras. Carioca, por exemplo, na língua guarani, significa terra dos homens brancos.”

Como é universalmente sabido, carioca é a alcunha dada aos habitantes do Rio de Janeiro. Isso porque durante o Brasil-Colónia os negros e mestiços, tanto os alforriados como os mandados por algum dono de menos posses, andavam pelas ruas vendendo refresco de café, apregoando o produto em plenos pulmões: “I… car… ioca!”. Daí ficou “carioca”, por se destinar aos “senhores brancos”, endinheirados. Portanto, o epíteto será anterior e poderá ter sido aproveitado. Ainda hoje, mesmo em Portugal, quem deseja um café fraco solicita-o pelo nome “carioca”.

Os cários mediterrâneos, obviamente pós-atlantes ou do início do Período Histórico, seriam parentes dos outros cáris antilhos (das Antilhas ou “Atlante-ilhas”) que haviam ficado para trás, na América Central, após o Dilúvio Universal da Atlântida. Estes, mais tarde, irão ser organizados na região do Peru pelo filho de Manco-Capac e Mama-Oclo, Sumer ou Sumé, na sua marcha daí ao Sul do Brasil, já não como cáris mas sob o designativo de tupis, ou os adoradores de Tupan, o Deus Único e Verdadeiro, não como o sumério Baal-Bey (“Senhor dos Senhores”) mas como o indígena local Ara-Tupan-Cabayu (“Aquele que ‘cavalga’ ou governa a Terra”).

De maneira que, segundo Ludwig Schwennhagen na sua obra citada, nas crenças e noções religiosas dos tupis os missionários jesuítas encontraram as seguintes palavras:

1.º) Com o nome de Tupan veneravam os tupis o Único e Omnipotente Deus, como Criador e Governador do Mundo, o Fohat dos Iniciados, como “Fogo Frio Celeste” (Electricidade);

2.º) Pelo nome de Tupana indicaram os tupis a Força Divina e Criadora, exactamente como se chamava a deusa Cibele e cujo correspondente, como Feminino de Deus, está na Virgem Maria, a Kundalini dos Iniciados, como “Fogo Quente Terrestre” (Electromagnetismo);

3.º) A palavra Tupan-Kere-Tan, explicam os padres Manuel da Nóbrega e Anchieta, conforme a interpretação dada pelos pajés, traduz-se como “Terra da Mãe de Deus”, logo, “Terra Paradisíaca”, o que levaria os portugueses cabralinos da primeira vaga a batizá-la de Terra de Vera Cruz, que D. Manuel I depois quis que fosse Santa Cruz, mas nunca pegou bem este segundo apelido, mesmo sendo ambos referência última ao Cruzeiro do Sul, como vera ou verdadeira Santa Cruz que celestialmente coroa o imenso Brasil. Não tendo a língua portuguesa a letra k, os escritores posteriores escreveram Tupan-Cere-Tan, e traduziram “Terra de Ceres”, respectivamente, da Mãe da Natureza. O autor explica a palavra Tupan-Kere-Tan como a “Terra da Mãe Divina” ou a “Mãe Divina na Terra”, hoje representada na Virgem Negra “A Aparecida”, Padroeira do Brasil, como a expressão velada do Espírito Santo no Seio da Terra em permanente Actividade Criadora, posto “o Espírito Santo ser a Vontade de Deus posta em Actividade”, o que corresponde ao Filho de Deus, o Portador do “Hálito Vital”, o Prana dos Iniciados;

4.º) Existe na língua tupi também os nomes Kerina (igualmente escrito Querina) e Kera-ima, indubitavelmente derivados de Kaerimona (donde a portuguesa “cerimónia”), da língua de Car. Os piagas (ou pajés iniciados) explicaram a palavra como nome da “mulher sem sono, que não dorme e fica vigilando para ajudar às mulheres doentes que a chamam”. Outros interpretaram Kerina como a “mãe da água”, que protege a criação de peixe contra aqueles que os envenenam usando timbó (a paulinia pinnata, planta cujo suco mata o peixe, muito comum na Amazónia). Os padres jesuítas alcunharam depois as mulheres que não pediam o batizado das suas crianças de Kera-ima, qualificando-as como “adeptas de Kerima”, que é dizer, da primitiva religião cária.

Essas quatro palavras da religião tupi (a original e verdadeira do Brasil, tal como a raça), apresentam para o historiador e filologista a prova dessa religião ter sido introduzida e propagada no Brasil pelos sacerdotes chamados piagas, respectivamente da Ordem de KAR. Com efeito, o nome oficial dos membros da Ordem de KAR era piaga. P.I.A. é uma palavra cabalística dos Magos da Ásia Menor, com o significado genérico de “religião”, cuja sigla lê-se em sumério PILESER IAR ASSURETH, “domínio do Plano Mental”. A.G.A. – AGARIT AGAD AGAROM, “que faz Bem, Bom e Belo” – é “servidor de Deus, trabalhador da Fé, guia do Povo, ministro de Deus e do Rei”.  Portanto, piaga é o “propagador da religião”. No tupi encontra-se a palavra pia para “coração, bom andamento (representado pela letra k = um homem caminhando adiante), caridade e obediência”. O mesmo significado tem a palavra pia na língua fenício-pelasga. No grego mudou o p em b: bia é a “força moral e física”, bios é a “vida”, movida pelo coração. No latim tem-se: pia, pius, piare, pietas (piedade) e muitos outros compostos.

Pode-se situar na época de 1800 a 1700 a.C. o momento em que saiu da Caldeia, como emissário da Ordem dos Magos, o progenitor, consequentemente, coordenador e legislador dos povos cários, chamado K.A.R. – KHA ASSURETH RISIL (“Espírito Universal do Fogo”). A sigla do nome é uma fórmula cabalística que pertenceu aos segredos da dita Ordem, que aqui revelo pela primeira vez. Kar ou Car fundou a confederação dos povos cários, com a capital Hali-Kar-Nassos (“Jardim Sagrado de Kar”) na ponta do sudoeste da Ásia Menor. Heródoto nasceu na mesma cidade e deixou à posteridade, na sua História Universal, os principais traços da vida e da grande obra civilizadora de Car.

A religião propagada por Car baseava-se na crença em um Deus Único Omnipotente, a quem ele chamou P.A.N., também uma palavra cabalística (PILESER ASSURETH NISAB), significando “Senhor do Universo”. Já TU-PAN, o mesmo Deus Omnipotente na religião tupi, significa “adorado Pan”. Na língua dos cários, fenícios e pelasgos, o substantivo thus, thur (respectivamente tus, tur e tu), significa “sacrifício da devoção” e “incenso”. Tudo o que o homem oferece a Deus é, na língua dos sacerdotes cários, T.U. (TUN UNA), igualmente sigla cabalística. O infinito do verbo sacrificar é, no fenício, tu-na; no grego, thu-ein e thy-ein; no latim, tu-eri. Thus, também no latim, é o incenso que se oferece a Deus e os seus respectivos deuses ministros. A origem de TUPAN, como nome do Deus Omnipotente, recua à religião monoteísta de Car, PAN, vulgarizado no grego antigo como indicativo da “Religião Natural” antecessora da “Religião Crença” que um dia, queiram os Deuses, haverá de dissolver-se para só ficar a “Religião Sabedoria”.

Esse carácter monoteísta do culto a TU-PAN, o Pai, não alterado – como sucede actualmente na religião cristã – pelo culto paralelo e complementar à Divindade Feminina, a Mãe, TU-PANA ou TU-KERA, como era reconhecida na adoração dos povos da Ásia Menor, nome depois adaptado para Kybele, Cibele e Ceres. O nome da deusa Ceres foi escrito no latim arcaico Caeres e Kaeres, cujo nome é uma forma feminina de Kar. Outras formas femininas são karmosa, karmina, kaermona, kaerimona e caerimona, donde vem a palavra portuguesa cerimónia, que antigamente significava “o gesto altivo da sacerdotisa de Vesta”. A Ordem das Vestais era uma filial da Ordem das Cariátides, cuja primeira líder foi Caria, filha de Car. No Brasil, encontram-se os cabayus e as goarás ou garás entre os tupis carijós; essas assistentes daqueles, tal qual a sacerdotisa assiste ao sacerdote completando-se ambos, numa androginia mística ao longo do rito sagrado.

De maneira que se poderá situar a religião tupi, aparecida no Norte do Brasil, na época de 1050 a 1000 a.C., precisamente no período dado à presença fenícia aí. Neste sentido, essa religião seria propagada por sacerdotes cários, emissários da Ordem dos Piagas, sob a direcção do seu chefe espiritual e temporal chamado Sumer, cujo nome mudou, pelo abrandamento da letra r, em Sumé, que depois os missionários jesuítas, desejosos de impor a fé católica aos autóctones, associaram à pessoa do apóstolo Tomé[12].

Portanto, a língua tupi será um ramo da língua suméria, formada e falada pela Ordem dos Magos, na Caldeia, desde os tempos do rei Urgana, isto é, 4000 anos a.C. Esse rei Urgana possuía o título de Sumer, como supremo chefe temporal e espiritual da nação e da Ordem dos Magos. Assim, Sumer é o título daquele que detém as duas funções, a real e a sacerdotal.

De maneira que, ainda segundo Schwennhagen, a emigração dos cários (sacerdotes e instrutores) acompanhando os fenícios (guerreiros e construtores) ao Hy-Brazil, terá se efectuado desde 1100 a 700 a.C. Posteriormente os exploradores europeus, destacadamente os portugueses, encontraram no Brasil numerosas populações que se chamavam cara, carara, caru, cari, cariri, cairari, carahiba, caryo e cariboca.

Aos missionários portugueses os pajés chamaram cara, cari, cário, que significa “homem branco”. A cor branca é no tupi tinga, também uma palavra pelasga, de cuja raiz vem o nosso termo tingir. A palavra tupi tabatinga significa “preparada de cal e argila branca”. Mais tarde transferiu-se o nome tabatinga à argila dessa cor. A palavra oca significa “casa”, e pertence também à língua fenício-pelasga. No grego mudou-se oka em oeka, oika, oikia; “administração da casa” é, no grego, oiko-no-mia, donde vem a nossa palavra “economia”. Então a palavra tupi tabatinga significa “casa branca”; mas cari-oca é a “casa dos brancos”, ou seja, dos cários.

É o próprio e insuspeitável Teodoro Sampaio, no seu valioso tomo O Tupi na Geografia Nacional, na página 218, declaradamente a vir ao encontro do que aqui se expõe, afirmando e defendendo:

“CARAY. O apelido do homem branco, europeu, entre os tupis significando o mesmo que carahyba, de que é forma contrata. CARIBOCA. Tirado ou precedente do branco, do europeu. CARIIÓ. O procedente do branco, europeu. CARIOCA. O mesmo que carió ou cariyó. O mestiço descendente de branco. Pode vir ainda de cary-oca, significando a casa do branco, a residência do europeu. CARIOS. Cariós ou caryós, grafia usada por autores espanhóis para o nome da nação tupi-guarani, habitando a costa do Brasil, de Cananeia para o Sul. PIAGA. É o feiticeiro ou pajé entre os caribas.”

Esses “cários ou cariocas brasileiros” serão, na verdade sem preconceitos, antropológica, arqueológica, histórica e filológica, os descendentes dos homens brancos que emigraram para o Brasil, nos navios dos fenícios, na época de 1100 a.C. em diante. A pátria desses emigrantes eram os países reunidos na confederação dos povos cários, que abrangia quatro divisões:

1.ª) Caru, que se estendeu desde o Promontório Carmelo até ao Monte Taurus; a grande metrópole desse país era a cidade de Tur (respectivamente, Tiro). Os gregos denominaram esse país de Fenícia, e hoje é chamado Síria[13].

2.ª) Cari, que abrangia a costa meridional da Ásia Menor, à qual os gregos chamaram Kilikia, respectivamente, Cilicia. Uma das maiores cidades dessa província era Taba, que lembra Taba-jaras, podendo significar “senhores de Tabas” ou “cidadãos de Taba”. Este último sentido parece mais razoável. Perto da cidade de Taba passa o rio Pinaré, o que lembra o rio Pinaré (não Pindaré) do Maranhão, onde o lago Maracu mostra ainda hoje as linhas de estejos petrificados, que parecem ser os restos dos pressupostos estaleiros dos fenícios.

3.ª) Cara ou Cária, com a esplêndida capital Hali-Car-Nassos, cuja situação geográfica rivalizava em beleza com a do Rio de Janeiro, onde os cários terão fundado uma colónia com o nome entusiástico: “Dos Cários Casa” (Cari-oca).

4.º) Caramania foi o vasto hinterland que se estendia atrás de Caru e Cari, até ao Eufrates. A capital dessa província era Carmana, e terá sido daí que supostamente vieram os pequenos comerciantes (caramanos, mas também caramaras) indo estabelecer-se no interior do Brasil. Se assim foi, eles terão viajado nos navios fenícios e neles estará a origem do nome Carcamano.

Creio deter autoridade e autonomia bastantes para decidir do que devo e não devo dizer ou escrever ante o muito que já foi dito e escrito por outrens, não raro com equívocos sobre imprecisões cimentados em plágios de outros plágios, tornando-se quase «normal» ou vulgar a ocultação das fontes consultadas. Assim, considero chegado o momento de levantar a ponta do véu da História Secreta do Brasil Fenício. O que irei descrever será em forma de narrativa muitíssimo sintetizada, mas com todas as linhas gerais dessa odisseia mais que histórica, iniciática, sem deixar de reiterar o apelo a alguns e algumas a que doravante desistam do péssimo hábito de plagiar o alheio, tomando por seu o que a outrem pertence.

Segundo o Professor Henrique José de Souza (a quem os seus pares consideram o Venerável Mestre JHS), a flotilha que foi armada para trazer o imperador e a imperatriz (sua jovem segunda esposa) depostos, Badezir ou Baal-de-Zir e Anazir ou Bel-de-Zir, o príncipe e a princesa, irmãos gémeos, Yet-Baal-Bey e Yet-Baal-Bel, assim como os sacerdotes, elementos da corte, do exército e do povo que lhes ficaram fiéis, e algumas dezenas de escravos núbios, era composta de seis navios: no primeiro vinham Badezir e Anazir ou Anamin, os dois filhos gémeos, oito sacerdotes, cujo primeiro ou oitavo, como sumo-sacerdote, tinha o nome de Baal-Zin (“o deus da Luz e do Fogo”, que iria dar início à fusão monádica Fenício-Inca-Tupi), e o segundo com o nome de Aza-Gadir (“o escriba de Gades”), seu assistente, dois escravos núbios fiéis aos seus senhores, os príncipes e a marinhagem, acompanhada de soldados que, em princípio, deveriam voltar depois à Fenícia… Nos outros navios, além de gente do povo vinham mais 49 militares de patente superior, também expulsos do país por terem ficado ao lado do rei Badezir e dos seus dois filhos mais velhos… e mais 222 que, como Assureths, a bem dizer, constituíam a elite desterrada da nação fenícia – os Macários ou Makaras, em sânscrito – e que iriam originar o nascimento da Raça de Tupan, a Tupi, ao mesmo tempo que, direi assim, “cartografavam” os pontos nevrálgicos dessa parte do continente americano, assinalando os que viriam a ser os Sistemas Geográficos de São Lourenço (Moreb), Itaparica (Airu) e Xavantina (Ararat)[14].

Esses 222 Makaras organizados em torno de seus 7+1 sacerdotes dirigentes, os Piagas, deram origem à Ordem dos Macários, ou simplesmente Ordem dos Cários, cuja função principal era darem protecção à família real e organizarem a geração de 777 criaturas que pudessem tornar-se a semente privilegiada da futura 7.ª Sub-Raça Ariana. O seu emblema configurava-se da seguinte maneira:

Para conseguirem os seus propósitos, firmaram um Sistema Geográfico Atlante-Ário na vasta região arredor da baía de Guanabara, na zona de Niterói (Nish-Tao-Ram, o “Caminho Iluminado pelo Sol”), tendo desembarcado na praia de Caraí (ou Cária), o qual hoje é conhecido como Sistema Geográfico de Teresópolis, cujo centro “geodésico” na Serra dos Órgãos ficou assinalado no maciço rochoso “Dedo de Deus” (Aca-Bangu). Terá dirigido a sua fundação o Manu ou Legislador cário-tupi que hoje se conhece como Mora Moratin, o qual e com o decorrer do tempo, a partir do reduto central desse Sistema Geográfico, conduziu o seu povo para a região de Ayuruoca, onde seriam lançadas as bases do actual Sistema Geográfico Sul-Mineiro. Esse primitivo Sistema Geográfico Atlante-Ário constituía-se das seguintes cidades:

8.ª Cidade – TERESÓPOLIS (Charma)
7.ª Cidade – NITERÓI (Nishtaoram)
6.ª Cidade – NOVA FRIBURGO (Kariçura)
5.ª Cidade – CANTAGALO (Smurga)
4.ª Cidade – SÃO FIDÉLIS (Nanara)
3.ª Cidade – PARAÍBA DO SUL (Balabana)
2.ª Cidade – MARQUÊS DE VALENÇA (Melkzir)
1.ª Cidade – BARRA DO PIRAÍ (Numbal)

Foi a partir desse Sistema Geográfico que o imperador fenício Badezir constituiu dois Governos, no que é hoje o actual Brasil (que dele herda o nome): o Temporal, abrangendo todo o Norte, desde o Amazonas até à Bahia, dirigido por ele próprio, e o Espiritual, com jurisdição sobre a parte Sul, que, limitando-se com a parte já citada, estendia-se até onde hoje se denomina Rio Grande do Sul, o qual era chefiado pelo seu filho Yet-Baal (“o deus branco”).

Ficava constituído o Sistema Geográfico de Teresópolis, Ário e Atlante, isto é, constituído dos fenícios ou cananeus desterrados à vanguarda, com os autóctones que os seguiam e de que veio a nascer a raça vermelha dos tupis, já de si descendentes dos caraíbas atlantes, ou seja, daqueles que atravessando o Mar das Caraíbas, na Época Atlante terra firme, em fuga da catástrofe continental, foram estabelecer-se na Alta Amazónia, donde depois foram descendo e, por diferenciação, deram origem às várias tribos, aos vários povos indígenas do Brasil. Esses indígenas que se encontram hoje, esses selvagens, são assim remanescentes degenerados de raças que tiveram grandes conhecimentos em outras épocas, como demonstram as suas elaboradas e singulares tradições religiosas que, na verdade, estão em desacordo total com o primitivismo dos seus hábitos.

Disse “ficava constituído” mas não firmado esse Sistema Geográfico, por ter sido interrompido pelo rompimento da tessitura psicofísica entre o Templo da Pedra da Gávea, no actual São Sebastião do Rio de Janeiro, ex-capital da República Brasileira, e o Centro Espiritual em Teresópolis, situada também no Estado carioca a norte da sua capital, na microrregião serrana.

Com efeito, além dos dois filhos primogénitos Badezir tinha mais outros cinco, três dos quais acompanharam o pai no desterro apesar do ódio que sentiam pelos irmãos mais velhos por ciúmes deles serem os preferidos de seu pai, e foram quem instigou o povo exilado à revolta conta a política estabelecida do velho monarca, desencadeando-se uma réplica fatal da anterior revolução político-social e militar sucedida entre os de Tiro e Sidon. Foi por essa altura, diz a narrativa teosófica, que a chamada “sombra astral” do Luzeiro de Marte, chamada pousou a sua Mão de Diabo no terceiro filho do imperador desterrado, passando a agir por ele, e foi assim que passou à História Iniciática e Secreta do Brasil com o nome de Mano Satanas, apodo perpetuado nas crónicas dos navegadores árabes.

A influência maléfica de Mano Satanas insinuou-se no seio do povo e inclusive de alguns mais notáveis da corte religiosa e militar de Badezir. Geraram-se divisões, houveram contendas, a anarquia e o desespero começaram a campear, foram apagando-se as luzes de civilização no retorno ao estado de selvagismo. O ponto crítico decisivo da ruptura e fracasso total desse projecto sinárquico de uma Novis Phoenicia, de uma Hy-Brazil Delenda Phoenicia, deu-se com o seguinte episódio:

Vindos numa barca de Niterói para o Rio de Janeiro, os Gémeos Espirituais Yet-Baal-Bey e Yet-Baal-Bel, acompanhados de dois escravos núbios que lhes eram apaixonadamente fiéis, juntamente com o seu tutor espiritual Azagadir, em plena baía de Guanabara, as forças maléficas de Mano Satanas desencadearam uma súbita e terrível tempestade, tendo a barquinha naufragado perecendo os dois irmãos e os escravos, salvando-se a custo o sacerdote que recolheu os corpos afogados.

Adianta a narrativa teosófica que depois os príncipes e os escravos foram mumificados e recolhidos no interior da Pedra da Gávea, então usada pelos fenícios como mirante, já de si se sabendo que a gávea é o mirante dos navios. No interior do rochedo colossal haviam escavado um espaço enorme destinado a funções de templo, que assim se transformou em túmulo. Templo-Túmulo ou Metaracanga foi a Pedra da Gávea, durante largos séculos assinalando o pesado débito ou karma de toda a cidade condenada e ainda assim maravilhosa do Rio de Janeiro.

Mano Satanas, o grande culpado da tragédia, por sua vez foi condenado pela Lei Suprema a que o corpo de sua alma de mago satânico ou Nirmanakaya Negro ficasse encarcerado vivo no interior do Paú Assu, vulgo penedo do Pão de Açúcar, na verdade o “Cárcere do Assura”.

Essa situação manteve-se até cerca de 1938, diz a Tradição Iniciática, ano em que a Grande Fraternidade Branca dignificou o Posto da Glória e a Pedra da Gávea, ambas no Rio, ordenando pouco depois que todo o recheio fúnebre no interior dessa última fosse transladado para um outro Templo no seio da Serra do Roncador, onde também está o túmulo de Badezir e esposa, esta falecendo pouco depois da sua chegada aqui, vítima de febre tropical, e aquele, por desgosto, poucos anos após a morte dos filhos mais amados.

O Posto da Glória está hoje assinalado e velado por uma igreja cristã, no topo de um outeiro lateral ao da Gávea, por onde se penetra por vasta galeria subterrânea, inicialmente descendo em caracol, levando ao seio profundo e quiçá jucundo da Terra, à região que as tradições secretas do Oriente chamam Badagas e as sul-americanas Sedotes.

O Outeiro da Glória da cidade do Rio de Janeiro, foi outrora denominado Morro do Laripe. A igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro aí construída (1714, finais do século XVIII) pela Irmandade do mesmo nome, deve-se ao culto do Orago que surgiu no século XVII.

Devo abrir um parêntesis para repetir a afirmação do respeito pessoal pelas ideologias e crenças alheias, nisto tendo a ver com os restos renitentes do chamado Karma Atlante do que é hoje o Brasil: nas regiões litorais do Rio de Janeiro e da Bahia, maioritariamente, assim como no Mato Grosso, Goiás e no litoral Amazónico, minoritariamente, campeiam as crenças e práticas animistas afro-ameríndias, avultando o psíquico e rareando o mental, ajuntando grande número de adeptos das classes média e baixa, incluindo alguns bons esoteristas parecendo terem começado bem e seguirem mal, alguns inclusive revestindo-se de “poses e títulos imaginários”, abraçando fantasias oníricas da chamada  “arqueologia fantástica” até subindo escarpas alterosas ou adentrando cavernas perigosas, em pretensões inocentes e desapuradas, podendo resultar, e não raro resulta, em acidentes graves e até fatais, isso tanto por falta de disciplina como de informação credível o que parece desaguar na pretensão falaz de “pôr-se o carro à frente dos bois”, isto é, pretender dar saltos por cima do curso natural da Evolução. Mais que não é de mais: ninguém entra em casa alheia sem ter sido convidado. Digo isto como pretexto de apelo à boa consciência a fim de se evitarem, doravante, mais tragédias psíquicas e físicas, pessoais e colectivas, e assim mesmo reiterando o devido respeito pessoal pelas crenças alheias, mesmo sendo afro-lemurianas ou no mínimo afro-atlantes, pois o que importa é o Homem e não aquilo que ele acredita e pratica, seja por que motivo for, desde a ingenuidade à alucinação… Sim, reitero o Mundo Iniciático ou Espiritual nada tem em comum com “psiquismos populares” e “ocultismos divinatórios”, isentos de Ordem e Regra de Tradição. Peço as maiores desculpas se com isto ofendo alguém crente de alguma crença mas tal não é a minha intenção, tão-só “separar o trigo do joio”.

Para finalizar esta história retirada aos pergaminhos dos Anais da Teosofia Brasileira: com a morte prematura da família imperial desterrada, os restantes componentes da sua comitiva abandonaram o projecto de Badezir, abandonaram mesmo a Taba Hy-Brazil. Os que restaram fizeram-se ao mar de largo regressando ao Médio Oriente, onde viriam a fundar o Sistema Geográfico de Jerusalém, de maneira a criar condições humanas e sobretudo espirituais de um dia poderem regressar a essa do Futuro.

Para trás deixaram as sementes monádicas frutificadas na Raça Tupi, de que se serviria Mora Moratim, no ano 1000 d.C., para fundar o Sistema Geográfico Sul-Mineiro, indo projectar a sua influência até ao Norte, de maneira a fundi-las com as sementes Incaicas, dando origem à Raça Inca-Tupi como “argamassa monádica” do Futuro Brasileiro que, afinal, já desponta na alvorada dos Tempos.

NOTAS

[1] Aluysio Robalinho, Bernardo Ramos, o “Champollion Brasileiro”. In revista Dhâranâ, Ano 76, Edição 236, Agosto 2000.

[2] Jornal A Crítica, Manaus, de 4, 6, 7 de Abril de 2000.

[3] A propósito, lembro que os fenícios acreditavam na vida além-túmulo e que para a mesma, tal como os egípcios faziam, levavam o “duplo” (astral) dos objectos que lhes foram mais caros durante a vida terrena. Sepultavam o morto com os seus objectos de uso corrente, tais como lâmpadas, vasos e joias. Para evitar os costumazes violadores de sepulturas, procuravam-se lugares escondidos e abrigados, como poços profundos e cavernas. Os fenícios adquiriram o hábito, certamente por influência egípcia, de mumificar pelo menos os cadáveres das pessoas mais importantes. Não é possível dizer com certeza a época em que tal costume foi introduzido na Fenícia, pois as condições climatéricas não favoreceram, como no Egipto, a conservação indefinida das múmias. Cf. Mário Curtis Giordani, História da Antiguidade Oriental, 10.ª edição, Editora Vozes, Ltda., Rio de Janeiro, 1969.

[4] Ludwig Schwennhagen, Antiga História do Brasil (De 1100 A. C. a 1500 D. C.). Tratado Histórico. Segunda edição. Introdução e notas de Moacir C. Lopes. Livraria e Editora Cátedra Ltda, Rio de Janeiro, 1970.

[5] A Bíblia Sagrada, tradução de António Pereira de Figueiredo, Vol. V, pág. 91 e segs., Lisboa, 1807.

António Pereira de Figueiredo (n. Mação, 14.2.1725 – m. Lisboa, 14.8.1797), era filho de António Pereira e Maria de Figueiredo, cujo apelido veio a adoptar quando abandonou o hábito religioso. A 1.4.1736 entrou no Colégio Ducal de Vila Viçosa, onde aprendeu Latim, Latinidade e Música. Em 1743, passou para Santa Cruz de Coimbra. No ano seguinte, veio para Lisboa e ingressou na Casa do Espírito Santo, da Congregação do Oratório (S. Filipe Néri), onde estudou Filosofia e Teologia e se aperfeiçoou em Latim e Latinidade. Em 1757, grave doença obrigou-o a seguir para o Norte. Esteve em Viseu e no Porto, e daí, já restabelecido, em 1759 regressou a Lisboa, onde na Casa Real das Necessidades, da referida Congregação, ensinou Teologia, Latim e Retórica. Em 1761, quando estavam cortadas as relações entre Portugal e a Santa Sé, Figueiredo tomou a defesa do Regalismo, da Corte Portuguesa, contra o Papismo, a Cúria Romana, dando-se de ligações à Maçonaria Bávara por intermédio do Marquês de Pombal a quem apoiou. Como tinha a confiança deste, foi eleito deputado na Real Mesa Censória, à data da sua criação (1768), e no ano seguinte provocou o maior dos “escândalos”, que até hoje a Igreja não o perdoou e por isso o ostraciza: abandonou abruptamente o hábito religioso para se casar com uma mulher com quem convivia desde alguns anos. E para piorar as coisas, dizia-se que ela era luterana! Após abjurar ao sacerdócio, passou a exercer as funções de oficial maior de línguas na Secretaria dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Em 1779, entrou para a Academia Real das Ciências, recentemente instituída. Nos últimos anos de vida, foi tomado de forte neurastenia, pelo que em 1785 se recolheu, a seu pedido, como hóspede à Real Casa das Necessidades, que deixara anos antes. Esmoler e caritativo, Figueiredo era dotado de invulgar inteligência e possuía vasta cultura. Latinista de renome europeu, provocou uma revolução no ensino, com o seu Novo Methodo de grammatica latina (editado em Lisboa, 1752), adoptado no Reino de 1759 a 1834, ano da extinção das ordens religiosas em Portugal. Músico, devem-se-lhe motetos, lições para os ofícios da Semana Santa, etc. A sua obra musical tem interesse histórico por reflectir “a luta travada entre a Escola Napolitana”, que entre nós ia ganhando terreno, “e a tradição polifónica que, embora progressiva, predomina desde o século XVI até então” (in Mário de Sampayo Ribeiro). Mas o que mais lhe perpetuou a memória foi a tradução portuguesa da Bíblia segundo a Vulgata Latina (publicada em 17 volumes, Lisboa, 1783-1790), obra de grande mérito sob os pontos de vista literário e filológico. As notas exegéticas, contrárias ao parecer oficial da Igreja, foram, porém, criticadas por outro Oratoriano (in Reflexões theologicas). E em algumas edições posteriores, as notas condenadas foram até suprimidas. Imbuído de mentalidade regalista, à qual não escaparam até vários bispos da época, Figueiredo viu algumas das suas obras condenadas pela Congregação do Índex (especialmente as teses De suprema regnum e a Analyse da profissão de fé do S. P. Pio IV). A sua formal retratação que chegou a afirmar-se, foi desmentida por um sobrinho (in A Instrucção Pública, IV).

[6] Cândido Costa, As Duas Américas. Antiga Casa Bertrand, José Bastos – Mercador de Livros, Lisboa, 1900.

[7] Arthur Franco, A Idade das Luzes. Wodan Editora Ltda, Porto Alegre, 1997.

[8] Teodoro Sampaio, O Tupi na Geografia Nacional. 5.ª edição. Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1987.

[9] Teodoro Sampaio, ob. cit. A 1.ª edição desta obra data de 1901. As 2.ª, 3.ª e 4.ª, respectivamente, de 1914, 1928 e 1955.

[10] Esteban Quatremére, Investigaciones históricas y criticas sobre la lengua y la literatura del Egipto. Paris, 1808.

[11] Heródoto, The History, Book I. Enc. Britannica, 1952.

[12] João Antenógenes Prudêncio da Costa, Purpúreo: as histórias do nome do Brasil. Edição do autor, São Paulo, Setembro de 2002.

[13] A Fenícia tinha o seu epicentro no norte da antiga Canaã, ao longo das regiões litorais dos actuais Líbano, Síria e norte de Israel. Caindo sob o domínio do Império Romano, a Fenícia foi incorporada à província romana da Síria que, curiosamente, recebeu esse nome pela corruptela da pronúncia grega do nome Tiro. Os seus habitantes eram tírios, por conseguinte, sírios. E a região, Síria, como é designada até hoje.

[14] Comunidade Teúrgica Portuguesa, Apostila 66 da Série Interna de Integração ou do Munindra.

Retorta Cósmica do Interregno Intercíclico – Por Vitor Manuel Adrião

08 Segunda-feira Nov 2021

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Sintra, 1.º de Novembro de 2021

Outono, dia frio e chuvoso, o vento arrasta a folhas mortas das árvores que se despem, folhas secas indo em caudais de água lembrando aquelas da Árvore da Vida que se extinguem com o Ciclo que fenece. Prenúncio do Inverno, prenúncio de uma Era que morre para outra que renasce, sim, porque “na Natureza nada se perde, tudo se transforma”, já dizia Lavoisier. Mais que as desse sábio, valem as palavras preciosas do Mestre Kuthumi escritas em Outubro de 1882:

“A aproximação de cada nova “obscuração” (pralaya ou “repouso”, período de assimilação de quanto se conseguiu durante o manvantara ou período de actividade) é sempre assinalada (ou antecedida) por diversos cataclismos produzidos seja pelo fogo, seja pela água. Quando a sua Raça[-Mãe], a quinta, houver alcançado o zénite da sua intelectualidade física e desenvolvido a mais alta civilização (lembre-se da distinção que fazemos entre civilização material e civilização espiritual), ver-se-á incapaz de passar além do seu próprio ciclo (ou período de existência) e progredirá para o Mal absoluto (o final doloroso da depuração kármica) arrastada por uma dessas mudanças cataclísmicas. A sua grande civilização será destruída e ver-se-á todas as Sub-Raças desta Raça decaírem nos seus respectivos ciclos, após os seus curtos períodos de glória e de cultura. Nenhuma Raça-Mãe, com as suas Sub-Raças e Ramos, está autorizada pela soberana Lei Única a apossar-se dos privilégios da Raça ou Sub-Raça que lhe sucederá, menos ainda a usurpar os conhecimentos e os poderes reservados à sua sucessora.

“Entenda-se que a sua Ciência tem razão em muitas generalidades, mas as suas premissas são inexactas ou, em todo o caso, bastante erróneas. Por exemplo, ela tem razão quando diz que a nova América se formou no momento em que a velha Atlântida se afundava, sendo gradualmente engolida pelas águas; mas não é exacta nem nas suas indicações relativas às épocas dessa submersão, nem nos seus cálculos da duração desse submergimento. As suas Ilhas Britânicas terão um dia a mesma sorte. Elas estão à cabeça da lista de vítimas destinadas à destruição pelo fogo (vulcões submarinos) e pela água; à França e outros países sucederá o mesmo.

“Quando desaparecerem, a sétima e última Sub-Raça da sexta Raça-Raiz da presente Humanidade florescerá sobre a “Lemúria” (restos geológicos e psíquicos da 3.ª Raça-Raiz) e a “Atlântida” (restos geológicos e psíquicos da 4.ª Raça-Raiz). Haverão então poucos mares ou grandes oceanos como hoje existem sobre o nosso Globo; as águas, tal como as terras, aparecem e desaparecem, periódica e alternadamente, mudando de lugar. O grande acontecimento – a vitória dos nossos “Filhos das Brumas de Fogo”, os habitantes de Shamballah (então uma ilha no mar da Ásia Central), sobre os  magos egoístas, mas não inteiramente perversos, de Poseidónis – aconteceu exactamente há 11.446 anos.”

Desse texto do Mahatma retenho a referência às convulsões naturais (geológicas e climáticas) que acompanhando a crise psicomental humana antecedem o final de todo e qualquer período, seja um Ramo, uma Sub-Raça, uma Raça-Raiz, uma Ronda ou uma Cadeia. Tais comoções avisadamente registam-se hoje por todo o Globo, desde a actividade vulcânica aos terramotos e maremotos, ao degelo dos Pólos, ao efeito estufa da atmosfera estafando, impedindo o respirar normal da Terra, a sua oxigenação, etc. Sim, a Natureza avisa antecipadamente para a “debacle” do final de todo e qualquer ciclo, muito mais quando os elementos naturais sofrem o conspurco das suas vibrações (tatvas) provindas do Sol Central do nosso Mundo. Com isso, gera-se a reacção natural: ao conspurco do Elemento Terra (Tatva Pritivi) ele reage pelos terramotos e avalanches; ao conspurco do Elemento Água (Tatva Apas) dá-se a reacção pelos maremotos e inundações; ao do Elemento Fogo (Tatva Tejas) sucede o da eclosão dos vulcões e os grandes incêndios; e igualmente ao do Elemento Ar (Tatva Vayu) acontecem os ciclones e furacões destruidores. Ao par disso, acontecem as pandemias como a que agora aflige a Humanidade, tendo a sua causa no afluxo do Elemento Éter (Tatva Akasha) estar congestionado na sua acção normal e normalizadora da actividade tátvica, causada pela acção mortífera da poluição física e psicomental do próprio Homem tomado pela ganância perdulária de si mesmo e da Natureza, esta assim reagindo tal qual um corpo doente reage pela febre que é fogo purificador do organismo queimando nele os sintomas hostis, como agora acontece com o Logos Planetário reagindo à acção daninha das suas células humanas.

Tais sintomas vêm a ser os do Karma da Raça Humana hoje em plena queima na passagem de um ciclo para outro, com isso provocando alterações sensíveis na sua psique, fenómeno a que alguns chamam de mudança geracional de hábitos, interesses e valores, mas sendo mais que isso: trata-se da transformação geral da vida-energia em vida-consciência na presente Retorta Cósmica chamada Interregno Intercíclico.

Entre um ciclo que finda e outro que nasce decorre um período intermediário chamado Interregno Intercíclico, no qual as Mónadas recapitulam a evolução já conquistada e elaboram a porvir, sendo ao mesmo tempo o período de “separação do trigo do joio”, dos seres que evoluem daqueles que retrógrados estacionam na mesma evolução. Isso é pautado por crises e comoções planetárias e humanas em ebulição na metamorfose marcada pela despida do estado condicional passado para a vestida incondicional de um novo, o que acarreta sempre revoluções na consciência e nos actos ante a novidade que se depara. Trata-se do umbral entre o Passado e o Futuro na Hora Presente. É a depuração planetária acontecendo entre momentos cíclicos, um pretendendo conservar a Terra na condição psíquica de vida-energia passiva afim à passada Cadeia Lunar, e outro impulsionando-a para o futuro estado solar ou evoluído assinalado na Cadeia de Vénus em formação, liberalizada pela vida-consciência activa do Mental Superior.

Cada Raça-Mãe ou Raiz comporta sete subdivisões que são as Sub-Raças. Estas admitem, em última análise, oito Ramos Raciais, um para cada uma, onde esse oitavo vem a ser a soma e apuramento do respectivo Tipo Racial e quem estabelece a ligação à Sub-Raça seguinte, como agora acontece em pleno oitavo Ramo Racial Ariano, também chamado de Período Avatárico por corresponder aos 10.000 anos da Idade de Maitreya, portando em seu bojo as primícias das sexta e sétima Sub-Raças, que virão juntas tal qual o Espiritual não se manifesta sem o Intuicional, por este, o Búdhico, ser a veste do Átmico, assim mesmo já dando de si as sexta e sétima Raças-Mães e com elas lançando ao terreno do Presente-Futuro as sementes dos quinto e sexto Sistemas ou Rondas, forjas cósmicas das afins quinta e sexta Cadeias, que a sétima a todas sintetizará como “oitava” Coisa.

Conclui-se que uma Raça-Mãe com as suas sete Sub-Raças comporta cinquenta e seis Ramos Raciais. No presente momento da Evolução Planetária, tem-se: a quinta Sub-Raça Teutónica reproduzindo toda a quinta Raça-Mãe Ariana; a quinta Raça-Mãe Ariana criando a quinta Ronda de Vénus; a quinta Ronda de Vénus semeando e espelhando a quinta Cadeia de Vénus.

Com a Terra cada vez mais se subtilizando na sua fase ascensional – começada com a presente quinta Raça-Mãe – da Matéria ao Espírito, pode deferir-se que as actuais perturbações psicossomáticas e psicossociais, intensas e dramáticas, turbilhonando no seio do Género Humano só podem ser efeitos dos restos, espécie de cascões astrais, do Ciclo de Peixes apodrecido e gasto, finado em 24 de Julho de 1954, para o dealbar do Ciclo de Aquário nascido em 28 de Setembro de 2005, mas que levará o seu tempo a fixar o seu biorritmo nas consciências humanas. Atravessa-se hoje, no dizer do Professor Henrique José de Souza, o Interregno Intercíclico. Como os “cascões” encrostam-se magneticamente, por lei de afinidade, à aura psíquica do seu criador, no caso o Homem, tem-se nisso a razão da necessidade premente dos Seres Superiores de Justiça e Paz, enviados de Shamballah pelo Rei do Mundo, se acercarem na crosta terrestre para a purificarem e à sua ambiência astral, através dos verdadeiros discípulos da Espiritualidade, de todas e quaisquer impurezas físicas, psíquicas e mentais que possam afectar a futura exteriorização da Grande Fraternidade Branca com Maitreya à sua frente.

Esses Seres Superiores são os divinos Manasaputras, os “Filhos do Mental Cósmico”, que desde Shamballah dirigem as formas físicas dos santos Kshatriyas, os Guerreiros defensores da Lei Única, os quais trazem, tanto simbólica como realmente, numa mão a espada ígnea da Lei e na outra a palma perfumada da Vitória de Deus, sendo a sua missão sublime, consumada pelos melhores da Raça Humana, a da salvação de tudo e todos e “cerrar para todo o sempre as portas da morada do Mal”, como seja a anulação das Talas sinistras de que o Inferno dantesco é um pálido esboço.

Desde 21 de Março de 1956, data do Grande Julgamento Cíclico da Humanidade, em que esta foi medida, pesada e contada, que as Mónadas consideradas aptas a ingressar na Nova Era já estão definidas e separadas das não-aptas. Ainda assim, devo adiantar que só se salvam espiritualmente aquelas que passem nos exames ou crises iniciáticas de passagem de um estado de consciência para outro imediatamente superior, como esse que actualmente aflige a todos, indo distinguir as raças mais evoluídas das menos evoluídas. Crises traduzindo-se, como disse, pelo trânsito do pólo “abaixo” ao imediatamente “acima”, este definido no nível humano como estado Budhi-Taijasi, termo altamente místico significando “Intuicional Iluminado”, o que vale dizer ter-se por meta a superação do Intelecto pela Intuição, ou, como diriam os antigos Rosacruzes, “de Lúcifer a Cristo”, nisto sendo igual à afirmativa do Munindra ou Discípulo da Obra Divina, “de Luzbel a Akbel”.

Aqui chegado, convém fazer um curto reparo: apesar do Mestre Djwal Khul definir Ocultismo como a “Ciência das Energias” (Tatvas), na classificação mais simples e completa, é comum dar-se ênfase à noção de Universo energético e sensibilidade ao mesmo como indicativo de espiritualização. Se assim fosse, ter-se-ia a profissão de electricista como ciência de realização espiritual… Como tudo é energia liberta e condensada por acção dos Tatvas dinamizados por Fohat, a Electricidade Cósmica, o ser-se sensitivo à mesma nunca foi nem é indicativo de espiritualização, tão-só de refinamento sensorial às suas circunvalações atómicas cujas vibrações geram cores e formas mais ou menos excêntricas, e tal não implica consciência que esta só a dá o conhecimento exacto das Leis da Natureza visível e invisível. Nisto entra não o psiquismo lunar fantasioso mas o mentalismo solar imaginativo que a Sabedoria Divina, sob as modalidades Teurgia e Teosofia, oferece, com Capricórnio ou Cumara superando o seu oposto letal Caranguejo, Câncer ou Cama, tal qual se revela no Zodíaco, a “Roda dos Animais”.

Conforme a transcrição da carta do Mestre Kuthumi, todas as passagens de um Ramo Racial para outro, de uma Sub-Raça para outra, de uma Raça-Mãe para outra, provocam alterações nos regimes dos fenómenos naturais, como as estações, por exemplo, de que resultam revoluções climatéricas e geológicas com maior ou menor violência e impacto, de acordo com o porte do ciclo prestes a findar.

Assim, pode-se lembrar que a primeira região terrestre a ser habitada foi o Pólo Norte, numa época muitíssimo remota quando o eixo da Terra apresentava uma diferença de inclinação de quase 90 graus em relação à sua posição actual, estando os Pólos quase à altura da eclíptica, havendo um clima tropical. Desde então, as modificações por que passou a Terra e a inclinação do seu eixo tornaram-na muito diferente em todos os aspectos físicos, a começar pelo climático.

Cada Raça-Mãe tem por berço um continente próprio, isto sem se confundir o berço de uma raça com o seu país de origem. O país de origem é o lugar onde floresceu a raça anterior, enquanto o berço refere-se ao lugar onde se deu o seu nascimento. Por exemplo, a quarta Raça-Mãe Atlante desenvolveu-se e espalhou-se por diversas regiões do Globo, conjunto a que se deu o nome de continente atlante ou a Atlântida. Com o desaparecimento geológico de uma dessas regiões levantou-se o Altiplano do Pamir, na Ásia Central, como o país de origem, o embrião da quinta Raça-Mãe Ariana. Desta forma, um continente, no sentido teosófico, não é apenas uma grande porção de terra mais ou menos cercada de água, como descreve a Geologia e Geografia, mas também a região sólida da superfície terrestre onde se desenvolveu ou desenvolve uma raça.

Os continentes sucedem-se com a sucessão das raças, de tal modo que cada continente tem por origem um continente anterior, sofrendo, pois, o fenómeno do aparecimento e desaparecimento, causa dos grandes cataclismos já referidos. Ou seja, as leis universais são rigorosamente as mesmas para todos os graus de manifestação, seja a da Evolução Cósmica geral, seja a do Homem tratado em sua evolução individual, leis essas enfeixando-se numa única Grande Lei que preside a todo o Universo – Dharma. É fundamental, pois, não esquecer que cada Raça-Mãe transporta para a sua sucessora o produto da sua evolução, da mesma forma como os pais transmitem aos filhos não apenas as características físicas hereditárias mas igualmente as suas próprias experiências, significando também que tal como os progenitores uma raça ainda subsistirá quando a nova surge.

É assim que a herança psico-atlante mantém forte influência nos dias actuais, sobretudo na impuberdade psicomental das gerações jovens desta presente Raça Ária, tomando-se juventude não só na idade mas, sobretudo, na maturidade consciencial. Avançar para o domínio do mental ou paralisar no psiquismo, é questão de vida ou morte, de evolução ou involução, retrocesso infantilizando os sentidos por ausência e desinteresse de alimento verdadeiramente espiritual, onde a ideia verdadeira e duradoura possa absorver a imagem falsa e fugaz, incensada com os perfumes da ilusão seguida da inevitável… desilusão.

Observei isso de pertíssimo em várias partes do país e do mundo, e continuo observando, com a Sabedoria Divina sendo preterida pela paixão às coisas fantásticas, fantasiadas e fantasistas, abjurando a sua explicação lógica e racional para que não morra o sentido aflorado da “coisa maravilhada”, sinal óbvio de imaturidade consciencial. Quando algum ou alguns elementos da Sabedoria Divina são açambarcados por alguns mais inconformados desejosos de afirmação e domínio, vaidade indomada, é praticamente inevitável a deturpação dos mesmos para galvanização pessoal, quase por norma pervertendo-os com preceitos espiríticos ou psíquicos, quando não só automediúnicos ou medianímicos, de um simplicismo egolátrico tal que até parecem capazes de deitar por terra a doutrina espiritual mais sólida. Fora de tais crenças tudo o mais é-lhes indiferente, não entendem, não apreendem, não querem aprender, tudo lhes é confuso, complicado para o cérebro tenro, pelo que, por enquanto, só vale o simplicismo do materialismo psíquico, infinitamente mais perigoso e falaz que o propriamente dito materialismo físico, onde se acaba escoando no sensual e passional, na aflição frenética dos sentidos ansiando alguma coisa mais sem saber o que. Realmente, a influência falaciosa da Lua, do reino sinistro de Hécate, domina a fantasia mórbida da maioria humana.

Nisto não deixo de reproduzir as palavras ajuizadas do finado Alberto Vieira da Silva, membro da ex-Sociedade Teosófica Brasileira, em entrevista ao matutino lisboeta Correio da Manhã, de 22.3.1996, as quais continuam actualizadíssimas:

“Aquilo a que se chama em Esoterismo o “lado negro” ou a “fraternidade negra”, sempre tenta imitar ou seguir as pisadas da luz, entenda-se da “luz branca” ou sem cor e sem divisões, por isso mesmo relacionada com o futuro, o vir-a-ser, etc. A Serra de Sintra é aquilo que o grande cientista, teósofo e maçom Mário Roso de Luna chamava um “Ponto Jina”. É, inclusive, um ponto importante à escala mundial, mas sob o aspecto material é apenas um ponto de referência de algo mais importante e vasto que se oculta, digamos assim, sob essa capa.

“O nosso Colégio Iniciático tem o dever de desmistificar orientações que promovam o culto à matéria, sejam elas à pedra, ao sítio, ao local ou ao promontório, etc., orientações essas que são próprias de raças humanas muito antigas e dos seus sistemas de iniciação, hoje já ultrapassados e até impeditivos de alcançar estados de consciência mais elevados.

“Não me surpreende o facto da Serra de Sintra ser cenário de cultos considerados de magia negra, porque os adeptos da linha “negra” ou do “mal” procuram sempre os ambientes sagrados para vampirizá-los, roubar-lhes as formas e, assim, com a mentira ou imitação ilícita aparecer como verdade. A luta entre o bem e o mal é um jogo quase eterno, e nele o mal sempre ofende e o bem defende… O mal tentar “macaquear” o Divino, o Homem Primordial, corre atrás dele, persegue-o, morde-o e, por vezes, quando pode, sacrifica-o e elimina-o fisicamente, a Ele ou aos seus Filhos, já que não pode ter a subtil e divina Essência que os anima…

“Lembro que todo o Mundo manifestado está sujeito à Lei da Polaridade, não surpreendendo, portanto, terem sido as montanhas referências para todos os povos, quer para o Sagrado, quer para o inverso do Sagrado, assim como o foram as cavernas ou criptas, abundantes na Serra de Sintra.

“Repare-se que as montanhas são visíveis, apontam para o céu, enquanto as grutas ou criptas, invisíveis, ocultas, apontam para o centro da Terra, para o Sol Interior. Daí as confusões operadas nas mentes infantis, durante milénios, sobre a dicotomia céu e inferno. Então, sempre que a magia negra, egoísta, cruel e mesquinha, conquista uma montanha, os Adeptos da Boa Lei interiorizam-se, voltam à Cripta ou à Gruta Primordial, para se defenderem. O simbolismo maçónico e hermético, assim como o de todas as Ordens Iniciáticas Tradicionais que não se desviaram do Recto Caminho, estão repletos dessa mensagem de interiorização, de defesa intransigente do Sagrado.”

Ainda acerca da impuberdade consciencial que infantiliza corpos adultos e perde almas em aventureirismos psicofísicos de cultos a egrégoras, “almas artificiais criadas por pensamento colectivo”, e personagens há muito desaparecidos, até parecendo que o animalismo vegetalista prevalece sobre o humanismo espiritualizado, recordo as leituras simples que fiz do Bhagavad-Gïta, traduzido por Francisco Valdomiro Lorenz, e de Aos pés do Mestre, de Jiddu Krishnamurti, junto de adeptos do mediunismo psíquico, e o ar de enfado e desinteresse que demonstravam, só se animando frenéticos quando algum «espírito» se manifestava e os fenómenos psicofísicos aconteciam, muitos deles simples farsas de quem pretendia ser mais do que realmente era, nisso dando razão ao próprio Allan Kardec: “Em cem manifestações mediúnicas, às vezes uma é verdadeira”. O desinteresse e a incompreensão até do mais simples e básico de Sabedoria Divina era tão grande e dominante, com tudo restrito ao “culto das energias, dos «espíritos» ou forças primárias da Natureza, e das curas mediúnicas, antes, mesméricas ou biomagnéticas”, que acabei vendo os documentos do Regulamento de futura Loja Teúrgica a servirem de forro a uma gaiola de periquitos. A inconsciência e o desinteresse por temas e práticas além daqueles simples comuns dominam até hoje, mas deve se aceitar com tolerância e compreensão que assim seja por ser fenómeno muito natural: trata-se do paulatino despertar da consciência.

Neste caldeirão racial, nesta retorta cósmica do Interregno Intercíclico Peixes-Aquário as apetências, competências e capacidades humanas apresentam-se misturadas e confusas em autossuficiências pueris em todos os sectores da actividade humana, motivo de controvérsias, contrariedades e fracassos aumentando o desespero colectivo de dirigentes e dirigidos com um único ponteiro sinalizador: o egocentrismo egoísta, onde a oportunidade faz o oportunista. Mas isso é natural neste estado caótico psicossocial, como indispensável à separação da verdade da mentira, da justiça da injustiça, indo-se tomar consciência pela experiência dolorosa que todas as soluções baseadas nos efeitos dos efeitos estão condenadas ao fracasso logo à partida, por os efeitos só poderem ser explicados e corrigidos tomando noção das causas, sejam visíveis ou invisíveis. A verdadeira revolução não é a bélica, é a interior de tomada da consciência de que o homem singular só será plenamente feliz quando o seu semelhante no colectivo também o for, no mais amplexo sentido fraterno de concórdia universal.

Antanho, a sociedade humana estava organizada com ordem e regra baseada nas quatro classes de Clero – Nobreza – Burguesia – Povo, com os seus componentes dotados das competências naturais afins ao exercício dos respectivos cargos, organização nascida das quatro castas (varnas) hindus de Brahmane – Kshatriya – Vaishya – Shudra, correspondendo ao Sacerdócio, ao Militar, ao Comerciante e ao Trabalhador. Antes das quatro castas tombarem nas endogamias e autogamias cerradas em cada uma delas, discrepância geradora de esterilidade, doenças raras e ensandecimento tanto no núcleo autofágico familiar como no conjunto social, autossegregado em classes apartadas umas das outras provocando injustiça e miséria para infelicidade geral, o sentido original das varnas era bem diferente. Segundo os Kula-Puranas e os Sthala-Puranas, que tratam respectivamente da origem das castas e do seu sentido sagrado, elas têm origem em Brahma, o Soberano Divino, e constituem o Seu corpo físico.

Perpassando as alegorias (“a letra que mata”) contidas nessas escrituras sagradas do Oriente, tem-se que no final da terceira Cadeia Lunar o Logos Planetário em Sua Primeira Hipóstase, Brahma, correspondendo ao Pai, promoveu a transferência da Vaga de Vida Animal à Humana desta quarta Cadeia Terrestre em quatro etapas sucessivas, vindo primeiro as Mónadas mais amadurecidas, conduzidas pelos Assuras, as quais viriam a ser a casta Brahmane; seguiu-se a casta Kshatriya, guiada pelos Agnisvattas; logo depois a casta Vaishya, dirigida pelos Barishads; finalmente a casta Shudra, encaminhada por essas três Hierarquias Criadoras que lhe deram a Mente, a Emoção e a Vida, tomando forma no esteiro da Manifestação de onde se destacaria uma quinta classe, a dos Ativarnas ou “acima das castas”, hoje constituindo os Adeptos Independentes guias da Humanidade. São eles quem promovem a Fraternidade Universal, pois sem Unidade colectiva jamais poderá haver integração do Uno ou Todo no Tudo ou Múltiplo, nisto incluindo uma sexta classe, “abaixo dos pés de Brahma”, a dos “intocáveis” ou “excluídos” (do sistema de castas), como seja a dos Dalits ou Párias, os mais atrasados da evolução na Cadeia Lunar que só tomariam posse da consciência humana nesta quarta Ronda Terrestre. Mesmo atendo-se ao sentido original de Selecção e Hierarquia, os Ativarnas não excluem nada nem ninguém da oportunidade de evolução e felicidade individual e colectiva. Até hoje, nem um só deles agiu de maneira contrária ao apresentar-se no seio do Género Humano. Com eles a Concórdia Universal nunca foi palavra vã, com eles tem-se a Sinarquia em movimento. Tudo a despeito, no respeito que a Lei do Livre-Arbítrio exige, da vibração dos Seres Divinos ser bem uma e a reacção a ela pelo comum humano poder ser bem outra, por norma funesta e fatal. Mas a Lei é uma só e a sua Ordem também: que todos se salvem, equilibrando a mente com o coração para que na Terra o Homem alcance as maiores venturas do Céu.

Como os valores, apetências e competências originais das castas hoje estão misturados gerando as maiores confusões manifestadas como incompetências em todos os sectores sociais (religiosos, políticos, económicos, profissionais, etc.), também isso não deixa de estar em conformidade à caldeação racial onde tudo se mistura para da mesma poder sobressair o apuramento das consciências. A dor, o sofrimento da separação do espesso em subtil, da transformação das personalidades materiais em individualidades espirituais, é tanto maior quanto o Karma Colectivo accionado pelos elementos, muito mais nesta Raça-Mãe Ariana cujos cometimentos de lesa-Divindade têm se aglomerado desde o início da Kali-Yuga, “Idade do Ferro”, com a morte de Ieseus Krishna, até ao sacrifício de Jesus Cristo e de tantos outros Grandes Iluminados que a este mundo já vieram. Em 1898-99, com o término dos primeiros 5.000 dos 432.000 anos da Kali-Yuga, começou o dealbar de uma pequena Satya-Yuga, “Idade do Ouro”, dentro da mesma, correspondendo ao início da Idade de Maitreya para cujo pleno florescimento a Lei exige que o Karma Planetário seja de todo queimado, apagado, como agora acontece na Recta-Acção da mesma Lei Única que a tudo e a todos rege.

Em conformidade com tudo o dito, antevendo os dias actuais em 25 de Abril de 1889, Helena Petrovna Blavatsky, em reunião na Loja Teosófica “Blavatsky” em Londres, foi incisiva nas suas respostas aos que a perquiriram sobre o assunto:

“Sr. –: – Será que ainda não chegou o pior momento da vida da Humanidade?

Sr.ª Blavatsky: – Fisicamente, não sei. Digo que ainda teremos dias piores que os que temos tido, porque temos pecado muito.

Sr. –: – Então ainda não alcançámos o ponto mais baixo?

Sr.ª Blavatsky: – Ainda não alcançámos o ponto mais baixo.

Sr. Ingram: – Mas não há, ao mesmo tempo, uma maior aceitação e obediência da Lei em contrário à desobediência? Não há a maior parte da Humanidade que obedece à Lei, cujo karma acumulado neutraliza o karma dos restantes?

Sr.ª Blavatsky: – Eu não sei. Não creio. Nada pode neutralizar o mau karma dos indivíduos. Colectivamente pode haver algum equilíbrio, mas temo que seja tudo do lado errado. A maldade predomina em tudo. Não é bom. Vão onde quiserem e não encontrarão nada que não seja feito ou não se faça por motivos egoístas só para benefício de um mesmo, nação ou indivíduo, tornando os outros perdedores. É terrível quando se vê o estado actual dos negócios, da vida e da civilização. Esta civilização é o cancro da Humanidade, será a ruína da Humanidade pela maneira como é conduzida. Eu não digo como deve ser a civilização. É o maior desenvolvimento do egoísmo que já se conheceu. Posso assegurar-vos que a quinta Raça se irá com um grande ruído de trombetas, que não serão mais que as trombetas do grito de guerra.

Sr. Ingram: – O egoísmo é maior agora do que foi na quarta Raça?

Sr.ª Blavatsky: – Mil vezes pior, porque agora estão decaindo em espírito ao agarrarem-se desesperadamente à matéria. É por isto.”

Como o psiquismo na sua forma simplicista e letal à evolução avante predomina na Raça actual, cuja finalidade é a do desenvolvimento do 5.º Princípio Mental Superior, invés desse já realizado 4.º Princípio Psicomental, característico da “Mente Emocional”, no Período Atlante, e que foi o estado natural da Humanidade da 3.ª Cadeia Lunar, o mesmo acaba sendo o aguilhão fatal à consumação do Karma Ariano, sobretudo através dos cultos rendidos às egrégoras, essas “almas artificiais colectivas” passadas, querendo insuflar-lhes a vida desde há evos finada, indo assim criar títeres sinistros, pouco importando se apenas motivados por modismos lúdicos ocasionais, sobre o que H. P. Blavatsky acrescentou ainda de viva voz, no mesmo ano de 1889, com palavras preciosas ao entendimento da mecânica oculta das seitas aparentemente religiosas d´hoje, marcadas pela ausência do senso necessário de selecção e hierarquia, aquela para a regra e esta para a ordem, vitais à subsistência e sobrevivência verdadeiramente espiritual de toda a Ordem e de toda a Religião:

“Sr.ª Blavatsky: – Agora ouçam até ao final. Outra ilustração. Como há vinte anos atrás a Ciência poderia ter explicado o contágio das doenças? Agora descobriu as bactérias e os bacilos, uma das formas mais atenuadas de matéria, mas ainda assim atómicas. Talvez daqui a vinte anos descubram o contágio das paixões mentais. Algumas pessoas chamam-lhe magnetismo, um poder mesmérico. Falando de um conferencista, diz-se que ele electrificou o seu auditório, e nós dizemos que essa electrificação é puramente atómica. O clarividente, cujos sentidos estão despertos perante as condições fisiológicas e psíquicas da sua época, perceberá as pontas dos átomos procedentes do conferencista para o auditório, que estarão coloridas com diversas tonalidades de acordo com a sua condição interior, assumindo diferentes tons à medida que se põe em contacto com os diferentes indivíduos do auditório, em conformidade às suas condições interiores e temperamentos. Conseguem ver isto? Vejam um orador pregando muito intensamente sobre algo, e com isso electrificando o seu auditório. Dizem que Spurgeon produz um efeito extraordinário nos seus ouvintes. Agora tomem o Exército de Salvação. Como se pode supor que quando centenas de milhares dançam e emanam toda a espécie de emoções e tudo o mais, isso não seja atómico? Enlouquece as pessoas, é infecioso, manipula-as psicologicamente, faz com que percam o poder sobre si mesmas obrigando-as a pensar como o General Booth, uma vez que ficam sob a sua influência. E elas darão dinheiro e acreditarão em Jesus e no que ele quiser. Se o General Booth pregasse sobre Jesus H. P. Blavatsky, todos acreditariam em mim, todos seriam uns blavatskyanos. Posso assegurar-vos que ele tem poder simplesmente por esse ser poder magnético. Oxalá eu fosse sua amiga, seria uma boa ideia que ele pregasse sobre mim, pois assim todos iriam a acreditar em mim.

Sr. Kingsland: – Alguém teria de se oferecer como voluntário para se converter ao General Booth.

(William Booth (1829-1912), pregador metodista inglês que fundou o Exército de Salvação em 1865, tornando-se o primeiro “General”)

Sr. –: – Então, você sustenta que essa energia atómica que emana do pregador tem o mesmo poder sobre todas as pessoas a quem prega.

Sr.ª Blavatsky: – Oh não, há uma grande diferença, porque alguns não seriam afectados de nenhuma maneira. Alguns de nós iriam rir-se. Não nos poderia afectar por não termos temperamento igual aos dos outros para sermos afectados pela pregação. Aqueles a quem afecta de maneira extraordinária são pessoas especialmente sensitivas.

Sr. Kingsland: – E logo, por sua vez, afectarão psicologicamente aos demais.

Sr.ª Blavatsky: – Há um enorme psiquismo por toda a parte.”

Na pandemia do pandemónio dos sentidos que varre a face do Globo actual, mais do que nunca têm-se concretizadas as palavras proféticas do Rei do Mundo proferidas no Mosteiro de Narabanchi-Kure, Mongólia Exterior, em 1890, que o Professor Henrique José de Souza traduziu do livro Animais, Homens e Deuses, de Ferdinand Ossendowsky, transcrevendo-as no seu magnífico artigo, Profecias que atestam a queda do Ciclo, publicado na revista O Luzeiro, ano I, n.º 6, Novembro de 1952:

“Cada vez mais os homens esquecerão as suas almas, preferindo ocupar-se dos seus corpos. A maior corrupção reinará sobre a Terra. Os homens tornar-se-ão idênticos aos animais ferozes, embebidos no sangue de seus irmãos (que o digam as duas guerras mundiais, as revoluções e todo o lastro destruidor do ciclo de Marte, ou seja, de 1909 a 1944). O “Crescente” se aniquilará e os seus adeptos sairão em miséria e guerra perpétua. Os seus conquistadores serão iluminados pelo Sol, mas não se elevarão duas vezes; acontecerá a maior das desgraças, que culminará em injúrias diante dos outros povos. As coroas dos reis, grandes e pequenos, cairão: uma, duas, três, quatro, cinco, seis, sete, oito (não foi o que assistimos nas duas últimas guerras?)… Haverá uma guerra terrível entre todas as nações (além dessas a última, ou a que ameaça destruir o mundo através de bombas atómicas e outros engenhos de morte?). Os oceanos se tingirão com o sangue de irmãos contra irmãos (por serem filhos de um Pai Comum: Deus). A terra e o fundo dos mares ficarão cobertos de ossadas… Povos inteiros morrerão de fome, ou por moléstias desconhecidas, ou pela prática de crimes não previstos nos códigos com que se regem os homens, e isto por nunca terem sido vistos iguais na Terra… As maiores e as mais belas cidades serão destruídas pelo fogo (ruínas, sempre ruínas!). O pai se revoltará contra o filho, o irmão contra o irmão, a mãe contra a filha (os jornais estão repletos de crimes dessa natureza, o que evita maiores comentários). O vício, o crime, a destruição do corpo e da alma continuarão a sua rota fatal… As famílias serão divididas… O amor e a fidelidade desaparecerão, porque a prostituição reinará até nos lugares mais sagrados (estamos na época das “sereias”, das “rainhas desnudas”, para gáudio da imprensa livre, sem falar nas “mi-carêmes” e outros métodos de “alegrar e satisfazer o povo”)… Em dez mil homens um só viverá, mesmo assim louco e sem forças, não encontrando habitação nem alimento. Toda a Terra ficará deserta (e “viúva dos deuses”, como disse Hermes na decadência do Egipto…). Deus lhe voltará as costas. Sobre ela cairá o espesso véu da noite e da morte… Então, enviarei um Povo, agora desconhecido, que com mão firme arrancará as más ervas da loucura e do vício (este sim, será o Governo Único aclamado pelo «descobridor» da Teoria da Relatividade, Einstein, e nenhum outro, pois que agora ele teria que andar, como Diógenes, com uma lanterna mais forte para encontrar… o “procurado”). E conduzirá aqueles que ficarem fiéis ao Espírito de Verdade na batalha contra o mal. Eles fundarão uma nova vida na Terra, purificada pela morte das nações…”

Palavras fatais, julgadoras, essas encontrando eco naquelas outras anteriores, que o Professor Henrique José de Souza igualmente transcreveu no seu artigo citado, inscritas no capítulo IV do Vishnu-Purana:

“Nos dias em que os mlechchas (europeus, estrangeiros) forem senhores das margens do Indo, Cachemira e Chandrabagha, aparecerão monarcas de mau espírito, génio violento, mentirosos e perversos. Eles darão morte às mulheres, às crianças e aos próprios animais (a última guerra responde por si mesma…). No entanto, o seu poder será limitado (como foi e será sempre o de todos quantos estejam fora da verdadeira Lei, que a tudo e a todos rege). As suas vidas serão curtas, embora os seus desejos insaciáveis (ainda continuarão outros com ambições análogas… mas o fim será idêntico ao dos anteriores). Gentes de vários países, com eles se misturando, seguirão o seu exemplo (as camisas das várias cores que se estenderam na “corda bamba” da política internacional, sob a tutela do nazi-fascismo…). Os puros serão desprezados (e até desmoralizados pela imprensa). E, com isto, o povo perecerá, porque os mlechchas ou bárbaros estarão nos extremos (o nome o diz: extremismo), enquanto os verdadeiros ários estarão no centro (ária ou ariana, se o quiserem, não foi jamais a decadente Alemanha de hoje, mas a sub-raça germânica, que de há muito desapareceu fundida em outros povos. Estamos na arregimentação das sementes das sexta e sétima sub-raças dessa mesma Raça-Mãe, respectivamente, na América do Norte e do Sul. A Índia foi a verdadeira mãe da Raça Ária, donde ter sido chamada, naquele tempo, de Ariavartha… Hitler e outros muitos eram e são ignorantes demais para conhecer tais coisas). A riqueza e a piedade diminuirão cada vez mais, até o mundo entrar em completa degradação… Então somente a fortuna dará valor aos homens, ela será a única fonte de devoção (motivo pelo qual a maioria só procura as sociedades pseudo-ocultistas que prometem aquilo que não podem dar, isto é, riqueza, paz, felicidade). A paixão animal será o único laço de união entre os sexos (o desquite e o divórcio, para quem tem carácter, é remédio, enquanto para quem não o tem, é veneno mortal, é tragédia, é aniquilamento). A falsidade, o único meio de vencer as contendas; as mulheres, meros objectos de satisfação sexual. A exterioridade, o único sinal de distinção entre as camadas. A falta de honradez, o meio mais prático de se ganhar a vida (com vistas ao “câmbio negro”, aos chamados “tubarões”, e outras coisas que não merecem ser apontadas…). A debilidade trará consigo a dependência; a ameaça e a ostentação suplantarão a verdadeira Sabedoria. A mais desenfreada liberdade (libertinismo…) não permitirá outras aspirações mais dignas. A riqueza dará ao homem a reputação de puro e honesto (“tanto tens, quanto vales”, é velho provérbio para os loucos de espírito). O matrimónio não passará de simples negócio… A razão estará sempre do lado mais forte (do que muito se aproveitou Hitler…). E o povo, esmagado pelo peso da enorme carga, começará a emigrar de lado para lado (a começar pela raça judaica… sem falar nos foragidos de toda a parte, inclusive religiosos…). E assim, na Idade Negra (aquela que estamos atravessando), a decadência moral continuará a sua marcha, até que a Raça Humana se aproxime da sua extinção (isto é, do fim de um Ciclo, de acordo, também, com o Destruere et Construere de Bacon, e o Corsi e Ricorsi de Vico).

“Quando o fim de tal Idade estiver próximo, descerá sobre a Terra uma parte daquele Ser Divino (o Espírito de Verdade, Planetário da Ronda ou Dirigente Espiritual do Globo, a que também se refere a profecia anterior do Rei do Mundo), que existe em sua própria natureza espiritual, dotado das oito faculdades supremas (os “oito poderes da Yoga”, etc.). Ele restabelecerá a Justiça na Terra, e as mentes dos que viveram até ao fim serão tão puras como o cristal. Os homens, assim transformados, serão como sementes de uma nova Raça (note-se o lema da Sociedade Teosófica Brasileira: Spes Messis In Semine, ou “a Esperança da Colheita está na Semente”), que seguirá as leis da Idade de Ouro ou da Pureza, para transformar o mundo. Dois elevados Seres, dois Deva-Pis (o mesmo que dizer, “Gémeos Espirituais”), volverão à Terra para felicidade dos homens.”

Esses dois elevados Seres são provindos de Shamballah, segundo o mesmo texto sagrado, enquanto o Espírito de Verdade, referido em ambas as profecias, é o mesmo que no Bhagavad-Gïta, ou “Canto do Bem-Aventurado”, pela boca de Krishna diz ao seu discípulo Arjuna (IV, 7-8): “Todas as vezes – ó filho de Bharata! – que Dharma (a Lei Justa) declina e Adharma (o contrário, que é o estado em que se acha o mundo) se levanta, Eu me manifesto para salvação dos bons e destruição dos maus. Para restabelecimento da Lei, Eu nasço em cada Yuga (Idade, Ciclo, etc.)”.

Isso remete para o sentido de Advento afim à Parúsia ou manifestação universal da Divindade numa nova fase da Evolução Humana, tema do Messias ou Avatara que tanto pode ser um Ser Divino como um Movimento Eleito, ou ambos: o Ser Divino encabeçando o Movimento Eleito. Nisto, o Cristo ou Maitreya à dianteira da Grande Fraternidade Branca.

Sendo Maitreya o Senhor das “Três Vestes” (Trikaya) que se repartem interligadas pelos Mundos Espiritual, Psicomental e Físico, originados de uma “Coisa Única” que é a Essência Absoluta do Pai Eterno em quem o Filho é, então será verdade a maravilhosa expressão do Amor-Sabedoria Universal, o Divino Maitreya, Filho da Terra ou Eva (Heve) mas de há muito tempo tendo superado a esta, que:

Em Shamballah (Espiritual) – utiliza a Veste Espiritual (o Absoluto no Terceiro Trono);

Em Agharta (Mental) – utiliza a Veste Mental (o Primeiro Trono no Terceiro Trono);

Em Duat (Astral) – utiliza a Veste Emocional (o Segundo Trono no Terceiro Trono);

Em Badagas (Etérico) – utiliza a Veste Vital (o Terceiro Trono no Terceiro Trono);

Na Face da Terra (Físico) – utiliza a Veste Física (o Terceiro Trono no Absoluto).

Por esse motivo, a Essência permanece a mesma, desde Shamballah à Face da Terra. Sim, porque o que diverge são as frequências vibratórias das Vestes, mas não a imutabilidade da prima Essência que as anima.

Essa Essência Única lampejando como Chama Crística no imo de cada ser vivente (e quando, no mínimo, três quartos da Humanidade apelarem ao Cristo Universal não por ansiedade aflitiva mas por necessidade cooperativa, não duvido que então Ele advenha finalmente sobre a Terra, por haverem condições propícias físico-espirituais e os homens O reconhecerem de imediato por O terem despertado primeiro em seu peito).

Maitreya (मैत्रेय) é nome tipicamente sânscrito inscrito nos Vedas e nos Puranas, sobretudo no Vishnu-Purana, que são literatura religiosa do Hinduísmo, alguma com cerca de 8.000 anos, e o qual nome Helena P. Blavatsky divulgou ao Ocidente em A Doutrina Secreta, tendo depois Charles W. Leadbeater e Alice A. Bailey o popularizado nos meios teosofistas, mas que Henrique José de Souza enquadrou com a maior justeza ressalvando sempre tratar-se do Cristo Universal, o Emmanuel assim reconhecido no Ocidente, tanto na Igreja como na Maçonaria. Não se trata, pois, de um cidadão vulgar nem de um «vulgar» Espírito Superior, mas da própria expressão Amor-Sabedoria da “Divindade em quem tudo e todos somos”, parafraseando Santo Agostinho.

Bem sei que muita gente crédula e impúbere aguardou o Seu Advento na data cíclica de 28 de Setembro de 2005, acreditando Ele advir só para ela, no esquecimento ou na ignorância de que Maitreya é o Supremo Instrutor do Mundo, de homens e de anjos, é o Salvador das Vidas de todos e não de só uns quantos auto-privilegiados, mitomania apocalíptica afim a identidades nacionalistas jovens. E a advir acredito que não será por Portugal, nem pelo Brasil e nem por qualquer outro país, porque tal daria conotação nacional, limitada, ao que é universal, ilimitado. Creio que advirá pelo Monte Meru, isto é, pelo Pólo Norte, ponto de entrada do Tubo Cósmico (Tubu-Shin) na Terra repleto de Fohat, a Electricidade Cósmica. Por tudo isso, quando perguntavam ao Professor Henrique José de Souza “como iria Maitreya actuar na Sociedade Teosófica Brasileira?”, ele respondia invariavelmente o mesmo: “Mas Maitreya irá querer saber da S.T.B. para alguma coisa?”. Sim, porque acredito Ele advir para toda a Humanidade, incluindo os Reinos Sub-humanos, e que quando advir tudo quanto é vida, energia e consciência se alterará positivamente na Face da Terra. Se foi assim com Krishna, Budha, Cristo e outros mais Avataras do Passado, por que não haverá de o ser com Aquele do Futuro?

Por enquanto, infelizmente, mas sendo necessária a depuração cíclica ou “separação do trigo do joio”, as Mónadas aptas das não-aptas ou capacitadas a integrar um novo estado de vida e consciência, a época actual é idêntica àquela que fez dizer a São João, o Apóstolo de Patmos: “A grande Babilónia tornou-se a morada dos demónios e repasto de todo o animal que nos causa asco. E isto porque todas as nações beberam do vinho da sua impudicícia, e os reis da Terra se prostituíram com ela.” – Apocalipse, 18:1-3.

“De ti, Jerusalém, não restará pedra sobre pedra”, afirmou Jesus, o Cristo, referindo-se ao término do ciclo do Templo de Salomão (Lucas, 21:6), e que num sentido mais amplo ajusta-se à situação actual da sociedade humana em franca debacle psicossocial, para o alvorecer de um novo ciclo portador de melhores dias para o mundo.

É o mesmo Espírito de Verdade (Deva-Vani) da Profecia do Rei do Mundo, quem depois profere pela boca perfumada do Professor Henrique José de Souza:

“Cada um constrói o seu mundo para que o Meu permaneça ignorado. Àqueles que continuam querendo «milagres» – em verdade, “fenómenos naturais, por serem levados a efeito dentro das Leis da Natureza” – devo lembrar os realizados pelo Cristo, por outros Avataras Iluminados. De que serviram eles para os seres da Terra se continuam hoje, talvez, piores do que eram nas respectivas épocas das manifestações daqueles referidos Seres? Por isso mesmo, o Cristo fez ver que “muitos serão os chamados e poucos os escolhidos”. Sim, a Elite ou os Eleitos como qualidade, em vez da quantidade. Esta sempre foi a parte grosseira de todos os sectores da vida humana. Cada qual que pense a respeito, porque na própria Política tal verdade se revela por ser uma das principais razões das más administrações dos povos. A própria Evolução Humana é feita dessa maneira. A prova é que aqueles que se distanciam dos demais são dignos de ser seus Guias e Instrutores. São os que se tendo encontrado em si mesmos, e não fora, não pagam tributo a ninguém tendo alcançado a sua própria Superação. Todos eles se fizeram iguais a Mim, porque eu sou o Grande Todo, a Divina Essência que vibra no coração de todos os Seres que alcançaram semelhante etapa. Mas ainda há muita gente a salvar. Muitas criaturas onde a Centelha Divina aguarda apenas o sopro ou hálito de uma Boca fraterna, amiga e carinhosa, para que a mesma se transforme em enormíssima Fogueira… pouco importando a sua convicção filosófica ou religiosa.”

A Hierarquia Humana ainda é muito jovem, só ficou definitivamente formada em 4 de Outubro de 1937 com a Redenção do Karma Atlante por quem de direito, o Deus Akbel. Por esta razão, a mente humana ainda está em formação para o emocional já formado, com isso esse dominando aquela na grande maioria dos seres humanos, como se observa na sua busca de soluções definitivas apostando na novidade de homens que, afinal, são tão humanamente imperfeitos como eles, isto em todo e qualquer sector da actividade humana (política, religiosa, filosófica, científica, etc.), indo o colectivo mais um vez se desiludir e prosseguir o perpétuo arrastar das suas penas, qual alma penada errando de um lado para outro, na busca interminável da solução para o magno problema humano, afinal, o da sua felicidade. Acaso ou decerto a Felicidade Humana, permanente e estável, estará na realização da Sinarquia à escala global.

O esquema acima vem a ser o da estrutura sinárquica, isto é, “com ordem, harmonia e medida”, cujo modelo anárquico dominante, distópico em oposição aberta e hostil ao utópico, leva o desespero colectivo, despossuído de soluções estáveis e duradouras psicossociais, a cada vez mais se acercar do ideal de Sinarquia no anseio de uma sociedade humana justa e perfeita.

Se a Concórdia Universal é uma realidade permanente desde há milénios no Mundo de Agharta, cujos moldes sociopolíticos alicerçam-se nos três pilares mores do Legislativo, Executivo e Judiciário sob a Coordenação de um quarto poder garante da harmonia estabelecida em simbiose com as Leis da Natureza, o que se poderá interpretar como Sinarquia ou as mesma Leis aplicadas com êxito ao tecido social, na Face da Terra, pelo contrário, ainda campeia a desarmonia, o contraste da divisão humana vazada ou resultando na anarquia, com os povos buscando o remédio eficaz para a felicidade psicossocial nos efeitos em detrimento das causas. Perseguem líderes falaciosos como quem procura um messias salvador, erguem-se muralhas de discórdia nas partes envolvidas, e o resultado fatal será sempre a infelicidade humana manifestada como doença, fome, guerra e morte (4 Cavaleiros do Apocalipse). Realmente, à Anarquia da Kali-Yuga da Face da Terra contrapõe-se a Satya-Yuga do Mundo de Agharta. Mas também isso não deixa de estar em conformidade à queima do Karma da Raça Humana.

Falo de Sinarquia definindo-a como fundamentada em princípios universais em que se inscreve o Homem, considerado não neste ou naquele aspecto particular, não nesta ou naquela dimensão parcial, como a dimensão socioeconómica, por exemplo, mas na sua totalidade, como um ser integral, expressão e síntese da Lei Orgânica da Vida numa colectividade ou sociedade justa e perfeita, harmonizada ou conformada a essa mesma Lei Universal.

É nisso, pois, que o ideal da Utopia se concretiza, o de uma República governada por Filósofos. Convém entender o termo filósofo no seu sentido original, não como “amigo do saber”, dos vários saberes, mas como Filho da Sabedoria, numa palavra, do Conhecimento Supremo, dirigindo, conformado aos ritmos das leis da Natureza, o Homem individual como microcosmos da Sociedade grupal, o seu macrocosmos, o que se revela no trinómio Homem – Sociedade – Natureza.

Esses princípios estão interligados por existir uma inter-relação permanente entre eles, porque onde um aspecto predomina os outros também existem como subsidiários, indo demonstrar que um povo, sendo uma colectividade, é um ser vivo colectivo, dotado de auto-consciência, cuja acção política do governo sobre ele não pode permanecer abstracta sem o perigo de dissolução. Na medida em que os sistemas político-sociais não souberam, até hoje, firmar-se numa filosofia científica conformada às estruturas biológicas das sinergias grupais, mas tão-só em concepções arbitrárias, fragmentadas e fragmentárias, afirmam-se, por consequência, como sistemas políticos de constituição anárquica, onde a injustiça e a imperfeição sociais encontram campo livre para se impor. À ordem social orgânica do Mundo de Agharta impõe-se a desordem sistemática dos regimes da Face da Terra. No fundo, trata-se da problemática do binómio Autoridade Espiritual – Poder Temporal, por não se saber quais os espaços da sua exclusividade para que, efectivamente, sejam legítimos e não se corra o risco de cair em qualquer espécie de prepotência ditatorial, seja religiosa, seja laica, seja, e que é o mais comum, religiosa e laica ao mesmo tempo, o que, para todo o efeito, revela ser leiga no entendimento e apercepção metafísica da política, cuja ciência é destinada exclusivamente a servir o Bem comum, ao contrário do que sucede hoje: a política ao serviço do bem só de alguns. Trata-se da polis – origem grega da palavra política – aplicada como sistema de vida ao serviço da colectividade, o que levou o filósofo grego Simónides a pronunciar: “A polis é mestra do homem”, este tomado como unidade dirigida por ela, e serva do mesmo homem no plural da sua aplicação equitativa.

Exposta desta maneira, repara-se de imediato que a ideia político-social de Sinarquia não tem absolutamente nada a ver com quaisquer expressões partidárias, pois que é um estado de consciência social colectivo, eubiótico ou conformado ao “bem-viver” com o Todo e o Tudo auto-integrados harmonicamente um no outro, sob a égide de um governo único eleito pelo reconhecimento unânime da sua superioridade interior e capacidade exterior, capacitado a manter a ordem e a harmonia universal com justiça e perfeição. Por isto, a palavra sinarquia tem a sua raiz nos fonemas gregos sun+arkhe, isto é, “com princípio”, método e ordem justa e perfeita, o que vale por estabelecer harmonicamente a Concórdia Universal.

Isso acaba entroncando-se com as palavras preciosas de Helena Petrovna Blavatsky, remetendo a que antes de se querer ser deuses deve-se primeiro aprender a ser humanos:

“Aquele que obedece apenas às leis estabelecidas pela mente humana, que vive a vida prescrita pelo código dos mortais e a sua legislação falível, elege como sua estrela-guia um farol que brilha no mar de Maya, ou dos delírios temporais, que só dura uma encarnação. Essas leis são necessárias apenas para a vida e o bem-estar do homem físico. São como que pilotos guiando-o através dos baixios de uma existência, transpondo com ele o lintel da morte. Muito mais feliz é o homem que apesar de ater-se estritamente à realização no plano objectivo dos deveres da vida diária, à realização do direito de cada um e todos no seu país, representando, em suma, o dar a César o que é de César, no entanto, na realidade leva uma existência espiritual permanente, uma vida sem interrupções de continuidade nem lacunas e nem interlúdios, nem sequer nos Planos subtis que são lugares de paragem na longa peregrinação da vida puramente espiritual. Todos os fenómenos da mente humana inferior desaparecem como a tela de um cenário, o que lhe permite viver na região mais além do Plano perceptível, como a única realidade. Se o homem mediante a supressão e destruição do egoísmo da sua personalidade, conseguir conhecer-se a si mesmo como o que está por detrás do véu físico de Maya, logo ficará acima de toda a dor e miséria, acima do desgaste de toda a mudança que é a principal criadora da dor. Tal homem será fisicamente de matéria, mover-se-á rodeado de matéria e, todavia, viverá acima e fora dela. O seu corpo estará sujeito às mudanças, mas ele será completamente alheio a elas e experimentará a vida eterna, inclusive enquanto estiver nos organismos temporais de curta duração. Tudo isto pode conseguir-se pelo desenvolvimento do amor universal, sem egoísmo, à Humanidade, e pela supressão da personalidade ou desse egoísmo, que é a causa de todo o pecado e, por conseguinte, de toda a dor humana.”

Como tudo o que existe exteriorizado ao Homem está igualmente interiorizado nele, assim também o seu Theotrim, o seu “Deus Trino” se manifesta no Mundo das Formas por meio do Pensamento, do Sentimento e da Vontade. De facto, como diz com muita propriedade o professor Adhemar Ramos, o Pensar, o Sentir e o Querer são as três forças que a Humanidade utiliza constantemente, mas que no comum das gentes estão completamente baralhadas.

Dessa maneira, tais forças psicomotoras do Homem colectivo que é a Sociedade se auto-enfraquecem. Para a aplicação correcta da inteligência emocional ou psicomental, o primeiro trabalho a ser feito será separar tais forças para que sejam controladas e potencializadas. Sim, porque ao manifestarem Deus na Terra ou Corpo têm a sua origem no mesmo Deus no Céu ou Espírito, sendo a Alma o cabalístico Vau, Vale ou Palco cénico da Evolução, singular e plural.

Isso está em conformidade ao Projecto Sinárquico concebido pelo Professor Henrique José de Souza, sintetizado nestas suas breves mas preciosas palavras:

“A Teosofia é um plano universal de Evolução que segue três caminhos, desenvolvendo:

– A Inteligência pela Instrução;

– A Emoção pela Educação;

– E a Vontade pelo Trabalho.

Reconstruir! É o brado que nos compete!

Sim, reconstruir o Homem, o pensamento, a moral, os costumes; reconstruir o lar, a escola, o carácter, para que o cérebro se transmude ao lado do coração. Só assim a Humanidade se tornará digna do estado de consciência que é exigido pela Nova Civilização.”

Em prosseguimento a isso e para arredar decisivamente quaisquer tendências sectárias político-partidárias extremistas inimigas do bem comum, passível de só ser gerado pelo perfeito equilíbrio ou neutralidade conforme a Balança da Lei, o Professor Henrique J. Souza rematou peremptório na revista Dhâranâ n.º 126 a 130, Outubro de 1945 a Dezembro de 1946:

“Em nossas fileiras não podem medrar, por absoluta inadaptação aos nossos princípios que alimentamos e defendemos, quaisquer totalitarismos, independentes das cores políticas com que se matizem, ou dos postulados que tentem impor. Devemos viver muito acima da Humanidade vulgar que se trucida em nome de um pseudo-herói vitalista, escravizador de povos e consciências, ou de um alegórico pão, sem o sal da liberdade e do espírito. Podem chamar-nos de presumidos, é verdade, mas à aleivosia responderemos com o Ideal de Fraternidade e de Cultura, que pregamos e defendemos.

“Como vivemos na Terra e somos partícipes, portanto, da vida que nos confere um certificado de cidadania, reconhecemos como forma política mais consentânea com a evolução actual da Humanidade a Democracia, porque é a que mais se assemelha ao Espírito Teosófico, pelo seu reconhecimento dos direitos imprescritíveis do Homem.

“A Sociedade Teosófica Brasileira condena, portanto, qualquer atitude dos seus filiados teosofistas que não se enquadre nos princípios acima expostos.”

O Discípulo verdadeiro só realizará integralmente a sua “Sinarquia Interior”, individual, atingindo positivamente a exterior social, colectiva, quando unir o Céu com a Terra em si mesmo e assim se iluminar humana e espiritualmente. Então a Sinarquia será realizada, por o Homem, a Sociedade e a Natureza constituírem um todo inseparável, justo e perfeito. É utopia? Claro que sim. Mas só no Presente, pois que o Futuro é mundo de possibilidades a realizar, sabendo-se que a maioria, se não a totalidade, das utopias do Passado de uma ou de outra maneira vieram a realizar-se.

Assim queira o Eterno presente no Homem.

BIJAM

O ROSTO E A OBRA – Entrevista a Vitor Manuel Adrião

24 Sábado Jul 2021

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Data da Entrevista: 13 Julho 2014

Revista e actualizada: Agosto 2020

AP – António Paiva (entrevistador)

VMA – Vitor Manuel Adrião (entrevistado)

AP – O Vitor Adrião é historiador, investigador e presidente da Comunidade Teúrgica Portuguesa. Autor de inúmeras obras, são tantas que nem me cumpre agora destacar algumas, mas no decorrer da conversa iremos com certeza falar de uma ou de outra. Também já nos conhecemos há largos anos. A primeira vez que nos encontrámos foi na sede da Fraternidade Rosacruz dirigida na altura por um amigo comum, o João Crisóstomo, ou talvez em terras de Sintra. Podemos começar por aí, Sintra, que já na altura era um lugar de eleição para o Vitor e que continua a sê-lo, passados todos estes anos. É verdade?

VMA – É verdade. Vou fazer ao António Paiva uma pequena confissão. O senhor João Crisóstomo tinha o seu Centro Rosacruciano de Lisboa na Avenida Visconde de Valmor, e eu ajudei esse Centro quando me desloquei de Sintra para Lisboa nos anos 80-90 do século ido. Pois bem, nessa ocasião, depois de ter auxiliado a fundar o seu Círculo Esotérico com as suas particularidades, havia uma coisa que me faltava completar: ligá-lo espiritualmente a Sintra, pois era daí que eu tinha vindo por motivos que depois poderei dizer quais.

As primeiras idas, quase ou mesmo peregrinações a Sintra comigo do senhor João Crisóstomo, do senhor João Luís e de outros(as) mais, cujos nomes agora me falha a memória porque já passaram vários decénios sobre esses eventos, fui eu que as promoveu, fui eu que os levei. Houve toda uma Ritualística, novidade na época para os(as) presentes. Essa era a Ritualística da Ordem do Santo Graal em pleno bojo da Serra Sagrada, inclusive com Iniciações – na Capela de São Pedro de Canaferrim, na Ermida de Santa Eufémia, na igreja do Convento dos Capuchos, etc. – que marcaram para sempre quem as viveu, recebeu e igualmente a quantos as assistiram. Também foram muitos e tocantes os fenómenos apodados jinas, gerados desde o Mundo Interno de Sintra então acontecidos, repito, em pleno bojo da Serra Sagrada, inclusive com gente bem física desse “Outro Mundo” das “mil e uma maravilhas e mil e um encantamentos”.

Quanto a essa, Sintra, a minha relação esotérica com ela vem de 1978, quando fundei, juntamente com mais umas quantas pessoas, uma delas o falecido Júlio Baptista que me acompanhou na jornada, para decénios depois eu o acompanhar no último Ritual Magno, de nome Odissonai ou “Ode ao Som”, que fez em vida três dias antes de falecer, dizia, quando fundei no Algarve, em pleno Promontório de Sagres na noite de São João Baptista, o que viria a ser o projecto de Comunidade Teúrgica Portuguesa, esta que então, verdade se diga, não era nenhuma Comunidade, nem era Teúrgica, nem era Portuguesa. Era tão-só um projecto posto em movimento, portanto, uma fundação espiritual, subjectiva.

Depois disso vim para Sintra nela instalando a minha actividade espiritual, e foi quando estabeleci relação próxima com a autodenominada Comunidade Portuguesa de Eubiose, instalada na Casa dos Avelares na Calçada de São Pedro, nº 1, também ela trasladada mas do Algueirão para Sintra. Aí conheci pessoas interessantes, gentes curiosas, cada qual com as suas particularidades humanas no tocante ao encarar e ao viver o espiritual. Mas já então, à margem dessa instituição, da qual ouvira falar pela primeira vez em Portimão, no Algarve, ainda nos finais dos anos 70 através dos editores de uma revista esotérica chamada “Alpha”, com a qual colaborei, como igualmente colaborei nessa ocasião com o jornal esotérico “Nostra”, fundado por Jacques Bergier, dizia, eu mantinha relação e proximidade ao Brasil, praticamente desde os meus 16 ou 17 anos de idade quando abandonei o lar paterno e fiz-me andarilho no mundo.

AP – Essa relação estabeleceu-se em que moldes?

VMA – Primeiro por viagens pelo Brasil, ainda no tempo da Ditadura Militar aí, e depois, desde 1987-88, mais aprofundada e localizadamente com a antiga Sociedade Teosófica Brasileira (1928-1963), que em 28 de Setembro de 1969 adoptou o nome Sociedade Brasileira de Eubiose. Estabeleci relações com os familiares do fundador da S.T.B., o Professor Henrique José de Souza. Foi assim que conheci a esposa então já viúva desse, D. Helena Jefferson de Souza, e igualmente alguns dos quatro filhos desse casal, como sejam o Hélio, a Selene, o Jefferson e o Hermés. Conheci o Sebastião Vieira Vidal, o Paulo Machado Albernaz, o Roberto Lucíola, o António Carlos Boin, a Valéria Vera de Souza Reis, a Dona Verinha ou Muriel para os mais próximos, o Archimedes Carpentier, o Sérgio Scalfaro, enfim, conheci muita gente, inclusive o Udo Oscar Luckner, autodenominado “Hierofante do Roncador”, em Mato Grosso, no Norte do Brasil, que terminou os seus dias de maneira trágica, mas também, no Rio de Janeiro, me cruzei com o famoso José Trigueirinho Netto e as suas singularidades esotericistas.

A relação próxima com o Brasil, a de ligar a parte iniciática da Ordem do Santo Graal nos seus quatro vectores a Portugal (Templários, Tributários, Vestais e Pupilos), se não foi estabelecida por mim, ao menos por mim foi restabelecida. No fundo, antes do projecto teúrgico de 1978, e estou puxando pela memória, já havia trabalho feito. Estava afim ao projecto teosófico do Professor Henrique José de Souza para Portugal, esse que inicialmente acabou passando pela referida Casa dos Avelares, em São Pedro de Sintra, porque alguns dos seus componentes iniciais vindos do Porto para Lisboa, haviam na cidade invicta estabelecido contactos com o Professor Henrique José de Souza em 1956-57, o qual os convidou a fundar uma Casa Capitular da S.T.B. em solo português em 1963, projecto que tomou feição diferente da sugerida pelo Professor Henrique, e depois a sua viúva, D. Helena Jefferson de Souza, em 1967, quis que esse grupo inicial se constituísse em Departamento da mesma S.T.B., o que igualmente resultou debalde. Ainda assim, sobrou nesse núcleo português – que entre 1973 e 1978 se repartiu em grupos autónomos como o “Movimento Eubiótico dos Servidores de Aquário”, a “Confraria dos Eubiotas de Kurat” ou o “Grupo de Teatro 5” – um interessante projecto dito eubiótico independente, sobretudo a partir de 21 de Junho de 1979, data da sua fundação notariada por escritura pública como Comunidade Portuguesa de Eubiose, que naturalmente se dota das suas especificidades pessoais, e por certo natural e indiscutivelmente terá o seu valor próprio, na sua particular maneira de ver e entender o que seja a Teosofia Eubiótica de JHS, ou seja, de Henrique José de Souza.

AP – Era na Calçada de São Pedro que estava sediada a Comunidade Portuguesa de Eubiose?

VMA – Sim. Nisso ela poderá ser uma Comunidade, ela poderá ser Portuguesa, e poderá também ser de Eubiose, mesmo que acerca dessa última pessoalmente guarde algumas reservas. Embora respeitando sempre as crenças de cada um e de cada qual, e as suas maneiras de estarem nelas, não posso esquecer a minha experiência directa junto das fontes que, aliás, mantém-se até hoje, até este preciso momento, neste dia do Sol, domingo, Dominicus Dies. Portanto, voltando ao início, a minha relação com Sintra foi sempre ligada à presença teosófica e graalística centralizada no Professor Henrique José de Souza. Inclusive, antes do projecto de Comunidade Teúrgica Portuguesa, havia trabalho feito anteriormente, porque quando avancei para esse projecto já tinha algum traquejo espiritual, já então fazia militância…

AP – Em 1978 o Vítor tinha que idade?

VMA – Era muito jovem, sei lá, vinte e poucos, talvez, hoje estou a caminho dos sessenta e alguns anos de idade. A minha principal função nesta vida foi realmente destacar a Mística Sintriana, sempre a ligando à pessoa e obra do Professor Henrique José de Souza.

AP – Continua a ser a sua missão?

VMA – Foi aquilo que fui incumbido de realizar. Missão no sentido vulgar do guru auto-inventado recambia sempre ao apostolado imaginário de profetas mancos e falsos messias. Gente perturbada essa que pondo-se nos “bicos dos pés” apenas procura realce social não poupando coisa alguma, desde amigos a familiares, sendo sempre iguais a si mesmos, vivendo fantasias cujas realidades só existem nas suas cabeças agitadas. Conheço casos assim, não poucos, infelizmente. Portanto, considero-o tão-só um trabalho que se me indicou, uma incumbência. E essa incumbência foi feita, realizada. A maior parte do trabalho está feita. Poderei dizer que praticamente 90% está feito, realizado, sobretudo com a criação do Sistema Geográfico de Sintra a que dei forma. Mas dei-lhe forma em conformidade ao que Professor Henrique José de Souza revelara sobre Portugal e Sintra nos seus textos reservados, facto que o próprio Mário Roso de Luna sabia, e já antes Helena Petrovna Blavatsky, conforme aquele apontou na biografia desta que é tomo precioso levando de título Una Mártir del Siglo XIX – Helena Petrovna Blavatsky.

Repare só que hoje em dia, apesar destes anos todos, a juventude, uma geração nova, não tem o conhecimento dos passados, dos evos onde me incluo e que abriram novas valências até então insuspeitadas no plano da Tradição Iniciática a ver com Portugal e Sintra. Fui eu quem publicamente deu a cabeça, o pensamento, alguém teria de o ser. Hoje, realmente a Serra de Sintra é um polo de misticismo sobretudo dos movimentos “Nova Era”, com o seu espiritualismo a “la carte”, como diria o professor Eduardo Lourenço, engraçados no seu simplicismo roçando o infantil, apesar de terem a sua valia própria, sem dúvida onírica, sentimental mas não a iniciática, puramente mental superior. Porque a Iniciação não é qualquer coisa que se consiga em livros e discursos, tampouco em manifestações animistas, de sugestionamentos automediúnicos, como diria Fernando Pessoa, e pareidólicos. Mas é folclore exotérico interessante, aliás, contribui para o aumento da Serra como polo de atracção turística. Sintra é hoje conhecidíssima em todo o mundo pelo motivo turístico a que se juntou o esoterológico, sobretudo depois das reportagens que dei ao matutino “Correio da Manhã”, ainda nos anos 80, a partir de 1985, acerca do mistério esotérico de Sintra.

O Professor Henrique José de Souza esteve em Sintra na viragem do século XIX para o século XX, 1899-1900, conheceu e foi recebido por gente muito singular, alguma dela ligada à Ordem de Mariz e aos Marizes de Trás-os-Montes, alguns deles meus amigos pessoais. Depois, ao longo da carreira de toda a sua vida indo de 15 de Setembro de 1883 a 9 de Setembro de 1963, Sintra ocupou sempre um lugar predilecto na sua mente e no seu coração.

VMA no domínio Mariz de Amedo

É dito que Sintra, segundo as revelações do mesmo Henrique José de Souza, é um dos Qtûbs, em árabe, Polos ou em sânscrito Chakras do Mundo, precisamente o quinto. E isto é curioso porque acaba por relacionar-se ao tema do V Império, do Quinto Reino Espiritual, de Agharta. Aliás, no fundo tudo isto tem a ver com a Agharta e Shamballah. Mas resta saber o que é isso de Agharta e Shamballah… Enfim, se para mim tal não é missão, sem dúvida é trabalho.

AP – E em que medida esse trabalho ao longo dos anos o tem trabalhado a si próprio?

VMA – Há uma descoberta permanente. Isso é como perguntar-me: “Então, quando é que despertou para a espiritualidade?”, e eu sei lá quando é que despertei para a espiritualidade. Há quem nasça com uma vocação, e há quem nasça sem nenhuma vocação. É como a Via Sacerdotal. Uma pessoa pode entrar na Via Sacerdotal e nunca dominar a Arte respectiva. Nisso terá entrado por sindicância afiliatória, de alguma forma empurrada pelas circunstâncias sociais, pelo que não entrou por afiliação a necessidade espiritual. Conhece mas não sabe, representa mas não vive, simplesmente tão-só decora e imita… Enfim, caríssimo amigo, vale dizer que só quando a fruta está madura fica pronta a ser consumida.

Portanto, nisto há sempre um trabalho interior, um trabalho de descoberta. Porque uma Escola Iniciática tende sempre ao apelo à derradeira e suprema coisa que é a realização interior, a realização espiritual, o encontro as Divinus, o encontro com Deus, conhecendo as nossas limitações, aceitando-as sem as extrapolar quer para o remorso ou para o regozijo do passado, quer para o que sonha ou fantasia o futuro. A Realização é presente, não é passado nem futuro.

Uma pessoa conhece umas coisas, faz outras tantas dentro do nível espiritual, espanta-se consigo mesma e pensa já ser um Mestre. Não é! Aprende umas coisas, decora outras, faz aqueloutras, e assim se vai realizando, é uma conquista paulatina a do desenvolvimento da consciência do Homem. Os próprios Deuses vão se fazendo a cada dia, a cada hora e a cada tempo mais Deuses.

É um trabalho realmente intenso mas firme e sólido, o qual se for feito somente ao nível da satisfação intelectual, do conhecer pelo conhecer, do ter e querer ser mais do que outros, da afirmação feroz do “intelecto superior” aos demais mas sempre vagueando nas curiosidades fantásticas do momento, confundindo o nómeno com o fenómeno, então não passa de diversão e dispersão mental, não serve aos propósitos da verdadeira Realização.

O intelecto é apenas instrumento. O propósito é ligar, alinhar, integrar a persona ao Indivíduo, ao Ser Superior, à Tríade Superior, à Mónada Divina. Isto é, unir a personalidade à Individualidade. Ligar o homem aparente, a máscara, ao verdadeiro Actor, ao Homem Real – o  Eu Divino, o Espírito, o Atma, a Mónada ou Essência Imperecível.

Isto não é feito de um momento para o outro, vai-se fazendo…

Não posso exigir a um jovem com vinte ou trinta anos que acabou de despertar para os interesses espiritualistas ou tão só “inexplicáveis e maravilhosos”, que tem algumas curiosidades misticistas mas ainda com a “cabeça cheia de grilos”, ou seja, numa confusão identitária perante si mesmo e o seu meio ambiente, que vá ter uma posição de vanguarda iniciática, quando afinal ainda está a dar os primeiros passinhos, titubeando aquilo e aqueloutro, vacilando e duvidando aqui e acolá.

É claro que tenho consciência disso, das pessoas que me cercam e das suas limitações, mas aposto sempre nos seus valores espirituais adormecidos. Ainda assim, uma coisa é certa: não posso impor nada a alguém e a ninguém, porque tudo o que é imposto não dá bom resultado. O mais que posso fazer é apresentar propostas, abrir “janelas de oportunidade”, mas com muita “arte e manha”, como dizia o meu saudoso amigo professor Agostinho da Silva, ou seja, saber convencer sem obrigar ao convencimento. Ele falava-me disto muitas vezes juntamente com o seu condiscípulo que seguiu outros caminhos e chegou a ser Presidente da República Portuguesa, o dr. Mário Soares.

Portanto, há uma proposta. A Comunidade Teúrgica Portuguesa nunca impôs nada, tampouco eu. Às vezes a pessoa vê que são muito jovens, tem de se dar um desconto à impuberdade natural não raro extravasada nesse adolescente convencido das suas “verdades”, pensando que o mundo começou com ele, não se importando de aborrecer e passar pelo que é, “aborrescente”.

Dentro da C.T.P., nos seus Graus Superiores, só se aceitam pessoas com certa madureza de vida e idade suficiente para tanto, porque assim elas já sabem o que querem, mesmo que acaso venham dos Graus Maiores ou dos Altos Graus da Maçonaria, ou de outros Ritos ou Obediências para o nosso meio. São aceites no Oficialato Teúrgico por serem pessoas com a sua natureza definida. Sabem o que querem, não há misturas, não há confusões, não há dispersões, têm noção de Responsabilidade e Integração. Agora com os mais jovens, os destas novas gerações, deve-se ter paciência e capacidade para refrear os ímpetos naturais próprios da juventude fogosa e voluntariosa, e encaminhá-los por bons e rectos caminhos, sem nunca censurar e tampouco impedir as suas tendências e aptidões, somente os encaminhando, não deixando de repreender quando se assumem manhosos nas habilidades de quererem “passar a perna” aos mais velhos, porque isso além de ser feio prova que se teve má educação na formação do seu carácter e tendências.

AP – Somos todos relativamente jovens face aos desafios ou às propostas que a vida nos vai colocando. Mesmo os mais anciãos serão sempre jovens, eternamente à procura da sua sabedoria interior, ou pelo menos durante o percurso aqui nesta Terra. O Vitor poderia destacar alguns dos desafios que lhe foram sendo colocados, ou propostos pela vida?

VMA – Há três aspectos, três vectores. Um vector vem em continuidade ao ancião, no seguimento do que mencionei anteriormente sobre o ancião e o jovem. Quando falo em juventude, digo-o com respeito à juventude mental, porque realmente há jovens que parecem uns velhos e há velhos que parecem uns miúdos. Nem tanto ao mar e nem tanto à terra, não sei se me faço entender… Porque a verdadeira Juventude, a Eterna Primavera, a Satya Yuga interior, é algo que revela realmente o crescimento interno da pessoa.

Eu refiro-me sobretudo à impuberdade. É como a questão desses movimentos holísticos e não sei que mais. Não gosto do termo “holístico”, corruptela do grego hollos, “universal”, e muito teria a dizer sobre isso. Embora interessantes nas suas aparentes boas intenções, falta sempre algo aos movimentos de auto-cura e similares autossuficientes. Como é que alguém doente consegue curar outros doentes? “Médico, cura-te a ti mesmo”, já dizia Jesus, o Cristo, e eu acrescento: se és capaz.

No que respeita às relações com o mundo social, a minha posição espiritual, acompanhando a relação social, e este é o ponto dois, nunca colidiu, mas também sempre mantive as distâncias.

Trabalhei em algumas firmas comerciais no passado, mas sempre com distanciamento e até antipatia ou desagrado dessas actividades. O meu destino não era ser empregado de escritório com horário fixo sujeito aos caprichos de um qualquer patrão. Mas também durante vários anos colaborei com o “Correio da Manhã”, prestando consultadoria através do jornalista Victor Mendanha, com quem me relacionei, como igualmente com um outro jornalista, Fernando Dacosta. É dessa época a saída em páginas centrais das grandes reportagens de 1985-86-87, etc., no “Correio da Manhã”, mas também no “Público”, no “Semanário”, etc.

Houve outras possibilidades de destaque e élan social. Desde enveredar por um caminho mais relacionado com o mundo da política, trabalhar numa Câmara, ambicionar ser deputado da Nação e por diante, mas não fui por aí, desgostei os enredos políticos, as conspirações e revoluções de salões, ademais o meu posicionamento sinárquico foi sempre um e só. Isso custou-me sofrimento e restrições económicas, mas Deus nunca me faltou.

Tirei um curso na antiga cadeira de Histórico-Filosóficas. Está feito, segui por outros caminhos. É um instrumento que uma pessoa tem para a vida do dia-a-dia, porque todos necessitamos de ganhar o nosso pão. Toda a minha formação, a minha escolástica académica passa, de facto, pela História e a Filosofia. Daí as campanhas de investigação e tudo o mais afim que realizei. Mas também restrinjo essa relação, tanto por desgostar discussões sem fim nem finalidade, porque logo a seguir se levanta outra de dúvidas sobre descrenças, onde nunca se chega a consenso comum algum o qual não se quer e somente discutir para apurar a retórica seja ou não razoável, tanto por não ser vendível nem comprável, nem pela Academia, nem por ninguém. Há uma posição assumida, nisto englobo o estatuto académico. É o meu modo de me afirmar socialmente. Mas esse posicionamento académico também me mostrou e depois me levou a mostrar uma outra visão de Portugal, da Portugalidade e do Mundo, sobretudo da nossa diáspora. Isto continuo a fazê-lo.

Esse percurso pela diáspora, mais que tudo cultural e espiritual, levou-me a conhecer inúmeras pessoas no universo das artes, das letras, da política, do teatro, do cinema, etc., em várias partes do Mundo. Mas tive também de recusar muitas coisas, porque as tentações no caminho são múltiplas e costumam aparecer inesperadamente muito bem disfarçadas. A riqueza fácil é geralmente sinónima de pobreza também fácil ou imediata.

Por isso, não quis nem quero nada que venha a contrariar a condição da minha natureza interior, que é sobretudo uma condição vocacionada a altar, a estatuto sacerdotal, a algo verdadeiramente salvífico, imperecível e incambiável.

Logo não posso, tampouco consigo, atingido este patamar, perspectivar outras condições imediatas de bem-estar e destaque social em detrimento da minha necessidade interior, esquecendo, como se tal me fosse possível, que tudo isto afinal não passa de uma passagem, com a duração efémera que vai do berço à tumba. Qualquer um pode, na memória dos pósteros, deixar um jardim bonito, bem plantado, ou então pode deixar um molhe de cardos e urzes daninhas. Gosto ou desgosto, é livre-arbítrio de cada um e cada qual.

AP – E desses inúmeros contactos, há alguém que queira enaltecer?

VMA – No plano das Artes e Letras, deixei e conservo grandes amizades. Algumas ainda se mantêm como o Josué Pinharanda Gomes (falecido depois desta minha entrevista em 2014), que nunca nos faltámos um ao outro nestes decénios transcorridos de amizade próxima e mutuamente feito muito em prol da Cultura Portuguesa.

VMA e Pinharanda Gomes, o “pai” da sistematização da Filosofia Portuguesa, uma amizade que contou decénios

No plano Espiritual ou Iniciático – repare que eu não estou a dizer “espiritualista”, estou a dizer “Espiritual ou Iniciático” –, aí conheci pessoas que me influenciaram definitivamente, sobretudo no Brasil, porque na Índia a coisa não foi boa tal como no Tibete. São países com grandes problemas sociais e raciais. O Tibete sofre a ocupação chinesa e eu provei isso na pele, depois de atravessar a fronteira junto ao Ladakh, o “Pequeno Tibete”, e ser preso pelas tropas chinesas. Queria ir a Lhasa, e consegui à segunda tentativa, misturando-me com uma equipa de televisão francesa que ia lá, em 1982, salvo erro. No Brasil tive uma relação marcante com vários condiscípulos coevos do Professor Henrique José de Sousa. Enfim, bem ou mal, das muitas pessoas que conheci e conheço em Portugal, e já citei o Agostinho da Silva e o Pinharanda Gomes, aparece ainda na minha vida o falecido coronel João Miguel Rocha de Abreu, da Sociedade Teosófica de Portugal e presidente do Ramo Teosófico de Lagos, que me marcou bastante. Os familiares do falecido Félix Bermudes também me marcaram muito. Aliás, tenho na minha posse os diplomas olímpicos de Félix Bermudes. Também me marcaram outros Movimentos que fui conhecendo, como esse Movimento de que já falámos do Centro Rosacruciano de Lisboa, como igualmente da antiga Sociedade Teosófica Brasileira, e assim também algumas pessoas desse Movimento de Eubiose em Sintra.

Conheci pessoas muito curiosas, carismáticas, com a sua maneira peculiar de ser. Na Fraternidade Espírita de Portugal, mantive uma excelente relação de anos com o seu director Eduardo Matos, colaborei na sua revista “Fraternidade”. Conheci o Valdemar Amaral, do Centro Espírita “Perdão e Caridade”, ali na Rua das Janelas Verdes, em Lisboa. Relacionei-me com gente da Federação Espírita Portuguesa. Na altura ainda procuravam recuperar o edifício do Teatro Laura Alves, que tinha sido a sede da Federação Espírita até ao momento de António de Oliveira Salazar os desalojar dele, no tempo do Estado Novo.

Também do Movimento Rosacruciano conheci o Bartolomeu Bana Martins. Conheci muita, muita gente e todos me marcaram com o seu carisma, a sua maneira de estar, as suas crenças. Foram muito interessantes na singularidade de serem como eram. Inegavelmente, foram pessoas que marcaram decisivamente o pensamento neo-espiritualista português.

A única coisa que houve de diferente entre mim e eles foi que eu «impus», entre aspas, coloquei uma tónica nova no pensamento neo-espiritualista, que foi a de Sintra e dos Mundos Subterrâneos. O tema de Agharta-Shamballah, levando para um patamar de maravilhado, de maravilhoso, de castelos encantados, de mistérios insondáveis, fazem sonhar os mais jovens quando profiro tais palavras como estas de Shamballah-Agharta, cuja mais-valia é infinitamente superior à de meros chavões em bocas de mentes turvadas pela incompreensão. Essa foi a tónica diferente que eu «impus». Cada qual «impôs» a sua tónica. A maioria já partiu, está com Deus, Deus os tenha. Marcaram uma época cujo legado deixaram para os mais novos. Estes que agora chegam aqui, pensam que isto que agora usufruem nasceu do zero, que nasceu com a internet. Isto não nasceu com a internet, senhores. Isto já é antigo e ainda há antigos vivos.

AP – E os caminhos de Santiago de Compostela? Estávamos há pouco a falar, fora da gravação, e o Vitor teceu uma série de comentários, até muito bonitos, sobre o Caminho e a sua função iniciática.

VMA – O Caminho de Santiago é muito interessante entroncando de raiz na Tradição Iniciática pertinente à Península Ibérica, mormente a Rota Portuguesa. Aliás, além da entrevista que dei ao diário “La Voz de Galicia” em 24 de Agosto de 1994, escrevi um livro sobre o Caminho Português editado pela Dinalivro, “Santiago de Compostela – Mistérios da Rota Portuguesa”. Igualmente escrevi outros, como “Sintra, Serra Sagrada”, “A Quinta da Regaleira”, “A História Oculta de Portugal”, “A História Secreta do Brasil”, etc. São várias dezenas de títulos editados.

Quanto aos caminhos de Santiago, estes não são só as antigas vias romanas, como se crê e se aceita comumente. Essas eram apenas vias comerciais e militares, ligando as civitas numa rede viária que ia além de Iria Flávia, vizinha de Padrón, mas que mais tarde, sobretudo a partir dos finais do século VIII d. C., por via da publicitação cristã da Lenda Áurea do Apóstolo São Tiago Maior miticamente desembarcado na Galiza, se tornaram vias devocionais, enfim, caminhos de foro religioso, transferindo-se a antiga importância política de Iria Flávia, por via do Primaz de Braga, àquela que viria a ser a actual capital da província galega, Santiago do Campo da Estrela ou Compostela.

Tudo isso tem a sua razão de ser e é coerente com a evolução social e religiosa da história do Norte de Portugal e da Galiza. As ditas vias foram de facto palmilhadas pelos romanos, mas já anteriormente a eles tinham sido trilhadas pelos celtas, uns e outros seguindo a Estrada do Pastor, o Caminho do Pastor, como seja a Via Láctea com Sírio ao fundo, esse a estrela alfa da constelação do Cão Maior, o Canis Majorem, o fiel animal companheiro de São Tiago Boanerges, o “Filho do Trovão”, o “Filho do Fogo”, na sua acção pastoral sob a égide da Virgem do Pilar, representação da primitiva Deusa-Mãe Ísis de cujo santuário ainda sobrevivem os seus restos em Braga, a Bracara Augusta. Este é, realmente, um Caminho de Fogo, do Fogo Criador do Espírito Santo ou Kundalini segundo os sábios hindus. Ele subsiste e persiste na Península Ibérica como módulo único de Iniciação Móvel, leitmotiv da Peregrinação. Esta que cedo também foi adoptada por árabes xiiitas e judeus sefarditas, sobretudo por estes onde até a Sefarad ou Ibéria ficaria associada onomasticamente a Hebreu ou Hibram, o “Único”, que é o que significa o védico Brahm, donde Brahma, o Deus Primordial. Pela maneira como se peregrina, pode ou não se aperceber estar num processo de Iniciação Móvel, como o viveu o maiorquino Ramón Lúllio, por exemplo, mas também a nossa Rainha Santa Isabel. Confessionalmente, é caminho de penitência, de resgate kármico, como dizem os sábios hindus, mas também não deixando de ser caminho de encontro com o Divino. É Rota que sobe de Sagres a Santiago de Compostela, para não dizer, à Coruña ou Corona, desembocando na Plaza de Portugal, ali próximo ao Mar dos Mortos, em Finisterra.

Mas primeiro passará pelo Sol gravado no Padrón, pois “quien vay a Santiago y non visita al Padrón, o faz romaria ou non”! Padrón fica cerca de sessenta quilómetros abaixo de Santiago de Compostela, e está lá a tal pedra solar, o tal bétilo, onde o povo diz ter atracado a barca de pedra, a Arca do Saber de São Tiago Boanerges.

Como rota religiosa e espiritual será tudo isso, e ainda assim o Caminho de Santiago abre-se, rasga-se a todos como painel de oportunidades, oportunidades onde cada um escolhe a que melhor lhe condiz. É um leque de possibilidades ad infinitum, possibilidades oferecidas indiscriminadamente pelo Caminho a todos na sua marcha para o Divino. Uns percorrem-no por um lado, outros calcorreiam-no por outro; uns conduzem-se por uma noção mais religiosa, outros por outra mais cultural, outros até só pelo turismo, o simples passeio, mas no fundo todos se identificando ou tão-só apercebendo a Algo que lhes é superior, seja Deus, seja a Natureza, seja algum santo, alguma igreja ou ermida, seja o que for. Os próprios albergues no Caminho estão demarcados estrategicamente, em guisa de demarcar as etapas da Iniciação. Nisto tem-se representado na Terra o Caminho da Verdadeira Iniciação.

Mas, como disse, o Caminho de Santiago de Compostela não é só um caminho religioso. Não é assim que a UNESCO o reconhece, nem foi só assim reconhecido ao longo da História. É sobretudo um caminho cultural. E a cultura implica o vector religioso, o vector naturalista, igualmente o hermético ou esotérico, assim abrangendo as várias partes ou aspectos do todo constitutivo da Rota Jacobeia.

Esta Rota Jacobeia é Caminho de Espírito Santo, geograficamente subindo de Sagres à Corunha, à “Corona”, e sendo Sagres o “Sacro”, o cóccix do país, é como se fosse a coluna dorsal da própria cabeça do corpus da Ibéria, como seja Portugal.

Todos os outros caminhos jacobeos, la Ruta del Estaño, la Ruta del Cobre, la Ruta del Oro, la Ruta de la Plata, etc., acabam sendo caminhos subsidiários. O próprio Caminho Francês é um caminho subsidiário em relação ao Caminho Português, conforme a narrativa da Legenda Aurea dada a conhecer por Frei Tiago de Voragine cerca de 1260, e depois por outros mais. Onde acontece a maior parte da saga narrada na Legenda Aurea? A peregrinação de São Tiago em vida, mandado pela Virgem Maria na sua primeira viagem à Península Ibérica, acontece na região de Braga, território português que já o era no tempo de Voragine. Só depois disso, continua a Lenda, é que o Apóstolo adentrou o interior hispânico indo até Saragoça, onde a Virgem lhe apareceu sobre um pilar, donde a cultuadíssimo Nuestra Señora del Pilar. Mas os principais acontecimentos dessa odisseia pastoral aconteceram na região portuguesa da antiga Bracara Augusta.

É curioso que, em Braga, as relíquias do bispo São Frutuoso e todos aqueles santos bracarenses e do Alto Minho foram furtadas durante a noite pelo bispo Gelmírez, no século XII, e levadas para Compostela. A maioria das relíquias e santos que hoje se veneram em Santiago de Compostela são, afinal, portuguesas. Além de muito curioso isto é bastante sintomático.

Os autores medievais e da Renascença consideraram que o bispo Diego Gelmírez praticou pio latrocínio, “roubo sagrado”, feito aos portugueses. Esta história está toda contada no meu livro sobre Santiago de Compostela.

AP – Obrigado por toda essa riquíssima informação que facultou sobre o Caminho de Santiago. E o caminho de Portugal? E a nossa missão? E por onde é que nós andamos? Pois há pessoas que terão consciência, que trabalham nesse sentido. Mas este caminho tem um conjunto de pessoas que está a passar sérias dificuldades materiais e também espirituais, muitas delas desnorteadas.

VMA – As crises físicas são sempre o reflexo das crises psíquicas, enquanto o Espírito dorme, isto é, não desperta. É uma crise psicossocial que afecta a sociedade portuguesa como reflexo da crise que afecta a sociedade planetária. É a dor de parto. É o Roncador, o “Ronco da Dor” de parto de uma Idade que já começou, que já iniciou astrologicamente em 28.9.2005 e só faltando despertar, florescer, começar a frutificar consciencialmente, o que vai acontecendo aos poucos, quase imperceptivelmente como uma mó triturando os grãos donde sairá a farinha, porque a Evolução jamais cessa.

Portugal é a cabeça da Europa. Segundo as várias cartas anatómicas do continente europeu, Portugal ocupa a cabeça da mesma. Por isso, Portugal reflecte tudo o que há de agradável e de desagradável na Europa. Havendo uma crise europeia, diz-se que a culpa é dos alemães, dos ingleses, etc. Não! A culpa é do Homem que está realmente queimando o Karma Colectivo. Portugal reflecte realmente todos esses anseios e em dobro, os seus e os do continente. A cabeça, o cérebro, por isso está no topo, dirige todo o corpo. Quando o coração morre, pára, o cérebro ainda lateja. Daí falar-se em morte cerebral e em morte cardíaca, posto o cérebro estar acima do coração. O mesmo em relação a Portugal perante a restante Europa.

A Profecia de Sintra proferida nos anos 70 por excelso Ser conhecido entre os homens como Leonel da Silva Neves ou Giulliano di Lorenzo, acaso se inspirando no roteiro ritualístico de chamada Ode ao Som, diz: “Quem nasce em Portugal é por Missão ou Castigo”. Tanto vale por Dharma ou Karma, segundo os sábios hindus. Para a maioria das pessoas que aqui nascem é realmente por castigo, enfim, para queimar o seu karma. Contudo, há outros que nascem com uma missão, e aí a sua finalidade poderá passar por expandir o Portugal do Pensamento no Mundo e deixar boas sementes aos presentes e vindouros.

Este é um país peculiar. É um país que não é de raça definida mesmo sendo de raça definida, isto por se constituir da fusão consanguínea dos principais povos da Antiguidade, acrescentado por outros tantos povos posteriores. Da Antiguidade vieram os fenícios, cartagineses, romanos, gregos, árabes, etc. Posteriormente chegaram os teutónicos, alemães, ingleses, franceses, espanhóis, etc. E todos se foram misturando, amalgamando no que sobressaiu o mais franco e transparente ecletismo. Portugal é uma amálgama racial, um espelho da Humanidade, um espelho do Mundo. Acompanhando a marcha dos ciclos por que se rege a Evolução Universal, Portugal está mudando, está se transformando paulatinamente para que, afinal, nele não mais se nasça por castigo e sim por missão, a da realização interior e colectiva dos Lusos, isto é, dos “Filhos da Luz”.

Até lá, façamos o nosso melhor. Nunca nos esqueçamos que a energia persegue o pensamento. Tentemos transformar este marasmo, esta neurastenia, esta depressão colectiva em que hoje está mergulhado o povo português, em algo de positivo. Educando-o superiormente, elevando-o a uma cultura superior de espírito. Propondo, nunca impondo coisa alguma, sempre propondo. Os meios de comunicação social têm nisto um papel crucial, principalmente os audiovisuais.

Os big brothers, as novelas, os futebóis, o sexualismo, etc., são muito curiosos no convoco das baixas emoções. Acabam sendo o pão dos alucinados. Mas o povo não está destinado a ser alucinado, tão-só tentam aluciná-lo. O povo não está destinado a ser estúpido, tão-só tentam estupidificá-lo.

Então, se se consegue alucinar e estupidificar momentaneamente as pessoas, por que não se conseguirá também transformá-las permanentemente em seres lúcidos e sábios?

Talvez, ou por certo, os alucinados e os estúpidos que não são lúcidos nem sábios sejam os meios de comunicação social. Não os meios de comunicação social em si, mas as grandes empresas directoras dos mesmos ao serviço da Forças da Involução. Nisto se entra nos sectores da contracultura, da contra-civilização, da contra-Iniciação, da contra-Tradição Iniciática das Idades, disposição e intenção característica apanágio satânico da chamada Linha Sinistra, inimiga letal da Humanidade por ser avessa a qualquer sinal de humanidade.

Pois tal como há uma Grande Fraternidade Branca, também há o seu oposto que vai manipulando em sentido contrário as Forças Vivas do Universo. Sendo conscientes disto, não devemos dar força à Linha Negra que vive da nossa ignorância e temor.

Conheci em tempos não muito distantes uns jovens possuídos de crenças satanistas, ou asatânicas assurinas como se diria em termos iniciáticos. Embandeiravam em arco, vestiam de preto, ausência de cor, e brandiam umas espadas de goécia, com os rostos pintados de branco lívido para dar ar cadavérico. Disse-lhes que “isso assusta coisa nenhuma. Vocês têm o valor que eu vos der, e como não vos dou valor nenhum, sois apenas ridículos”. Infinitamente mais ridículos do que as cartas de amor de Fernando Pessoa, porque essas cartas de amor não eram ridículas, eram sentimentos da alma, uma efectiva e duradoura experiência humana.

Adiantei: “Vocês fazendo isso não têm qualquer valor nem força, porque as trevas só possuem o valor e a força que a pessoa lhes dá. Pessoalmente, não lhes atribuo valor nenhum nem lhes dou força alguma, só vos considero pessoas perturbadas fazendo teatrinhos desengonçados”.

Aparte isso, movimentos, pessoas, ideias, ideais como esses de que vimos falando, sempre tendendo ao aprimoramento do carácter e da cultura, ao aperfeiçoamento humano, têm feito evoluir a sociedade no geral. Foram pessoas, como algumas das já citadas, que fizeram com que Portugal chegasse ao presente estado de progresso.

Bem sei que, no mapa da Evolução geral, há o intento de progresso e há a tentativa de recesso, mas eu não acredito em recesso, e queira-se ou não, como dizia Jesus Cristo e repetia Félix Bermudes, “o Homem está condenado a ser Deus”, ou por outra, “Deuses sois e disso vos tendes esquecido”. Note-se bem que não fico de mãos e braços cruzados vendo os cães ladrar enquanto a caravana passa. Foi coisa que nunca fiz, a de cruzar os braços passivo e rendido, porque, em termos maçónicos, nunca apontei canhões à retaguarda.

Penso que o destino de Portugal está relacionado com o Quinto Império do Mundo. Este certamente não é o quinto império segregacionista e xenófobo dos adeptos dum incerto D. Sebastião. Qual quê D. Sebastião! Esse rapaz morreu em Alcácer-Quibir a espadeiradas, aquilo foi uma encarniçada e desgraçada batalha que antes de começar já estava condenada ao fracasso das forças portuguesas. Só sonha o contrário o patrioteiro inflamado que nunca soube o que é estar em palco de guerra. Eu já vi a guerra de perto e sei o que bestialidade humana é capaz de fazer. Portanto, falo com experiência de causa. Sei também que algumas pessoas dizem ele ter escapado vivo e fugido – um rei a fugir para toda a parte menos para o seu reino… – seja para Limoges, seja para Veneza, seja para outros lugares popularizados na literatura-de-cordel baseada em boatos, nunca em factos concretos comprovados ou passíveis de provar. Assim, não passam de crenças baseadas em indícios soltos e em curiosidades fantasiadas da História, este o cimento do “Sebastianismo Vermelho” como o apodou António Sardinha e Alfredo Pimenta.

Contudo, ficou o mito, ficou o símbolo e este símbolo pátrio reverte ao Paracleto, ao Consolador das Nações, como aponta o Apóstolo São João no capítulo XIV do seu Evangelho, e nisso entramos no tema da Parúsia, o do Advento do Cristo Universal sobre a Terra em conformidade à sua Promessa de retorno no final dos Tempos do Ciclo actual, Ele o Maitreya, o Chenrazi, o Vaidorge, o Akdorge, o Miroku, o Sossioh, o Iman Madhi, o Mashiach ou Messias, o Kalki-Avatara, o Encoberto Desejado, enfim, tantos são os seus nomes conforme as tradições religiosas locais, todas apelando e apontando ao Advento do Divino, cuja Era Messiânica ou Avatárica é referida como o “Mundo vindouro”, o “Reino de Deus consumado”.

Cristo será reconhecido pela Humanidade na medida em que a Humanidade primeiro O reconhecer em si. Não há outra maneira de o fazer, senão o da identificação com o Deus Pessoal para se reconhecer e identificar ao Deus Universal.

Este é o sentido básico da metafísica do Sebastianismo, ou antes, da Sebástica Iluminada, porque como disse há um “Sebastianismo Vermelho” que vê sinais apocalípticos augurando bizarros eventos políticos por tudo quanto é sítio, quase sempre racistas, xenófobos e segregacionistas, mas também há o “Sebastianismo Branco”, francamente teosófico, superiormente esclarecido, nunca confundindo a realidade do sentido primaz dos símbolos, sejam nacionalistas ou não, dando à Pátria um sentido transcendente. Como disse, António Sardinha e Alfredo Pimenta definem muito bem esses dois vectores. Com o “Sebastianismo Branco”, teosófico, adentra-se a Sebástica no seu sentido universal, indiscriminador de cores, raças e crenças.

É como no tema da translatio imperii, da trasladação dos impérios, afim ao do Quinto Império do padre António Vieira, ideia que se tornou ideal de vida após as receber de Manasseh Ben Israel, rabi mor da Sinagoga de Amesterdão, que era o seu amigo madeirense Manuel Dias Soeiro (1604-1657). Depois, no século XX, Fernando Pessoa, destacando-se dentre outros, prossegue o ideário de Quinto Império iniciado pelo padre António Vieira, o Paiaçú, “Grande Pai” dos tupis e guaranis da Nova Lusitânia, o Brasil, ao qual Pessoa apodou de “imperador da Língua Portuguesa”.

Mas tal Quinto Império não é o Quinto Império Português. É o Quinto Império de Portugal no Mundo. O Portugal do Verbo, o Portugal da Palavra, o Portugal do Espírito Santo, da Consolação, mais uma vez, do Paracleto. É o Quinto Império que abarca todo o Mundo, sobretudo o de expressão portuguesa, mas que alastra a toda a Humanidade porque, usando as mesmas palavras de Fernando Pessoa, todos os países são divinos, todos os países são sagrados, já que a Humanidade é sagrada e divina, não fosse ela proveniente de uma única Origem.

O Quinto Império é também o quinto estado de consciência no Homem. Temos um estado de consciência física, um estado de consciência vital, um estado de consciência emocional, um estado de consciência mental e agora urge um quinto princípio, uma quinta coisa, uma quintessência, a do estado de consciência espiritual, cujo despertar impele e apela à Concórdia Universal dos povos da Terra inteira, ou como dizia Pinharanda Gomes com muita felicidade, “ao dia em que já não haverão mais preces de súplicas, porque todos cantarão louvores a Deus e os Anjos entrarão em revoada pelos templos destelhados da Natureza”. A própria Natureza é o Mundo, então sob o terno abraço do Divino com o Humano e do Humano com o Divino. Tanto vale pelo despertar da consciência superior no Homem. Esta é a maior Mensagem de Esperança que os Seres Superiores têm trazido à Terra, dando propostas de solução para o magno problema humano, o da sua felicidade.

Trabalhemos para isso. Não fiquemos só pelas depressões, pelos futebóis, pelas paranoias das modas, pelas hipocondrias e neurastenias, pela autocomiseração que se revela como insegurança e derrota pessoais. Levantemo-nos e obremos para mais e melhor, para bem nosso e dos nossos semelhantes em Humanidade. Criemos o Céu na Terra.

Se há gente que sofre? Sim, sempre houve, mas também sempre houveram soluções independentemente das condições interiores e exteriores de cada um e cada qual. Resta as procurar e não render-se às malhas fatais do destino, deixando-se arrastar no limbo do mesmo. Todos têm a possibilidade de transformar o seu destino, ou como diriam os sábios do Oriente, de transformar o karma em dharma, mesmo porque quando os homens fecham a porta Deus abre uma janela, janela de oportunidade. Ainda assim, e também por isto, não posso confiar em pleno conhecimentos de realidades superiores à impuberdade juvenil, que tanto em idade como em convencimento autossuficiente vai dos oito aos oitenta. Por exemplo, como lhes poderei confiar mais do que o limite possível  sabendo que estão na impuberdade psicomental, alguns até na impuberdade física? Sei até onde conseguem ir, e o que tenho de saber é a arte de os acompanhar e direccionar para mais alto, ainda que por enquanto se fiquem pelos interesses e coleccionismos de coisas insólitas, pelo desinteresse em aprofundar indo além do simples maravilhamento, etc. Tudo tem o seu tempo para amadurecer, nada que seja imposto resulta positivo, algo assim como querer que fruta verde seja madura num golpe de mágica. Sim, não se deve impor, tão-só propor. Assim mesmo para o conjunto impúbere da Humanidade tomada individualmente: hoje sou do Benfica, mas amanhã já sou do Sporting e depois do Porto; hoje sou do PSD, mas amanhã já sou do PS e depois do PCP. Hoje sou disto, amanhã sou daquilo e depois de aqueloutro… Isso porque a pessoa titubeia indefinida, não sabe o que quer, anda à procura. Tem de ser de alguma coisa menos dela própria, ausente de razão própria limita-se a imitar o “dono”, seja singular ou colectivo, tem “grilos na cabeça”, problemas psicológicos por resolver quer consigo, quer com o próximo, e não acha soluções porque a sua agitação psicomental e física não conhece a serenidade que o parar para reflectir importa. Como é que a pessoa pode mostrar grandes saberes transcendentes e inéditos além dos conhecimentos decorados por acção mecânica, quando a mente se agita sem cessar? Primeiro devemos tratar da nossa casa antes de pretender tratar da casa dos outros, fazendo isso é praticamente certo que o fenómeno urbano ou suburbano dos gurus autossuficientes terminará de vez. É assim com a Humanidade, e é assim com o povo português. O que, individual e colectivamente, o povo português necessita é tirar os “grilos” da sua alma, da sua cabeça, do seu coração e abraçar aberta e incondicionalmente o seu destino último de povo predestinado. Predestinado a quê? A um laço, a um abraço de Amor e de Sabedoria com toda a Humanidade da qual afinal é espelho.

Pouco tenho a acrescentar a esta entrevista que é quase um codicilo da minha vida, onde deixo tanto por contar. Assim, acrescento só o seguinte como derradeira tentativa aqui de arredo do error e da errância: Neste tempo de pandemia sanitária geradora de pandemónio global, resgate kármico colectivo para o qual tanto avisei e tão censurado fui, nesta hora de cair das máscaras e fingimentos e com isto dos valores do passado agora já podres e gastos, tem-se que Espiritualidade e Política nunca se alhearam uma da outra, sempre foram indissociáveis. Ao longo da História sempre foram eleitos/depostos governos políticos no Mundo por intervenção directa mas encoberta de Ordens Iniciáticas que alavancaram avante a Civilização Humana. Todas as Ordens Iniciáticas e até as religiões confessionais de Tradição, sempre se opuseram à tirania, ao nepotismo, ao racismo, às autocracias, às oligarquias e ditaduras sobre os povos, independentemente dos seus credos, cores e raças. Assim foi e é na Rosacruz, na Maçonaria, na Teosofia e, obviamente, na TEURGIA – a Obra de Deus – levando a teoria à prática e a prática dirigida à praxis da transformação das consciências no inculcar de novos hábitos e costumes afins à verdadeira condição humana de Fraternidade Universal de um e todos no pessoal e colectivo, como a mais importante, crucial e verdadeira revolução de que o Homem carece há tanto tempo. Com isto, realiza-se o Quinto Império, o Quinto Sistema do Deus da Ara de Luz, a Concórdia Universal do Mundo. O resto, resto é: escórias psicofísicas e mentais transbordadas como cegueiras ideológicas retrógradas face à Evolução do momento, levando até a manifestações em palavras e actos de desumanidade irracional, mas que haverá de passar arrastada pela corrente fatal do Oceano da Vida como palha vã. Sursum mens – sursum cordis – sursum voluntatis. Glória a Deus nas Alturas e Pax na Terra aos homens de boa vontade. Tenho dito.

AP – Muito obrigado. Foi uma bela maneira de encerrarmos esta entrevista. Chegámos mesmo ao termo. Muito obrigado Vitor Manuel Adrião, mais uma vez, pela sua disponibilidade e entrega. Foi um prazer.

BIOGRAFIA

Nascido em 26 de Novembro de 1959.

Formado em História e Filosofia, antiga cadeira de Histórico-Filosóficas da F.L.L., dedica-se há mais de 30 anos à investigação histórica na área da simbologia e tradição portuguesa no período medieval, tendo coordenado vários cursos sobre História Sagrada de Portugal e visitas de estudo afins patrocinadas pela Academia de Letras e Artes e a Universidade Lusófona. Estudioso da cultura do Termo ou dos Saloios, dedicou ao tema dezenas de artigos e vários livros publicados, valendo-lhe louvores públicos de várias edilidades municipais, diplomas e a medalha de honra da freguesia de Santo António dos Cavaleiros, por seu contributo à aprovação do seu brasão e bandeira, o que igualmente sucedeu em Loures e Frielas, nesta como interventor e divulgador da cultura folclórica e etnográfica local, tendo recebido vários prémios e menções honrosas.

Animador dos caminhos portugueses para Santiago de Compostela, tem publicados artigos e um livro, “Santiago de Compostela – Mistérios da Rota Portuguesa”, dedicados ao tema, tendo o jornal “La Voz de la Galicia” o entrevistado em 1994 descrevendo-o com palavras elogiosas. Conferencista e escritor, com mais de 2000 palestras feitas, centenas de artigos publicados e 40 livros editados, periodicamente colabora em emissões de rádio e televisão, jornais e revistas nacionais e estrangeiras.

Autor da “História Oculta de Portugal” e da “História Secreta do Brasil”, editadas em São Paulo, a sua prestação cultural ao Brasil valeu-lhe em 2002 receber o título perpétuo da Cadeira Histórica e Cultural, certificando-o Comendador, da Sociedade de Estudos de Problemas Brasileiros. Em 2010 o Grande Oriente do Brasil concedeu-lhe a medalha e o diploma de Mérito de Honra.

Em 1978 fundou a Comunidade Teúrgica Portuguesa em Sagres, Instituição Cultural-Espiritualista que vem dirigindo desde então na linha de pensamento da antiga Sociedade Teosófica Brasileira, mas adaptada à vocação lusíada com pólo fixo em Sintra, serra de cuja História Sagrada também é o primeiro autor português, tendo escrito e publicado os livros “Sintra, Serra Sagrada” e “Quinta da Regaleira – Sintra, História e Tradição”.

Ultimamente tem dirigido um sítio da internet, “Lusophia”, com temas de Portugalidade e Tradição.

OBRAS PUBLICADAS

História e Tradição

Ode a Loures (Monografia Histórica). Edição do Pelouro do Turismo da Câmara Municipal de Loures, 1993.

Rotas de Loures. Edição do Autor subsidiada pelo Município, Loures, 1994.

O Saloio de Loures (Génese e evolução). Edição do Autor, Loures, 1995.

Autores lourenhos. Edição do Autor, Loures, 1995.

Frielas (Memorial Histórico). Edição do Rancho Folclórico e Etnográfico “Os Frieleiros”, Frielas, Loures, 1996.

História Oculta de Portugal. Edição policopiada do autor em 1988; Madras Editora Ltda., São Paulo, Brasil, 2000, 2002.

Introdução à Portugalidade. Edição da Academia de Letras e Artes, Cascais, 2002.

A Ressurreição de Portugal (Ser, Identidade, Pensamento). Edição da Academia de Letras e Artes, Cascais, 2009.

Portugal, Sagrado e Mistério (Memória Histórica). Edição do Autor chancelada pela Academia de Letras e Artes, Lisboa, 2017, 2018.

As Forças Secretas da Civilização. Madras Editora Ltda., São Paulo, Brasil, 2003.

Fernando Pessoa, Hermetismo e Ideal. Edição do Autor por Euedito, Lisboa, 2016.

Portugal Templário (Vida e Obra da Ordem do Templo). Edição do Autor, Lisboa, 1994; Via Occidentalis Editora Lda., Lisboa, 2007; Madras Editora Ltda., São Paulo, Brasil, 2011; Edição do Autor por Euedito, Lisboa, 2020.

Santiago de Compostela (Mistérios da Rota Portuguesa). Edição policopiada do autor em 1995; Editora Dinapress, Lisboa, 2011.

História Secreta do Brasil (Flos Sanctorum Brasiliae). Madras Editora Ltda., São Paulo, Brasil, 2004; Edição do Autor por Euedito, Lisboa, 2017.

Sintra, Serra Sagrada (Capital Espiritual da Europa). Edição policopiada do autor em 1990; Editora Dinapress, Lisboa, 2007.

Sintra Encantada (Deuses e Tradição – Homens e Lenda). Espiral Editora, Lisboa, 2017.

Quinta da Regaleira (A Mansão Filosofal de Sintra). Edição policopiada do autor em 1991; Via Occidentalis Editora Lda., Lisboa, 2007.

Quinta da Regaleira (Sintra, História e Tradição). Editora Dinapress, Lisboa, 2013.

Lisboa Secreta – Capital do Quinto Império. Edição do Autor, Lisboa, 1994; Via Occidentalis Editora Lda., Lisboa, 2007; Edição do Autor por Bubok Publishing S.I., Lisboa, 2012; Nova Vega Lda., Lisboa, 2016, 2017.

Guia de Lisboa Insólita e Secreta, em cinco línguas (português, espanhol, italiano, francês, inglês). Edições Jonglez, Versailles, França, 2010, 2015.

Guia de Lisboa Sagrada e Profana. Edição do Autor por Euedito, Lisboa, 2016.

Teosofia e Tradição

Dogma e Ritual da Igreja e da Maçonaria. Editora Dinapress, Lisboa, 2002.

A Ordem de Mariz (Portugal e o Futuro). Editorial Angelorum Novalis Lda., Carcavelos, 2006.

Ordem de Mariz (Iniciação e Segredo). Edição do Autor por Euedito, Lisboa, 2019, 2020.

Portugal, os Mestres e a Iniciação. Via Occidentalis Editora Lda., Lisboa, 2008.

Terra Nostra (Os Mestres e a Iniciação). Madras Editora Ltda., São Paulo, Brasil, 2013.

Portugal, Dimensão Oculta. Chiado Editora, Lisboa, 2015.

Diálogos Aghartinos, volumes I, II, III. Edições Agartha, Alto Paraíso de Goiás, Brasil, 2008.

Deuses de Agharta (O Mistério do Mundo Subterrâneo). Edição do Autor por Euedito, Lisboa, 2017.

Teosofia e Tarot (Os 22 Arcanos Maiores). Edição do Autor, Lisboa, 1996; Edição do Autor por Euedito, Lisboa, 2015.

Mensagem das Estrelas (Teosofia e Astrologia). Edição do Autor por Euedito, Lisboa, 2017.

Agharta – Geografia da Iniciação. Espiral Editora, Lisboa, 2020.

Cristo, Vida e Mistério. Edição policopiada do autor em 1986; Espiral Editora, Lisboa, 2021.

Traduções

Cartas dos Mahatmas M. e K.H. (do francês), 1999.

Cartas dos Mestres de Sabedoria (do francês), 1999.

Esboços sobre a Iniciação, por René Guénon (do francês), 2000.

Iniciação e Realização Espiritual, por René Guénon (do francês), 2001.

Autoridade Espiritual e Poder Temporal, por René Guénon (do francês), 2001.

Estudos sobre a Franco-Maçonaria e o Companheirismo, por René Guénon (do francês), 2002.

O Rei do Mundo, por René Guénon (do francês), 2018.

O Tibete e a Teosofia, por Mário Roso de Luna (do espanhol), 2018.

Uma Mártir do Século XIX – Helena Petrovna Blavatsky, por Mário Roso de Luna (do espanhol), 2020.

Os Manuscritos Perdidos da Loja Blavatsky (do espanhol), 2020.

Uma Mártir do Século XIX: Helena Petrovna Blavatsky – Por Mário Roso de Luna

20 Domingo Jun 2021

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SINOPSE

“Uma Mártir do Século XIX: Helena Petrovna Blavatsky”, fundadora da Sociedade Teosófica, de Mário Roso de Luna, o gigante da Teosofia Ibérica, é obra indispensável à compreensão da colosso ucraniana que em menos de metade de um século alterou os paradigmas do pensamento humano, abrangendo e indo além de todos os sectores do mesmo, da ciência à religião, à física e à metafísica, do simbolismo arcaico nas civilizações antigas, etc., provocando o assombro e a admiração gerais, inclusive dos que lhe foram abertamente hostis, unanimemente apodando-a de Esfinge, não poucos dando-a como a maior sábia do século XIX.

Mário Roso de Luna descreve de maneira clara a vida de Helena P. Blavastsky, capítulo a capítulo, desde o seu nascimento, juventude, maturidade e velhice até falecer. Fá-lo não só como biógrafo imparcial munido de valiosos documentos, não poucos inéditos aqui revelados, mas também como iniciado oferecendo ao leitor interpretações esotéricas únicas dos acontecimentos mais controversos da vida desta sua Mestra declarada.

A virgindade de Blavatsky, o seu pressuposto filho, os seus casamentos, as acusações contra ela pela Sociedade de Pesquisas Psíquicas, como os assuntos mais controversos da sua vida, são aqui esmiuçados com pormenores que vêm inocentar a infeliz mártir. Mas também se abordam, detalhadamente, as faculdades psicomentais de Blavatsky, o seu reconhecimento pela Maçonaria, as aventuras das suas viagens pela Europa, pela América do Norte e do Sul, pela Ásia, indo do Japão à Índia e daí ao Tibete, onde finalmente pôde conviver em retiros secretos com os Mestres Espirituais do Mundo, dos quais recebeu os conhecimentos superiores necessários para poder executar o ensejo deles: a fundação da Sociedade Teosófica, indo decisivamente ampliar o horizonte mental e espiritual da Humanidade.

Título capital entre as obras esotéricas de maior valor e fama, este agora de Mário Roso de Luna aparece finalmente em língua portuguesa com a firme certeza de ser incontornável a quem queira conhecer o génio de Blavatsky e da colossal obra teosófica que generosamente legou ao Mundo.

ESPIRAL EDITORA

Obra referencial finalmente aparecida na língua portuguesa traduzida e prefaciada por Vitor Manuel Adrião, dada à estampa por Espiral Editora, Lisboa. Para mais informações é favor contactar o senhor Hugo Martins, com página no facebook e e-mail (endereços abaixo), que as disponibilizará a quem solicitar, esteja em Portugal ou noutros países.

hmartins.es@gmail.com

https://www.facebook.com/hugo.martins.186

O Eterno Feminino: Rainha Santa Isabel – Por Vitor Manuel Adrião

11 Sexta-feira Jun 2021

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Eis que aqui estamos, nesta cidade coimbrã aclamadora da sua padroeira Rainha Santa Isabel[1], para esboçar alguns traços hagiográficos da mesma, nisto procurando compor um florigério de rosas e lírios desta humana flor maior que perfumou os séculos XIII-XIV português, dando realeza à santidade do Género Feminino de que ela foi o expoente máximo, orbitando entre a fé declarada e o saber cerrado

“Eterno Feminino”, são estas as últimas palavras de Goethe no segundo Fausto, designando a atracção que guia o desejo do homem no sentido de uma transcendência. No caso, o feminino representa o desejo sublimado. Nesse romance, Margarida ouve-se a si mesma dizer: “Vem, alça o teu voo para as altas Esferas. Se ele adivinhar a tua intenção, te seguirá”. E o coro místico proclama: “O Eterno Feminino nos atrai para o Alto”[2].

A Beatriz de Dante é um exemplo desse papel de guia. Nicolas Berdiaeff, numa das suas proféticas páginas[3], prevê que na sociedade futura “a mulher desempenhará um papel importante… Ela está mais ligada do que o homem à Alma do Mundo, às primeiras forças elementares, e é através da mulher que o homem comunga com essas forças… As mulheres estão predestinadas a ser, como no Evangelho, as portadoras de essências odoríferas… Não será a mulher emancipada nem aquela que se tornar semelhante ao homem a que terá um importante papel a desempenhar no período futuro da História, mas sim o Eterno Feminino”. Pierre Teilhard de Chardin via nessa expressão o próprio significado do Amor, como grande Força Cósmica[4]. A Virgem Maria, Nossa Senhora, é no Cristianismo a encarnação perfeita deste tema, conforme o mesmo Chardin resume: “ O Feminino autêntico e puro é, por excelência, uma Energia luminosa e casta, portadora de coragem, de ideal e de bondade: a bem-aventurada Virgem Maria”. Nisto dispõe-se longe do romantismo de Jules Michelet que abriu uma perspectiva literária profana do Eterno Feminino aos pósteros adeptos do escalpelizar psicanalítico do tema[5], onde prima o conhecer sem saber, o teorético ausente de prática efectiva, portanto, propenso ao equívoco.

Nossa Senhora torna-se a Theotoktôs, a “Toda-Poderosa” com os mesmos atributos da védica Shakti, a que expressa a Força Criadora do Espírito Santo, o Lume Místico do Amor cuja Energia aglutinadora, a Kundalini dos védicos, veio a ter as suas expressões vivas nas chamadas Cortes de Amor indicativas de Iniciação Cavaleiresca, Senhorial, Feminina ou Mariana, tendo a sua correspondente na Iniciação Kshatriya ou Guerreira na antiga Ariavartha, a Índia.

Correlacionando as personagens e elementos da Iniciação Ocidental afim à Oriental, tem-se:

Na poesia islâmica, o Eterno Feminino expressa, pela sedução das suas características predominantes, a Beleza de Deus tomando forma no ‘belo-sexo’, tema registado no salomónico Cântico dos Cânticos.

Se a noção metafísica de Eterno Feminino dispõe a Mulher na cúspide da devoção antes de o Homem, tem-se que no seu sentido primaz o próprio Logos Criador toma forma feminil, como Helena P. Blavatsky descreve em privado a um grupo selecto londrino de estudantes de Teosofia[6]: “Em todas as cosmogonias é a Deusa e as deusas que vêm primeiro, a primeira convertendo-se na Mãe Imaculada da qual procedem todos os deuses. O subjectivo passa a emanar ou cai no objectivo, e converte-se no que chamam a Deusa-Mãe, a que procede o Logos ou Deus Pai, o Imanifestado. Porque o Logos manifestado é outra coisa bastante diferente e é chamado o “Filho” em toda a cosmogonia. [O Imanifestado] é assexual, porém, o Aspecto Feminino é o primeiro que assume [a diferenciação em sexo]. Tomem a Cabala judaica. Têm “Ain-Soph” que também é ELE, o Infinito, o Eterno, o Ilimitado. Os adjectivos usados em conjunção com ELE são negativos de qualquer tipo de atributo. De ELE o negativo, o Zero, 0, procede o número Um, o positivo que é a primeira Sephira ou Coroa. Os talmudistas dizem que é a “Torah”, a Lei, que eles chamam de Esposa de “Ain-Soph”. Agora vejam a Cosmogonia hindu. Ali encontram que Parabrahman não é mencionado e sim somente Mulaprakriti, todavia ali está Parabrahman como ali está Mulaprakriti, que posteriormente é o envoltório, por assim dizer, ou o Aspecto de Parabrahman no Universo invisível. Mulaprakriti significa a “raiz da Matéria”, porém, Parabrahman não pode ser chamado a “raiz”, porque é a raiz sem raiz de tudo o que é. Portanto, devem começar com Mulaprakriti, o “Véu de Brahman” como o chamam. Tomem qualquer cosmogonia no mundo e encontrarão sempre que começa assim; a primeira Manifestação é a Deusa Mãe, o reflexo, a raiz do primeiro Plano da Substância. De, ou melhor, na Deusa Mãe forma-se o Logos imanifestado, seu Filho e Esposo por sua vez, já que a Ele se chama o Pai Oculto; a partir desses Dois tem-se o Logos manifestado o qual é o próprio Filho – o Arquitecto de todo o Universo visível.”

Portanto, tem-se: Pai Imanifestado (Primeiro Logos, Unidade, Mundo das Causas), Mãe Manifestando (Segundo Logos, Polaridade, Mundo das Leis), Filho Manifestado (Terceiro Logos, Multiplicidade, Mundo dos Efeitos), indo corresponder à Trimurti no Oriente e à Trindade no Ocidente.

Muito ao contrário do que se julga, a Mulher teve papel destacado na Idade Média, que não foi um período exclusivamente masculino, patriarcal. No século XII, a vida monástica das mulheres proporcionava uma grande vitalidade intelectual, como o demonstra Hildegarda de Bilgen, cronista religiosa, ou igualmente a contemplativa Juliana de Norwich. No âmbito secular, o papel das mulheres era, sobretudo, o de esposas que colaboravam com os seus maridos ou de viúvas que tinham uma existência mais independente. Essa foi a situação paradigmática da luso-arogonesa Rainha Santa Isabel[7] e também da madrilena Santa Maria de la Cabeza, viúva de Santo Isidro e mãe de Santo Illán. Santa Maria de la Cabeza constituiu o paradigma das mulheres esclarecidas da Idade Média que souberam unir a fé e o saber numa vivência independente, até se sobrepondo à sociedade dos homens que, rendidos, a aclamaram santa[8].

Por outro lado, no período medieval coincidente com a aparição de qualquer Virgem, houve sempre uma reactivação social, artística e cultural no seio da sociedade com a aproximação do Ocidente ao Oriente, assim mesmo provocando uma irrupção do elemento feminino, não só pelo culto mariano ou o fatimida mas também pela forma idealizada de amor cortês, comum à sociedade muçulmana, realidade incontornável marginal às grandes discussões dos escolásticos teorizando sobre a natureza, a carne e o pecado, a alma e a virtude, a castidade moral e a celibatária carnal, nisto podendo ser-se celibatário sem realmente ser casto, tal qual o qualificativo puritano não é sinónimo de pureza, estado que não se obtém por penitências, mortificações e autoflagelações corporais à custa de cilícios, posto o pecado não ter origem física mas psicomental, e por muito que a pessoa se espanque não espantará o desejo do “fruto proibido”, equívoco firmado e tomado ad littera pela doutrina tomista da Igreja, criada pelo dominicano Tomás de Aquino no século XIII, já de si nos antípodas da ordem emitida na própria Escritura Sagrada: “Sede fecundos, multiplicai-vos” (Génesis 9:6)[9], conciliando o espírito fecundo com a matéria fértil, acto afim à natureza própria do Espírito Santo corporificado na Mulher Virgem, a Aether Eternius.

Para o Islão, a virgindade de Deus como Mulher é a Luz inviolada – Mater inviolata da Ladainha mariana[10] – que ilumina os Eleitos; a esse título, é chamada de “Virgem-Mãe” a hora da vida que é a primeira. Mas é também a última. É Ela que abre o caminho da Iluminação e leva a termo o místico caminhar. A Virgem de Luz revela ao Eleito a forma espiritual que nele é o Novo Homem, tornando-se seu Guia e conduzindo-o em direcção às Alturas, à Almudena ou Cidade Celeste, a mesma Jerusalém Celeste como modelo da Terrestre, tal qual o Paraíso Celestial para o Terreal demarcado por alguma terris ou civitas sancta.

É o Espírito Santo como Mulher Celeste quem gera o Varão Terrestre, donde a sua natureza dupla como Sopro e Vida, Alma e Corpo. Desde a primeira hora seria o Orago de Isabel, princesa de Aragão e rainha de Portugal, que a Ele dedicaria a celebração e festa de uma providencial Idade futura, iniciada em terras lusas de Alenquer.

Apesar de não ser consensual por as fontes históricas serem inexactas, a menina predestinada terá nascido em Saragoça no palácio de Aljaferia, no dia 4 de Janeiro de 1271, sendo a primeira filha de Pedro III de Aragão e de Constança de Hohenstaufen, princesa da Sicília, batizada com o nome de Isabel (Elisabeth em catalão, Yzabel em português medieval) na catedral-basílica da Virgem do Pilar (relacionada à lenda jacobeia de Santiago Maior). Terá passado a sua juventude em Barcelona, onde estava instalada a corte da Coroa de Aragão. No entanto, pude confirmar no local que a memória da princesa aragonense mantém-se viva em Saragoça, nomeadamente na igreja consagrada a São Caetano mas conhecida, pelos noivos saragonenses que a preferem às demais para casar, como igreja de Santa Isabel de Portugal, vizinha das calles de Santa Isabel e do Templo, Ordem cuja sede se situava na mesma artéria actual.

Conforme registam unanimemente as crónicas, a menina Isabel terá recebido cuidada e primorosa educação, muito mais numa corte pluricultural como era a de seu pai, tendo revelado inclinação religiosa desde muito cedo, dizendo-se, com contornos de milagre, que nascera envolvida numa pele, uma “película húmida”[11], como prova da sua ligação com o Divino. Resta saber se essa pele era a subplacentária, que a sua mãe terá guardado num relicário de prata, ou a do flagelo (chicote ou cilício), feito de sete cordas para a autoflagelação na reparação espiritual do desagravo físico, no intento de expurgar o “pecado original” da carne, isto é, do sexo, função natural que o confessional abjura, mais por desejo reprimido que por temor assumido. Não creio que a corte esclarecida de Pedro III, onde conviviam sábios judeus, cristãos e árabes, fosse dada a catequeses penitenciais, além de ser absolutamente implausível uma criança, ainda para mais princesa num requintado ambiente cultural onde era desuso as mortificações corporais, autoinfligir-se por motivo de religião, mas para justificar a atitude e comportamento beatíficos ao longo da sua infância, a posterior lenda religiosa realça que já nessa altura rezava muito, jejuava e até se mortificava com cilícios[12].

Isso desconfere com o ambiente da sua meninice. A jovem infanta, nascida bela e curiosa dos saberes dominantes da época, interesse herdado de seu pai Pedro III, patrono das artes e letras, cultor da poesia e da prosa, particularmente favorável à corrente dos trovadores, ele mesmo trovador tendo escrito dois sirventeses, ou seja, poemas satíricos característicos da poesia trovadoresca provençal, a maioria deles críticas políticas como esses dois do monarca aragonês. De sua mãe, Constança de Hohenstaufen, falecida em halo de santidade e elevada a beata da Igreja, herdaria a religiosidade, a moderação, a piedade, o interesse e a dedicação à causa dos desfavorecidos da vida, nisto simpatizando com o ideal de pobreza espiritual dos frades menores de São Francisco, dos quais andou próxima desde cedo[13].

A infanta tivera como confessor frei Pedro da Serra, pertencente à Ordem dos Mercedários do Mosteiro de Santa Eulália de Barcelona. Essa Ordem dos Mercedários ou de Nossa Senhora das Mercês, fora fundada por frei Pedro Nolasco em 10 de Agosto de 1218, na cidade de Barcelona, no principado da Catalunha da Coroa de Aragão, com a missão de resgatar cativos cristãos em terras muçulmanas, especialmente ao longo da fronteira que a Coroa aragonesa compartilhava com o Al-Andalus muçulmano[14].

A infanta tivera como tutor o catalão Arnau de Vilanova ou Arnaldo de Vilanova (Valência, 1240 – Génova, 1311)[15], com cidadania aragonesa, sem dúvida um dos exponentes máximos da cultura espiritual de Aragão. Médico, filósofo e alquimista, exerceu grande influência na Europa do século XIII, dele dizendo Jerónimo Zurita[16]: “Este é aquele famoso doutor e singular médico, e um dos mais excelentes filósofos que houve em seu tempo, grande esquadrinhador dos segredos e maravilhas das influências e operações do Céu”. A princesa depois rainha Isabel teve-o sempre como seu  “mestre” em toda a sua vida, e já em Portugal manteve a correspondência regular com ele, como preciosamente regista Sebastião Antunes Henriques[17].

O primeiro biógrafo de Arnaldo de Vilanova, o francês Symphorien Champier (1471-1539), sustenta que ele manteve contactos com uma confraria de (neo)pitagóricos italianos do século XIV, de difícil comprovação, sendo mais fácil a comprovação da influência do abade cisterciense da Calábria, Joaquim de Flora, no seu pensamento e no dos franciscanos de quem andou próximo, ele já de si pai de uma santa cartuxa, Rosalina Vilanova, a qual aos doze anos de idade operou o milagre de transformar pães em rosas, como fizera antes a tia-avó da rainha Isabel de Portugal, Santa Isabel da Hungria, e depois também realizado por ela.

Arnaldo de Vilanova foi igualmente mestre do franciscano catalão Ramon Llull ou Raimundo Lúlio (1232-33 – 1314), hermetista que não escusou, tal como o seu mestre, a proximidade às culturas espirituais judaica e árabe, dizendo Pedro Rosell, em 1365, um lulista, que a doutrina de Lúlio era a do Espírito Santo que recebera de Vilanova[18]. Portanto, ambos religiosos afins alumiados pela ideia primacial de reunir a Família Humana – judeus, cristãos e árabes – em Perennis Pacis por graça e providência da Terceira Pessoa, influências essas que marcariam o pensamento e determinariam a acção da futura rainha Isabel, que remataria com a oficialização por ela do Império Popular do Divino em Alenquer, Portugal, pela mão espiritual da Ordem Franciscana (fundada em 1215) e a assistência temporal da Ordem de Cristo (criada em 1319).

Arnaldo de Vilanova entrou em conflito com a doutrina tomista dos dominicanos, em sermões ousados provocatórios do clero, o que lhe valeu o cárcere em Paris, corria o ano 1299. Em 1302, remeteu um opúsculo apologético a personalidades destacadas da Igreja rechaçando a catequese dominicana, no que esses reagiram violentamente protestando no conclave de Perúsia em 1304. Interviu no processo régio-papal (Filipe IV de França e Clemente V de Roma, deste de quem ele era amigo pessoal) contra a Ordem dos Templários, e perante a inevitabilidade da sentença já lavrada antes de terminado o julgamento, para evitar mais sofrimentos inúteis aos monges-cavaleiros, mesmo sabendo da inocência deles, advogou a sua extinção por métodos legais e pacíficos. Igualmente interviu como moderador nas dissensões na Ordem Franciscana e entre a Santa Sé e a Coroa da Sicília, procurando conciliá-las, mas nesse último acto diplomático a cúria romana deu-lhe perseguição, obrigando-o a refugiar-se na Sicília. É por essa ocasião que predica e prevê a vinda do Anticristo, e nesse sentido iniciou, a partir de 1287, uma série de viagens para convencer reis e papas de ser mais necessária a reforma eclesiástica do que qualquer cruzada.

Como Filósofo hermético, Arnaldo de Vilanova aprofundou-se na Magia, Astrologia e sobretudo na Alquimia. Dedicou-se à Grande Obra, desenvolveu o conceito dos três princípios alquímicos (enxofre, mercúrio e sal) e foi o primeiro a comparar a crisopeia (transmutação dos metais em ouro) com a vida, a paixão e a ressurreição de Cristo. É nesse simbolismo alquímico que o posterior esoterismo cristão se baseará para as suas exposições herméticas. Empático a Pitágoras, Platão e Aristóteles, escreveu tratados de Alquimia de qualidade superior, nomeadamente os célebres Tesouro dos Tesouros, Rosário dos Filósofos e O Maior de Todos os Segredos, que ficariam para a posteridade.

Comprometido no movimento dos espirituais, na linha messiânica e escatológica da translatio imperii de Joaquim de Flora, apesar das suas exigências de reforma eclesiástica e severas exortações espirituais, Arnaldo de Vilanova nunca caiu na heresia. Motivo da sentença da Junta Teológica de Tarragona que em 1316 ordenou a destruição das suas obras, ter sido considerada desmesurada e anticanónica.

Tal como o seu condiscípulo Raimundo Lúlio, igualmente Arnaldo de Vilanova foi peregrino a Santiago de Compostela, que além de ser caminho penitencial era também e sobretudo rota iniciática para os cultores das ciências herméticas congregadas como Filosofia do Fogo, nisto etimologicamente coadunada ao nome do Apóstolo Santiago Maior, o Boanergus, isto é, “Filho do Trovão, do Fogo”. Assim, tem-se que os adeptos do Hermetismo, mormente os do exercício da Alquimia, são apodados de Philosophorum per Ignium, Filósofos do Fogo. A isto também não foi alheia a Rainha Santa Isabel.

Com efeito, pelas Cartas inéditas publicadas por Sebastião Antunes Henriques fica-se a saber que Jaume ou Jaime II de Aragão informou a sua irmã D. Isabel que Arnaldo de Vilanova iria em peregrinação a Compostela,  agradecendo ela enfaticamente saber do seu mestre. Em 1325, caberia a ela realizar a peregrinação jacobeia, depondo a sua coroa de rainha de Portugal nas mãos do arcebispo da catedral de Compostela, no dia 25 de Julho, recebendo dele o rico bordão de peregrina e a escarcela que a acompanhariam no túmulo[19]. Há ainda uma pressuposta segunda peregrinação, em 1335, de Santa Isabel a Santiago de Compostela, para ganhar o Jubileu. Diz-se que o seu percurso foi profundamente marcado pela humildade, trajando com simplicidade e com um reduzidíssimo número de acompanhantes, levando o seu bordão na mão e farnel às costas como “hua bem pobre romeyra”[20], de que uma canção de menestrel galaico-português dá uma ideia do seu valor singular:

Vai a romeira a Santiago
Dona Isabel de Aragón
Rainha de Portugal.
Em vez de vestes reais,
Traz um hábito de freira
Com os olhos cheios e humilde
Pedindo esmola na estrada.

Acompanhando ideologicamente o seu mestre, Raimundo Lúlio partilhou do ideal de fraternidade entre as três religiões do Livro, chamando-lhes dignitates dei, “dignidades divinas”, como consigna em O Livro do Gentio e dos Três Sábios (1274-1276) e pondo-as em correspondência com a sua hermética Ars generalis ultima ou Ars magna (“Grande Arte”), de 1305. Para a construção dessa última obra serviu-se da literatura de Cabala judaica, nomeadamente do Sepher-Yetzirah, assim como do dispositivo chamado zairja, que combinava ideias por meios mecânicos, utilizado pelos astrólogos e hermetistas árabes. É muito natural que tenha sido assim, pois em Maiorca manteve prolongado convívio íntimo com judeus e muçulmanos, antes de se converter definitivamente ao Cristianismo em 1283, ano em que os apologetas cristãos passaram a estudar em profundidade os textos judaicos e islâmicos. Uma outra das suas preocupações foi a conciliação entre a ética cristã e o ideal cavaleiresco, que o levaria, entre 1279 e 1283, a escrever o Livro da Ordem de Cavalaria, dando feição nova à antiga regra cavaleiresca enriquecida com sucessivas associações simbólicas ao Hermetismo[21], reforma essa adoptada menos pela Ordem dos Templários e mais pela sua sucessora universal portuguesa, a Ordem de Cristo.

Chega o ano de 1282. Em 11 de Fevereiro, no palácio real de Barcelona, Isabel casa por procuração com D. Dinis de Portugal, sem este presente e só os seu delegados, João Velho, João Martins e Vasco Peres. D. Pedro III de Aragão consolidava assim uma importante aliança político-militar com o rei português, não precisando de dispensa pontifícia para a concretização do matrimónio por não existirem laços de consanguinidade entre os noivos, indo o esposório realizar-se de imediato. É ela quem afirma e firma o consentimento de casar, o que desmente ter tido a intenção de guardar a sua virgindade negando-se ao dever conjugal. Não havia colisão entre a sua vocação espiritual e a futura condição esposal. Em seguida, inicia-se a viagem nupcial para Portugal escoltada pelo seu irmão, Infante D. Afonso, deste a Catalunha atá Aragão. Ao chegarem a Castela passou a ser escoltada pelo seu primo D. Sancho, que a conduziu até à fronteira de Bragança onde foi recebida pela comitiva portuguesa, entrando em Portugal por Trancoso onde D. Dinis recebeu a futura esposa, ele com 20 anos de idade e ela tendo completado poucos meses antes os 12 anos. O matrimónio celebrou-se aí em 24 de Junho de 1282. Sendo casamento de interesse político onde as idades dos cônjuges não importavam, assim mesmo aguardou-se a maturidade física de Isabel antes de se entregar no leito ao marido. Tudo isso seria precoce se não fossem mais importantes os deveres de Estado que os deveres conjugais. De maneira que só em 3 de Janeiro de 1290 – então com vinte anos de idade – teve a sua primeira filha D. Constança, e no ano seguinte, em 8 de Fevereiro de 1291, o seu filho D. Afonso[22].

Isabel terá ficado muito agradada com D. Dinis (Lisboa, 9.10.1261 – Santarém, 7.1.1325), homem de artes e letras, um trovador como seu pai, e como este também amigo dos templários, protector dos mesmos das cobiças além-Pirenéus da Coroa de França e do Sólio de Roma, até fundando sobre a Ordem abolida uma nova com os antigos tempreiros. Tudo isso encontrava eco na similar educação esmerada da jovem Infanta de Aragão e Rainha de Portugal.

Dentre as damas de corte que acompanharam a vinda de D. Isabel para Portugal, destaca-se a figura única da sua conselheira e protectora D. Vataça Lascaris (Vatatza Laskarina), Betaça ou Bataça de Vascaris, ou ainda de Ventimiglia (Ventimiglia, c. 1270 – Coimbra, 1336), dama nobre bizantina sua parente afastada e amiga dedicada em toda a sua vida. Neta de Teodoro II Lascaris, imperador de Niceia, era filha da princesa bizantina Eudóxia Laskarina, refugiada na corte de Aragão após a usurpação do trono de Niceia em 1261, e tal como Isabel ambas eram descendentes por via materna do rei André II da Hungria, pai de Santa Isabel da Hungria.

Nos anos de 1288 e 1314, D. Vataça foi agraciada com a comenda de Santiago do Cacém pela Ordem de Santiago, e depois D. Dinis elegeu-a comendadeira e senhora de São Romão de Panóias, vizinha de Ourique, no Baixo Alentejo, onde estabeleceu um pequeno paço[23]. Ofereceu várias relíquias valiosas a igrejas alentejanas, nisso contando-se o seu patrocínio do baixo-relevo em pedra de “Santiago Mata-Mouros”, encomenda da rainha D. Isabel, obra de arte gótica patente na matriz de Santiago do Cacém, as ofertas da relíquia do Santo Lenho e da famosa cabeça-relicário do Papa São Fabião, exposta na Basílica Real de Castro Verde, com função psicopompa entre o mundo dos vivos e o dos mortes com o nome de “saudador”, que um outro menos famoso também existe na igreja de São Romão que pertencera aos seus domínios, na qual estão várias relíquias osteológicas oferecidas pela nobre senhora no século XIV. Há em tudo isso um indisfarçável interesse e talvez prática do Hermetismo por essa aia dedicada da nossa rainha santa, também esta familiar ao providencialismo messiânico, inclusive o judaico.

D. Vataça terá vivido nos seus domínios de Panóias até cerca de 1325 ou 1332, altura em que acompanhou a rainha Santa Isabel quando esta estabeleceu a corte em Coimbra e abraçou a religião das clarissas franciscanas como leiga, acto secundado pela princesa bizantina. Faleceu em 1336 nessa cidade do Mondego e foi sepultada na Sé Velha, em imponente arca tumular decorado com as águias bicéfalas do império bizantino de Lascaris. Estando à esquerda no fundo do templo, é tradicionalmente visitado pelas noivas que nele se casam depositando os seus buquês de flores no túmulo da Noiva de Panóias. Isto por ela ter casado em primeiras núpcias, em 1285, com um nobre português, Martinho Anes de Soverosa, cognominado Tio, último da sua linhagem, que pela sua idade avançada seria estéril, assim não deixando descendência nesse casamento que durou dez anos. Os livros de linhagens deram-lhe a alcunha de peco. As noivas d´hoje certamente não desejarão pecos para elas pelo que recorrem com a oferta das flores nupciais à quase santa D. Vataça.

D. Isabel foi recebida entusiasticamente pela comunidade judaica dos sefarditas de Trancoso, como o seria depois pelos judeus de Alenquer, prevendo-a uma nova Ester das Escrituras Antigas, antevista mater pariturae de uma Idade nova que o Messianismo ibérico há tanto tempo previa[24]. Na literatura messiânica da sua época destacava-se o Sepher-Ha-Bahir, “Livro da Luz ou Iluminação”, com a letra deste sendo ajustada por inteiro ao Espírito sublimado dela, a Rainha da Luz (Bahir) revelada pelo Divino Esplendor (Zohar), no que lhe outorgavam os predicados da própria Shekinah ou “Presença Real de Deus” com o atributo feminino de Gloriam et Pacis, com isso se associando ao simbolismo teológico cristão do Espírito Santo, Orago de Isabel, esta que bem veio a merecer os atributos de “Herdeira Gloriosa” (Morasha) e “Rainha da Paz” (Shalom). Para a realização da sua obra providencial, Yzabel (Ísis…) só poderia contar com a sabedoria e canto de um Orfeu ou Dionysus (Dinis…), e assim foi. Ambos se completaram na Ars Magna de abrir uma Idade nova de Portugal para o Mundo.

Ainda sobre o Sepher-Ha-Bahir, o rabino cabalista do século XIII, Isaac Hakohen, relata que ele “proveio da terra de Israel para os primeiros sábios asquenazes da Alemanha, e daí para os primeiros sábios da Provença, que perseguem todos os tipos de escritos (registos) de sabedoria, e aqueles querendo conhecer o divino, o conhecimento supernal, apenas viram parte do livro e não tudo dele, não o viram na sua totalidade, na sua forma completa”. Com efeito, a obra não é um livro unificado e sim fragmentado, algumas vezes terminando a discussão a meio da frase, frequentemente saltando aleatoriamente de um tópico para outro[25]. Mas isso era propositado, não por a obra estar fragmentada, ao contrário do que se julga.

O texto obrigava à meditação de maneira ao leitor completá-lo por si mesmo, de maneira que desenvolvia a intuitio ou intuição como inteligência divina, acima da própria inteligência racional, nela se contendo a Sabedoria Divina como um dos sete Dons do Espírito Santo revelado no Homem da Idade nova, motivo do título do livro inspirar-se no seu comentário de abertura: “Agora os homens não vêm a Luz (Bahir) brilhante dos Céus (da Consciência Superior)” (Jó 37:21).

Ao contrário do propagado mito apologético do livro provir de Israel no século I d.C., é mais provável ser seu autor o rabino provençal Yitzhak Saggi Nehor, conhecido como Isaac, o Cego (c.1660 – Posquiére, França, 1235), relacionado aos sefarditas d´aquém-Pirenéus, cuja obra é considerada o mais antigo e importante texto cabalístico até à publicação do Sepher-Ha-Zohar (Livro do Esplendor), este do rabino ibérico Moisés de Leão.

A comunidade sefardita lusitana acolheu D. Isabel com encómios gratificantes dispondo-a entre as maiores, senão a maior, da Escritura Velha. Depositou nela as esperanças de fundação futura da Idade florida portadora de maior espiritualidade e humanidade capaz de unir a todos no todo, arquitecta de Civitas Dei agostinha no Mundo. Com ela, rainha piedosa, poderia ser que esta Terra de Luz (Luxcitânia) fosse a tão procurada Terra Prometida do Ocidente. Não poucas alfamas a aclamaram sua dona protectora, a mãe da nova Israel, Ester, em nova feição. Exemplo disso tem-se na Póvoa da Judia, hoje Póvoa da Rainha Santa, Arganil, cuja capela octogonal centralizada é consagrada a ela, que Tomé Nunes, cónego da Sé de Coimbra, mandou construir em 1633, por ocasião do processo preparatório da sua canonização[26].

Os apologistas eclesiásticos igualmente não se escusaram a ver em Isabel a eleita dos Céus. No sermão pregado pelo padre António de Andrada Rego, em Julho de 1727, na igreja do Real Convento de Santa Clara de Coimbra, a figura da rainha Isabel é elevada acima das mais destacadas figuras das Sagradas Escrituras[27]. Para efeito de comparação, o autor cita as rainhas Ester, Abigail e Sabá: “Ainda que Ester tenha sido bela, a Rainha Isabel continua bela depois de morta. Se a beleza de Ester estava na cabeça pela coroa que levava, Isabel é ainda mais bela na cabeça, nos cabelos, nos olhos, nas faces, nos dentes e no pescoço”.

Nisso ia de encontro ao proferido antes, em 1674, pelo padre António Vieira no seu sermão da Rainha Santa Isabel[28]: “A uma Rainha duas vezes coroada, coroada na Terra e coroada no Céu, coroada com uma das coroas que dá a fortuna, e coroada com aquela coroa que é sobre todas as fortunas, se dedica a solenidade deste dia. O mundo a conhece com o nome de Isabel; a nossa Pátria, que não lhe sabe outro nome, a venera com a antonomásia de Rainha Santa. E, se é coisa tão dificultosa ser rei e santo, muito mais dificultoso é ser rainha e santa. No mesmo exemplo o temos. De todos os reis de Israel e Judá, três santos; de todas as rainhas, nenhuma. O que só digo, e diz Deus a todos os reis, é que aprendam a não as perder e se perder, mas a negociar com elas, e que, com o exemplo canonizado de Isabel, Rainha e Santa, entendam que também podem ser santos sem deixar de ser reis e que então serão maiores reis quando forem santos. Assim negociou com as suas duas coroas a nossa negociante do Reino do Céu, agora maior, mais poderosa e mais verdadeira Rainha; assim está reinando e reinará para sempre; assim goza e gozará sem fim os lucros incomparáveis da sua prudente e venturosa negociação: na terra, enquanto durar o mundo, sobre os altares e no Céu, por toda a eternidade em sublime trono de glória”.

Donde se conclui:

Rainha Santa Isabel: Coroa de Glória (Santidade) e Coroa do Mundo (Realeza), expressando a Soberana Universal – Shekinah, Chakravartini, Budhai, Allatah, Senhora do Céu e da Terra.

Rainha Isabel: Coroa Real in caput das primícias de Advento, corporizado nela, abrangendo todo o Portugal como País de Eleição, conforme as palavras providenciais do próprio Cristo revelado a Afonso Henriques aquando do milagre cristológico de Ourique (1139), as quais constituem o codicilo espiritual determinador do futuro português.

Vai nessa direcção o seu milagre das rosas, igualíssimo ao de Santa Isabel da Hungria e de Santa Rosalina Vilanova, sinónimo de abertura de ciclo ecuménico assinalado como Páscoa Rosada, correspondendo ao Pentecostes, aquando o Espírito Santo se revelou em línguas de fogo a Santa Maria e os Apóstolos, conforme a Escritura Nova, cinquenta dias após a Páscoa, indo depois em pastoral a todas as partes do mundo. Esse milagre da transformação dos pães de anjos (caridade) em viçosas rosas vermelhas perfumadas (iluminação), acontecimento maior do florigério miraculoso da Rainha Santa, teve como primeiro e maior noticiador frei Marcos de Lisboa na sua Crónica dos Frades Menores, 1562, e o o seu avô, Jaime I, chama-lhe “Rosa da Casa de Aragão”.

Santa Isabel da Hungria – Milagre das Rosas – Unindo o Norte ao Sul da Europa;

Santa Rosalina Vilanova – Milagre das Rosas – Unindo o Sul da Europa, de França a Aragão;

Santa Isabel de Portugal – Milagre das Rosas – Unindo Aragão a Portugal e este ao Mundo.

A rosa como flor mariana simboliza a Iniciação no Amor, sendo muito significativo que os antigos tratados de Alquimia fossem chamados de Roseirais dos Filósofos e à Igreja de João apelidassem de Roseiral Mariano, expressando o Amor Divino no culto da Sabedoria no Amor, apanágio medieval dos Cavaleiros da Rosa, dos amantes em Cortes de Amor dados ao exercício hermético, a que não escapou a pobreza franciscana tão do agrado da Rainha Santa Isabel, inclusive cingindo nos anos finais da sua vida o cordão monástico das clarissas, pobreza espiritual essa como sinónima de despojamento da condição inferior em prol do desocultamento da superior ou divina na criatura humana. Vai nesse sentido a Promessa de Advento: a celebração do Espírito Humano que é Deus no Homem, sendo o sentido maior da Exaltação da Cruz, a ponto dela ficar despojada de Crucificado evolado aos Céus para depois ressuscitar e revelar no Homem como Cristo Vivo, Vencedor da Morte por Graça do Espírito Santo, esta a mensagem maior pascal.

Também entre os judeus a Festa de Pentecostes ela celebrada cinquenta dias (sete semanas) depois da Páscoa, como uma das quatro celebrações importantes do calendário judaico, sendo primitivamente uma festa agrária dos cananeus. Era conhecida pelos diferentes nomes das Ceifas, das Semanas ou do Dom da Lei, e tanto sefarditas como asquenazes chamavam-lhe Shabüoth, assinalando-a como o final da colheita do trigo, portanto, período de primícias. “A Festa do Divino é um eco das remotas festividades das colheitas”, diz Moisés Espírito Santo[29]. A Rainha Santa Isabel em breve adaptaria, sob evoco do Divino, as primícias da abundância agrária no abundo providencial das primícias espirituais de Advento, pretexto messiânico do Dom da Lei para Judaísmo e Cristianismo se encontrarem.

Em conformidade à doutrina joaquimita constante no Liber Figurarum onde Joaquim de Flora (Gioacchino da Fiore, 1130-37 – 1202) desenvolve o tema “transladação de impérios” (translatio imperii) apresentado como Idades do Pai, do Filho e do Espírito Santo, relacionadas respectivamente a Jerusalém (Judaísmo), a Roma (Cristianismo) e ao Extremo Ocidental da Europa, porventura região portuguesa (Paracleto), a Rainha Santa Isabel e o seu esposo o Rei D. Dinis, ela apoiada pelos frades de menores de São Francisco e ele pela freiria militar da Ordem de Cristo, oficializaram, a partir da capela do Espírito Santo de Alenquer, a Festa Popular do Império do Divino Espírito Santo, como regista D. Rodrigo da Cunha[30], dotando-a com o programa mais singular e piedoso ao par da corografia remetendo para heterodoxas leituras a que beneditinos, clunienses e franciscanos não foram estranhos, sobretudo às ideias gerais do pensamento joaquimita[31].

Joaquim de Flora dividiu a História do Mundo através de cálculos e analogias com acontecimentos narrados no Velho Testamento, cujos correspondentes ele identificava no Novo, em três etapas distintas: 1.ª) Idade do Pai, começando em Adão e acabando em Cristo, cuja história narra o Velho Testamento; 2.ª) Idade do Filho, cujo desenrolar descreve o Novo Testamento; 3.ª) Idade do Espírito Santo, a iniciar depois da derrota do Anti-Cristo e cujo texto sagrado seria o Evangelho Eterno, fusão dos dois textos anteriores, a orientar uma época de fraternidade universal onde judeus, cristãos e árabes viveriam em paz numa atmosfera espiritualizada. A 1.ª Idade iniciara com Adão. Osias fora o anunciador da 2.ª Idade, iniciada com Zacarias, pai de João Batista. São Bento era o precursor da 3.ª Idade. A 1.ª Idade tinha sido a da servidão, a 2.ª da obediência, a 3.ª seria a da liberdade. A 1.ª Idade fora caracterizada pelo temor, a 2.ª pela fé, a 3.ª pela caridade. A 1.ª Idade fora a do casamento (rabinos casados do Velho Testamento), a 2.ª a do sacerdócio, a 3.ª do monaquismo. O Evangelho Eterno seria o Livro de que fala São João no Apocalipse 14:6: “Então vi voando à meia altura um Anjo trazendo o Evangelho Eterno a fim de proclamá-lo aos que habitam a Terra, a toda a nação e tribo, em todas as línguas, para todos os povos”.

Por meio dessa breve síntese é possível avaliar o impacto que terá causado a doutrina providencialista de Joaquim de Flora entre os seus seguidores, aos quais se juntariam os espirituais franciscanos encabeçados São Francisco de Assis (1182-1226), contemporâneo daquele. Essa doutrina rapidamente migrou do sul de Itália, da Sicília para a Provença (aparecendo nos Lais de Amor e no Romance da Rosa, na parte escrita por Jean de Meung), para Aragão (pela acção de Arnaldo de Vilanova e de Raimundo Lúlio) e para Portugal (na pessoa da Rainha Santa Isabel).

Posteriormente, o padre António Vieira, da Companhia de Jesus[32], pela ideia de Parúsia promanada do abade cisterciense calabrês, como se repara quando relaciona o Sebastião rei com o Sebastião santo, aliás, em conformidade ao significado do Veltro na Divina Comédia de Dante. O Veltro, que Papini considera o símbolo do Espírito Santo (Veltro de Dio)[33], tem a sua origem no nome Evangelho Eterno (Vang E Lo e Te Rn O – Veltro) e indica o clero ou o papado, assim como a coroa ou o trono, renovados no Espírito Santo inaugurador de uma Nova Idade de Paz e Liberdade universais.

No Sermão do Esposo da Mãe de Deus, S. José, proferido na Capela Real de Lisboa em 19 de Março de 1642, o padre António Vieira retoma as três Idades do Mundo do esquema joaquimita indo comutá-las e proclamá-las cinco, sendo a última a do V Império Português, conceito que herdaria do messianismo judaico por via do seu amigo radicado em Amesterdão, Menasseh ben Israel, rabi-mor da sinagoga local, ou seja, o madeirense Manuel Dias Soeiro (1604-1657). Os cinco Impérios do esquema de Vieira tiveram inspiração na parte do Velho Testamento que relata o sonho de Nabucodonosor interpretado pelo profeta Daniel, tendo o rei sonhado com uma enorme estátua com cabeça de ouro, o peito e os braços de prata, as ancas de bronze e as pernas metade de ferro e metade de barro, destruída por uma pedra que logo se transformou numa alta montanha enchendo toda a Terra. Daniel, 2:44-45, interpreta: “O Deus do Céu fará aparecer um Reino que jamais será destruído e cuja soberania nunca passará a outro povo. Foi o que pudeste ver na pedra que se desprendeu da montanha sem intervenção de mão alguma, e que reduzia a migalhas o ferro, o bronze, a argila, a prata e o ouro”.

Os Impérios são as Idades ou Yugas, os Ciclos tradicionais da Evolução da Terra e do Homem, que em conformidade ao esquema de Vieira assim dispõem:

Não é consensual a data do começo da Festa do Império na “vila-presépio” de Alenquer. Rodrigues de Azevedo adianta o ano de 1280, baseado numa escritura que consultara na Câmara Municipal de Alenquer[34], enquanto Jaime Cortesão[35], adoptando a sugestão de frei Manuel da Esperança[36] e tendo à vista documentos do Arquivo de Alenquer, afirma ter sido o Mosteiro de São Francisco desta mesma vila o palco da sua primeira realização em 1323. A ser verdade, essa última data acaso viria na continuidade de D. Isabel de Araújo, em Alenquer no dia de Pentecostes de 1296, ter convocado o clero, a nobreza e o povo para tomar parte nas solenidades religiosas de inauguração da Confraria ou Casa do Espírito Santo, a que chamaram Império[37].

Mas deve-se à Rainha Santa Isabel a oficialização da Festa do Divino, e no sentido de religião nacional do Advento, expressa pelo exercício da Folia ou Império, obviamente só podia ter na Terra por modelo paradigmático da Jerusalém Celeste um lugar que unisse os dois pólos do Mundo, e esse lugar escolhido foi precisamente Alenquer, de quem já escrevi[38]: “Mas Alenquer significa também, etimologicamente, além e quer, ker ou kar, em celta, “pedra”, isto é, Pedra do Além (sugerindo a do sonho de Nabucodonosor), Pedra Divina, o mesmo que Lusa, a mesma onde Jacob recostou a cabeça, adormeceu e sonhou com a Escada do Céu, tendo sido o nome primitivo da Belém hebraica onde nasceu o Cristo incarnando o Espírito Santo na sua elevada expressão solar, enquanto a Lua, a Mãe, ficaria assinalada em (Santa Quitéria de) Meca, complemento de Alenquer donde dista escassos quilómetros. Não terá sido por acaso que a Rainha Santa Isabel, à dianteira dos franciscanos, escolheu para inaugurar a Festa Popular do Divino Espírito Santo precisamente Alenquer com Meca à vista, representativos do Ocidente e Oriente do Mundo. Enfim, coisas de história que a História vela”… como essa da mártir bracarense Quitéria (século II) remeter para o sentido islâmico de Khalwâ, “retiro” espiritual.

Desde a morte de D. Dinis em 7 de Janeiro de 1325 que D. Isabel vivia como religiosa sem votos no Mosteiro de Santa Clara de Coimbra, onde passava a maior parte do tempo, delegando as funções de Estado no seu filho, o rei D. Afonso IV. Entretanto deslocara-se para os paços do castelo de Estremoz já tocada pela lepra, contagiada por algum desses inúmeros agafados a quem tão corajosamente prestava os caritativos cuidados.

Desde há muito a rainha vinha cuidando da sua morte, como é notório nas suas declarações num primeiro testamento lavrado em 1314, onde declara pretender ser sepultada no Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, Casa-Mãe dos bernardos em Portugal, ou em São Dinis de Odivelas, em túmulo junto ao do seu esposo que aí jaze, também em casa bernarda. Mas em 2 de Janeiro de 1325 lavrou um segundo testamento, revogando o primeiro. Nele afirma querer ser sepultada amortalhada no Mosteiro de Santa Clara (a Velha, ou a primitiva Casa das franciscanas) de Coimbra, ficando o seu corpo finado à guarda da abadessa. Para o efeito, mandou lavrar em pedra de Ançã o seu túmulo que aí ficaria e é um dos mais belos exemplares do imobiliário funerário gótica que existem em Portugal. Deverá ter sido construído entre 1329 e 1330, pois aquando da sagração da igreja do mosteiro (8 de Julho de 1330), o túmulo já estava feito e colocado no lugar escolhido.

Enquanto isso, ela deslocou-se para o paço do castelo de Estremoz. Em 4 de Julho de 1336 (quinta-feira), após assistir à missa, comungar e cear com a nora D. Beatriz e os netos D. Pedro e a infanta D. Leonor, a rainha recolheu-se aos seus aposentos (que mais tarde D. Luísa de Gusmão, mãe de D. Afonso VI, converteria em capela da rainha santa Isabel) e, no maior dos silêncios e sublimidade em Deus, finou-se[39].

O corpo da rainha foi convenientemente tratado com ervas aromáticas, vestido com o hábito de clarissa, envolto num sudário de linho muito fino e sobre este uma colcha grossa. Esta foi envolta em pano de linho grosso, cozido com uma agulha, e sobre ele num outro de algodão, de modo a todo o volume ficar bem fechado, evitando que a lepra alastrasse. Sobre esse volume colocou-se uma colcha de algodão branca e grossa, sendo o corpo metido num caixão rectangular de madeira hermeticamente fechado e envolvido em pele de boi com o pêlo voltado para fora. Finalmente, foi coberto com um pano de púrpura cuidadosamente repregado[40].

Em 5 de Julho (sexta-feira), iniciou-se a viagem para Coimbra sob um calor abrasador, integrando o cortejo fúnebre muitos cavaleiros, damas de corte e prelados, dentre eles o bispo de Lamego, D. Frei Salvador. Apesar do receio das tábuas do ataúde se despregarem e ter começado a correr líquido do seu interior, sinal do corpo estar entrando em decomposição, a verdade é que dele exalava um agradável cheiro de santidade sem o corpo mostrar sinal de corrupção, o que foi tomado como milagre.

Em 11 de Julho, ao princípio da tarde e após sete dias de viagem, o cortejo fúnebre chegou a Coimbra, entrando o corpo na igreja do Mosteiro de Santa Clara ao som das harmonias plangentes das clarissas, dos lamentos e lágrimas do povo coimbrão, e no dia seguinte é deposto seu túmulo[41]. Se grande foi o florigério dos seus milagres em vida, ele não findou com a sua morte e prossegue até hoje, desde esta cidade do Mondego para todas as partes onde haja devocional isabelino[42], pelo que em 25 de Fevereiro de 1755 a Câmara Municipal de Coimbra elegeu a “Rainha Santa Isabel Padroeira da Cidade”, cujo feriado municipal coincide com o dia do seu finamento (4 de Julho).

Aclamada Rainha Santa ainda em vida, muito mais depois de morta, com o povo venerando os seus despojos mortais, prestando-lhe culto, atribuindo-lhe favorecimentos e milagres, sempre com fama crescente, a abertura do seu processo de canonização foi quase imediato à sua morte[43]. Isso levou D Manuel I a envidar esforços junto da Santa Sé para conseguir a sua beatificação, ou seja, o seu reconhecimento de alma pura que está no Paraíso Celeste em estado de beatitude, com poder de interceder por quem a ela recorre na prece. Assim, foi beatificada em 15 de Abril de 1516 pelo Papa Leão X, mas nesse Breve de Beatificação designou-a por Branca invés de Isabel. O lapso levou a que, em 1545, o bispo de Coimbra, João Soares, considerasse o seu culto ilegítimo. Se foi lapso por descuido ou intencional, desconheço, mas sabe-se das proximidades da Rainha Santa ao culto do Divino também chamado de Branco pelos elementos heterodoxos que o preenchem, mais ainda com o acréscimo da corte de seu pai ter acolhido vários “hereges” cátaros ou “puros” (brancos) vindos do Sul de França aí se refugiando, acabando por diluir-se na sociedade religiosa e laica da época, ademais sem a aprovação dos cistercienses e franciscanos nunca os tendo  reconhecido canonicamente (São Bernardo, São Francisco e Santo António predicaram a seu desfavor em terras occitanas) senão como movimento religioso pietista colado e aproveitado por aquele político independentista dos condes do Languedoque (Occitânia), sobre o qual a poderosa Aragão possuía o senhorio. Seja como for, o considerando do controverso bispo de Coimbra não teve resultados práticos, foi ignorado por todas as classes, desde religiosos e nobre até ao imenso povo simples que acorriam à Santa Clara-a-Velha, tanto que a Festa da Bem-Aventurada Rainha Santa Isabel, desde 4 de Julho de 1517 quando se celebrou pela primeira vez em Coimbra, nunca sofreu interrupções.

Para corrigir o erro no breve pontifício D. João III, sucedendo a D. Manuel I, solicitou ao Papa Júlio III, em 1550, a sua correcção e a extensão do culto isabelino à capela real, uma vez que a beatificação reconhecida no tempo do seu antecessor circunscrevia o seu culto solene à diocese de Coimbra. O Papa deferiu o pedido do monarca português, que em 21 de Janeiro de 1556 solicitaria e obteria de Paulo IV a extensão do culto a todo o reino[44]. Após D. João III, os esforços de canonização de D. Isabel foram prosseguidos por D. Sebastião e interrompidos pelo seu desaparecimento abrupto no desastre militar português em Alcácer-Quibir.

A canonização ou subida aos altares de santidade de D. Isabel só aconteceria em pleno domínio filipino que entretanto ocupara Portugal. Filipe II iniciou esse processo de canonização em 1611, e no prosseguimento, em 26 de Março de 1612, procedeu-se à abertura do túmulo, declarando quem viu que o corpo se achava inteiro e incorrupto[45].  Por fim, Filipe II obteve do Papa Urbano VIII, em 25 de Maio de 1625, a santificação e eleição da Rainha Santa Isabel como Padroeira de Portugal. Mas havia uma intenção escondida: a de num golpe astuto de royal politique levar o próprio Papado a reconhecer e legitimar a soberania de Espanha sobre Portugal, que nisso até a sua padroeira nascera espanhola.

Foi essa a razão do Rei D. João V ter solicitado ao Papa Benedito ou Bento XIV a confirmação da canonização de Rainha Santa Isabel de Portugal, pelo que foi expedida a bula Rationi congruit, de 28 de Abril de 1742, declarando a canonização de Isabel. Tratou-se da resposta política a Filipe II: o Rei português ficaria com a última palavra, Isabel era Rainha de Portugal e só Infanta de Aragão.

Assim ficou até hoje.

NOTAS

[1] Conferência do autor no Recordatório Rainha Santa Isabel, Coimbra, 24 de Novembro de 2018.

[2] Johann Wolfgang Von Goethe, Fausto: Tragédia de Goethe. Tradução de Agostinho d´Ornellas. Typographia Franco-Portugueza, Lisboa, 1867.

[3] Nicolas Berdiaeff, La doctrine de la Sophia et de l´Androgyne. Jacob Böhme et les courants sophiologiques russes, t. I, pp. 29-45. In Jacob Böehme, Mysterium Magnum. Tradução francesa de N. Berdiaeff. Aubier Montaigne, Paris, 1945.

[4] Pierre Teilhard de Chardin, Le Coueur de la Matière. Collection Oeuvres de Teilhard de Chardin, n.º 13. Éditions du Seuil, Paris, 1976.

[5] Jules Michelet (1798-1874), A Mulher. Martins Fontes, São Paulo, 1995.

[6] Helena P. Blavatsky, Os manuscritos perdidos da Loja Blavatsky (1889-1891). Tradução espanhola de Vitor M. Adrião, Lisboa, 2020.

[7] Teresinha Maria Duarte, Santa Isabel Rainha de Portugal: modelo de santidade feminina e leiga. OPSIS – Revista do NIESC, Universidade de Brasília, vol. 6, 2006.

[8] Vitor Manuel Adrião, Madrid Insólita y Secreta. Éditons Jonglez, Versailles, 2011.

[9] Adolphe Tanquerey, Compêndio de Teologia Ascética y Mística. Ediciones Palabra, Madrid, 1990.

[10] Mário Martins, Ladainhas de Nossa Senhora em Portugal (Idade-Média e séc. XVI). Revista “Lusitânia Sacra”, Centro de Estudos de História Eclesiástica, tomo V, pp. 121-220, Lisboa, 1960/61.

[11] Vitorino Nemésio, Isabel de Aragão Rainha Santa, Obras Completas, vol. X. Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, 2002.

[12] Joana Ramôa, Isabel de Aragão, rainha e santa de Portugal: o seu jacente medieval como imagem excelsa de santidade. “Cultura – Revista de História e Teoria das Ideias”, vol. 27, pp. 63-81. Lisboa, 1 de Junho de 2010.

[13] Helena Costa Toipa, A linhagem da Rainha Santa Isabel segundo ‘De Vita et Moribus Beatae Elisabethae Lusitaniae Reginae’ de Pedro João Perpinhão. Revista Humanitas, vol. LXVI, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014.

[14] James William Brodman, Ransoming Captives in Crusader Spain – The Order of Merced on the Christian-Islamic frontier. University of Pennsylvania Press, U.S.A, 1986.

[15] Marcelino Menéndez Pelayo, Historia de los heterodoxos españoles. Editorial Católica, Madrid, 1967.

[16] Jerónimo Zurita (historiador e cronista, Saragoça, 4.12.1512 – Saragoça, 3.11.1580), Anales de Aragón, escritos entre os anos 1562 e 1580, livro V, capítulo LXXXII. Edição de Ángel Canellas López em 8 volumes, Instituição “Fernando, o Católico”, Saragoça, 1967-1977.

[17] Sebastião Antunes Henriques, Rainha Santa – Cartas inéditas e outros documentos. Coimbra Editora, Coimbra, 1958.

[18] Conde de Moucheron, Isabel de Aragão. Edições Ésquilo, Lisboa, Abril de 2008.

[19] A peregrinação de D. Isabel é relatada pormenorizadamente pelo seu primeiro biógrafo, o autor do texto anónimo do século XIV, Livro que fala da boa vida que fez a Raynha de Portugal, Dona Isabel e seus bons feitos e milagres em sa vida e depois da morte. Foi publicado no século XVII por Fr. Francisco Brandão, na Monarquia Lusitana, Parte VI (1672), com o título Relaçam da vida gloriosa de Santa Isabel, Rainha de Portugal, transladada de um livro escrito de mão, que está no convento de Santa Clara de Coimbra. A partir desta edição e com consulta de uma cópia manuscrita existente no Museu Machado de Castro, em Coimbra, J.J. Nunes publicou em 1921 o texto “reconstruído”, no Boletim de Letras da Academia das Ciências de Lisboa, com o título Vida e Milagres de Dona Isabel, Rainha de Portugal.

[20] Vitor Manuel Adrião, Santiago de Compostela – Mistérios da Rota Portuguesa. Livros Dinapress, Lisboa, 2011.

[21] Ramon Llull, Livro da Ordem de Cavalaria. Editora Assírio & Alvim, Lisboa, 1992.

[22] Maria Filomena Andrade, Isabel de Aragão, Rainha Santa, Mãe Exemplar. Temas e Debates, Lisboa, 2014.

[23] Maria Helena da Cruz Coelho e Leontina Ventura, Os bens de Vataça. Visibilidade de uma existência. Revista da História das Ideias, 9, O Sagrado e o Profano. Instituto de História e Teoria das Ideias – Faculdade de Letras, Coimbra, 1987.

[24] Marcos Silva e Ísis Carolina Garcia Bispo, Os arcanos profundos do Criptojudaísmo – O papel da Cabala na resistência cultural dos Sefarditas à perseguição inquisitorial. Editora da Universidade Federal de Sergipe, Brasil, 2015.

[25] Rabi Nehunia Ben Hakaná, Sepher ha-bahir – El libro de la claridad. Editora Obelisco, Barcelona, 2012.

[26] António Nogueira Gonçalves, A capela de Santa Isabel na freguesia de Pombeiro, in Comarca de Arganil. Arganil, 1948.

[27] P.e António de Andrada Rego, Sermaõ da Raynha S. Izabel, sexta de Portugal, pregado em a Igreja do Real Convento de Santa Clara de Coimbra: assistido em Prestito a Universidade em 4 de Iulho de 1727, pelo D. António de Andrade Rego, Reytor, & Collegial, que foi do Collegio Real de S. Paulo, Lente da Cadeira de Decreto, Conego Doutoral da Sé de Faro, Dezembargador dos Aggravos da Casa da Supplicaçao, & Comissario das obras Reais do mesmo Convento. Coimbra, Officina do Real Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1727.

[28] P.e António Vieira, Sermão da Rainha Santa Isabel, pregado em Roma na Igreja dos Portugueses no ano de 1674. In Sermões, II, 8, Lisboa, 1682.

[29] Moisés Espírito Santo, Origens Orientais da Religião Popular Portuguesa. Assírio & Alvim, Lisboa, 1998.

[30] D. Rodrigo da Cunha, História Eclesiástica da Igreja de Lisboa, fl. 122. Lisboa, 1642.

[31] Francesco Russo, Gioacchino da Fiore e le fundazione florensi in Calabria. Nápoles, 1958.

[32] Marjorie Reeves, The Abbot Joachim and the Society of Jesus. In Medieval and Renaissance Studies, 5, pp. 163-181, Oxford, 1961.

[33] Giovanni Papini, Dante Vivo, pp. 280-297. Mac Milan, New York, 1935.

[34] Álvaro Rodrigues de Azevedo, Benavente. Estudo Histórico-Descritivo, 1926 (1924). Minerva Lisbonense, Lisboa.

[35] Jaime Cortesão, História dos Descobrimentos Portugueses, I. Lisboa, 1979.

[36] Fr. Manuel da Esperança, História Seráfica dos Frades Menores de S. Francisco na Província de Portugal, I. Lisboa, 1656.

[37] Rogério de Figueiroa Rego, A Casa do Espírito Santo em Alenquer – relação de alguns confrades. Estremadura, Boletim da Junta de Província, Série II, N.º X, pp. 355-365, 1945.

[38] Vitor Manuel Adrião, Estremadura, o Extremo Ibérico. Revista “Cidades”, Ano II, N.º 4, 1988.

[39] Livro que fala da boa vida que fez a Rainha de Portugal. I Dona Isabel & de seus beons feitos & milagres em sa vida & depois da morte, de autor anónimo. Esta biografia redigida em português, vulgarmente conhecida pela designação de Lenda da Rainha Santa, foi publicada por frei Francisco Brandão em apêndice à parte no volume VI da Monarquia Lusitana, na primeira edição de 1672, com o seguinte título: Relaçam da Vida da Gloriosa / Santa If abel Rainha de Portugal, tresladada de hum li-uro ef crito de maõ, que ef ta no Conuento de S. Clara de / Coimbra.

[40] José Crespo, Santa Isabel na doença e na morte, 2.ª edição. Coimbra Editora, Coimbra, 1972.

[41] Posteriormente, devido às enchentes no rio Mondego inundando o mosteiro velho, construiu-se um novo mosteiro de franciscanas, Santa Clara-a-Nova, sendo trasladados para uma capela provisória aí os restos mortais da Rainha Santa, em 29 de Outubro de 1677, onde permanecem até hoje.

[42] António de Vasconcelos, A evolução do culto a Dona Isabel de Aragão (a Rainha Santa), 2 vols. em edição facsimilada (1891-1894). Arquivo da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1993.

[43] Giulia Rossi Vairo, Le origini del processo di canonizzazione di Isabella d´Aragona, Rainha Santa de Portugal, in un atto notarile del 27 Luglio 1336. “Collectanea Franciscana”, 74, pp. 147-193, Roma, 2004.

[44] A. S. Pinto, Cronologia da Rainha Santa Isabel. Separata do Arquivo Coimbrão, vol. XXVI. Coimbra. Câmara Municipal de Coimbra, 1973.

[45] António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, Primeira abertura do túmulo de D. Isabel de Aragão (a Rainha Santa). Instituto, 39, 11, pp. 841-852, Coimbra, 1891.

Corte de Amor na Cardiga – Por Vitor Manuel Adrião

18 Terça-feira Maio 2021

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≈ Comentários Desativados em Corte de Amor na Cardiga – Por Vitor Manuel Adrião

No Foral de Tomar de 1162, D. Gualdim Pais, Mestre Geral da Ordem do Templo, reflecte a preocupação em centrar a primitiva Tomaris como núcleo defensivo do caminho do Sul entre Coimbra – as finis Galiciae, onde então residia a corte de D. Afonso Henriques nesse extremo do Condado Portucalense – e Santarém, incluindo a via fluvial Zêzere-Tejo, sobretudo este, e para tanto ordenou a construção de uma série de atalaias ou postos avançados no território conquistado ao agareno que, num contra-ataque, poderia ir querer reconquistá-lo. Tais atalaias, segundo o mesmo Foral, eram da responsabilidade dos freires-militares do Templo, incluindo não só o castelo e a área conventual, a alcáçova, mas também a área residencial urbana, a almedina, tendo-se notícias documentais disso desde muito cedo[1], a partir dessa escritura de 1162, como regista Manuel Conde[2].

A partir de Setembro de 1169, D. Afonso Henriques, face à crescente ameaça representada pelas forças almohadas, e a fim de incentivar a empresa da Reconquista e do povoamento, fez doação à Ordem do Templo da terça parte de todas as terras que a Milícia viesse a conquistar além-Tejo, com a condição dos seus rendimentos serem aplicados no serviço de Deus e do Rei. No mês seguinte, em 7 de Outubro de 1169, D. Afonso Henriques doou ao Templo os castelos e seus termos de Ozêzar (Zêzere), actual concelho de Vila Nova da Barquinha, e da Cardiga, actual concelho da Golegã[3]. Conforme pode ler-se nas inscrições lapidares, datadas de 1171, nos castelos templários de Pombal e de Almourol, D. Gualdim Pais foi o responsável pela construção do castelo da Cardiga[4]. Deste, hoje sobrevive apenas o torreão de planta rectangular e paramentos aprumados, em alvenaria de pedra, rasgados por seteiras, inicialmente com três pisos sobradados, conforme é descrita no Tombo de Tomar de 1504, assim o elevando a torre ameada. Desses três pisos apenas o primeiro terá sido construção templária, por se saber que D. Dinis mandou acrescentar um segundo e D. João III ou o seu irmão D. Luís, o restante. Ele é quanto resta da época dos templários.

O castelo seria térreo com pequena torre de vigia, não muito elevada, assente em terra chã com o Rio Tejo mais adiante que não chegava a ele. Era, pois, uma atalaia com guarnição razoável dominando os Campos da Cardiga escassos quilómetros adiante da poderosa fortaleza da ilhota de Almourol, que até hoje é símbolo do poder e independência nacional. A vasta área da Cardiga veio a ser povoada por populações cristãs emigrantes de francos e flamengos, também de outras nacionalidades, chegadas aqui ainda em tempo de D. Afonso Henriques, mas cujo maior fluxo migratório foi sobretudo no tempo do seu filho D. Sancho I, o Povoador, as quais cedo se dedicaram à agropecuária e à vinicultura, nisto sendo a génese do povoamento da actual Quinta da Cardiga.

A tão falada Açafa ou território de Além-Tejo (Alentejo) e Riba-Tejo (Ribatejo), praticamente a partir das Portas de Rodão, foi território dominado pela Ordem do Templo desde que em 1169 D. Afonso Henriques lhe dou todas as terras na margem direita do Tejo, logicamente incluindo a Cardiga, e é nesta parte do país que hoje se tem o maior registo patrimonial da presença templária, tanto no cultual ou religioso como no socioeconómico e sobretudo militar, a ponto do polígono militar de Tancos não deixar de ser ser uma continuação viva da presença dos antigos e poderosos militares do Templo, seguidos da Ordem de Cristo, nesta zona nevrálgica e estratégica do país.

Os templários além de militares eram monges, já foi dito, possuíam Regra e Estatuto. Foram também promotores de riqueza e desenvolvimento económico-social, como particularmente se registou na Quinta da Cardiga, e talvez mais que tudo boa porção deles, sem fugir à ortodoxia da religião, mais ilustrados no saber e na espiritualidade, abraçou a heterodoxia dos conhecimentos herméticos que colaria ao regular da fé, dest´arte conhecendo “o espírito que vivifica ou ilumina sob a letra que esconde”, ou seja, sendo confessionais na aparência piedosa da catequese, igualmente apostolavam o nócio mistérico dos saberes gnósticos e gimnosofistas que haviam procurado e abraçado no Ultramar, mais que tudo na Síria e na Jordânia onde conviveram tanto com os assacis como com os mandeus, trazendo-os para o continente vindo influenciar a outros afins, cujo registo ficaria para sempre lapidado em vários monumentos e assinalado em diversos documentos[5].

Isso colava ao sentido místico e providencial dado a Portugal desde a primeira hora por D. Afonso Henriques, cedo tornando-o o primeiro país europeu com fronteiras definidas, ora o apodando de Porto-Graal nos seus sinais rodados, ora justificando a prerrogativa naquele que é o verdadeiro codicilo espiritual de Portugal relativo ao Milagre de Ourique dado à estampa pela primeira vez por Pedro de Mariz, em 1597, nos seus Diálogos de Vária História, narrativa que frei Bernardo de Brito viria a inserir na Crónica de Cister, livro III, capítulo II, Alcobaça, 1602, posteriormente reproduzida por frei António Brandão na Monarquia Lusitana, Parte III, livro X, capítulo V, Lisboa, 1632. Nesse codicilo lavrado após a vitória das Armas Portuguesas na batalha de Ourique, onde a presença templária dominou com a graça de Cristo revelado ao que seria o nosso primeiro rei, resume-se:

Por essa altura do pelágio templário em terras de Açafa, D. Afonso Henrique lavra a carta de doação à Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Jerusalém do castelo de Cera em lugar das igrejas de Santarém, exceptuando a de Santiago que continuaria a pertencer-lhe, na qual aparece o famoso sinal rodado afonsino. O documento, depositado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo (gaveta 7, maço 3), figura na Monumenta Henricina indicando a doação ao Templo do castelo de Cera ou Ceras, englobando as terras que iam até Tomar e esta. Essa carta, lavrada em Fevereiro de 1159, dentro da política de concórdia com arbítrio papal (Adriano IV, expedindo a bula Justis potentium sideriis), terá servido, segundo o professor Luís de Albuquerque, para doar a mesma Tomaris à Ordem do Templo, aí instalando a sua Casa-Mãe em seguimento a Cera, Ceras ou Cellas. Tal sinal rodado afonsino, feito de maneira gemátrica conformada á cultura hermética do tempo, aparece ainda em várias outras cartas de doação e/ou de aforamento real, como sucede nas de Sintra e do Reguengo de Colares, por exemplo. Ele possui três leituras interrelacionadas apesar de distintas: hermética, teológica e nobiliárquica/militar. Em 1990 identifiquei essa carta de Ceras como a da doação de Tomar aos templários, e agora deixo clareado o por que. Abrange todo o espaço primitivo do concelho tomarense, Ceras e Tomar incluídos. Assim, o documento é sobretudo carta de doação concelhia perpassando a mingueza geográfica de um castelo e terras arredor do mesmo, antes indo mais além dele, ficando a poderosa Santarém sob o domínio militar-económico, também pastoral da religião, da Ordem Religiosa e Militar de Santiago. Nesse acto de fina diplomacia geopolítica, Afonso I evitou conflitos entre espatários e templários e ao mesmo tempo vedou as ambições diocesanas do Cabido de Lisboa, então encabeçado por um bispo inglês, Gilbert of Hastings, pondo essas terras ricas na posse do Exército que delas se ocupou demográfica, política, económica e religiosamente, porque além de serem militares eram religiosos com votos contraídos.

O facto da Ordem do Templo não ceder a igreja de Santiago de Santarém e os seus bens móveis e imóveis aos espatários, é sinal de reivindicar para ela a exclusividade da cristianização do território conquistado e a sua promoção pelas antigas vias romanas desde os finais do século VIII convertidas em caminhos de peregrinação a Santiago de Compostela, na Galiza que nos evos de D. Afonso VI de Leão eram terras portucalenses oferecidas ao conde D. Henrique de Borgonha, pai de D. Afonso Henriques, oferta depois retirada por D. Afonso VII, motivo das inúmeras guerras de Afonso I de Portugal com Leão e Castela e a sua penetração militar em território galaico com a intenção de reconquista[6]. A Ordem do Templários era secundada pela Ordem dos Espatários, motivo de se observar em igrejas santiaguistas a Cruz do Templo ornando o topo das mesmas, como acontece na igreja de São Tiago em Coimbra, por exemplo.

O Caminho Português de Santiago – igualmente os de outras partes europeias – constituía-se numa dicotomia confessional e mistérica. Se por um lado era caminho de penitência a que os culpados eram condenados, por outro era via de iniciação nos saberes ocultados na Natureza e nas coisas dispostas ao longo do caminho santiaguista. Foi assim que Raimundo Lúlio e Arnaldo de Vilanova, por exemplo, o entenderam, como por certo os mais doutos da Ordem do Templo, decerto conhecedores da literatura hermética judaica que guiaria o seu pensamento gnóstico, desde a Coroa de Realeza (Kether-Malkuth) de Avicebrão Ibne Gabirol (c. 1020-1058), ao Livro da Sabedoria de Moisés Maimónides (1135-1204), até ao primeiro texto de Cabala no século XII, o Livro da Claridade (Sepher Ha-Bahir), a que se juntariam o Livro da Criação (Sepher Yetzirah) e o Livro do Esplendor (Sepher Ha-Zohar), este já do século XIII, dentre outros, sem esquecer os apologéticos romancescos do ciclo do Graal que aparelhavam com a literatura hermética islâmica cultora do Amor, pomo da proximidade do Templo à corrente Trovadoresca que daria à Mulher sentido teofânico, figura central do culto à Beleza revelada como a Inteligência do Amor, tanto humano como espiritual, concepção unitária que pela “linguagem secreta” da poesia seria encarnada pelos Fiéis do Amor (Fedeli d´Amore) ainda no século XII. Era nesse Amor ideal que procuravam iniciar-se por via dinâmica ou móvel quantos palmilhavam o Caminho Jacobeo feito assim Caminho de Iniciação, reflectindo o esoterismo e a mística, mais que de penitência. Com isso, tomou forma o amor cortês, galante[7], em cortesias amorosas ainda assim distadas das cortes de amor, estas revestidas de função soteriológica animada por conhecimento superior, gnóstico, suportado por ritos iniciáticos privilegiando o tema central do Amor Divino representado na Senhora (la Madona Inteligenza) que a Cavalaria Cristã associaria à Virgem Maria, dando começo à Cavalaria Espiritual e à missão primaz desta de conquista espiritual do Mundo, a partir de centros iniciáticos estabelecidos, sobretudo em Portugal, como seria o da Cardiga-Golegã.

A Golegã está no Caminho para Santiago de Compostela, e se filologicamente para uns ela é o Gólgota penitencial, onde o Sangue do Redentor escorreu e se representou depois na noética vinicultura – iniciada ainda na época dos templários, como possível corporização do apodo “Divino Vinhateiro” (Mateus 21:33-43) – que tornou famosos os vinhos desta região, para outros provirá da forma genitiva céltica Galagana, “o Caminho, a Via ou Passagem (Gala) da Génia (Gana)”, a Procriadora do Senhor, representada na padroeira local, Nossa-Senhora da Conceição[8]. Na grandiosa igreja gótica desta vila, com belíssimo portal manuelino da lavra do mestre arquitecto Diogo Boitaca, vêm-se ainda nas bases das duas altas colunas adiante do altar-mor uma mão e um cão, aquela indicadora do caminho e este protector do peregrino jacobeo que aqui chegava. Manus et Cannis vêm a ser também sinaléticos estelares do Cannis Majorem – Cão Maior – por cuja brilhante estrela Sirius se guiava o viandante no seu peregrinar para o Norte até desembocar no Campus Stellae, “Campo da Estrela”, donde Compostela.

Chega-se ao século XIV. A Quinta da Cardiga era rica, próspera, não faltavam olhares cobiçosos da mesma, igualmente temerosos dos seus donatários como força militar de elite. Entretanto em França ardia-se o plano de extinção da Ordem, de um lado o rei Filipe IV, avaro dos bens do Templo, e do outro o seu capataz papa Clemente V, que não fazia senão cumprir as ordens daquele que o colocara no sólio de S. Pedro. Assim, em 12 de Agosto de 1307, esse papa dirige ao rei de Portugal, D. Dinis, a bula Regnans in ecclesis triumphans, convidando-o e aos prelados portugueses a irem ao Concílio de Viena, onde ele procuraria determinar o que fazer da Ordem do Templo e dos seus bens móveis e imóveis, por causa dos pressupostos erros e excessos dos seus comendadores e cavaleiros. D. Dinis percebeu a ganância do rei de França por detrás desse golpe com aparência de legal, e apressou-se a tomar uma série de medidas, internas e externas, para evitar que os bens templários caíssem em mãos alheias: ordenou inquirição sobre o património da Ordem e, por via judicial, incorporou-o na Coroa, alegando que as doações do mesmo foram da responsabilidade régia e obrigavam à prestação de serviços ao rei e ao reino[9].

Em 22 de Março de 1312 aconteceu o inevitável antevisto por D. Dinis: Clemente V extinguiu a Ordem do Templo pela bula Vox Clamantis. Percebendo que não conseguia pilhar os bens templários noutros países, em 2 de Maio desse ano emitiu a bula Ad provirem, concedendo aos soberanos a posse interina dos bens da Ordem do Templo, até o conselho pontifício decidir o que fazer com eles. O papa falece e sucede-lhe João XXII. Este, em 14 de Março de 1319, a instâncias de D. Dinis através dos delegados junto da Cúria, pela bula Ad ea ex quibus institui a Ordem Militar de Nosso-Senhor Jesus Cristo, encurtada Ordem de Cristo, para a qual passam todos os bens e pertenças da Ordem do Templo: “Outorgamos e doamos e ajuntamos e incorporamos e anexamos para todo o sempre, à dita Ordem de Jesus Cristo (…), Castelo Branco, Longroiva, Tomar, Almourol e todos os outros castelos, fortalezas e todos os outros bens, móveis e de raiz”. Em 11 de Junho de 1321, fez-se a divisão em 38 comendas da Ordem de Cristo dos antigos bens pertencentes aos templários, referindo-se na partição a instituição das comendas de Almourol e da Cardiga, cada uma tendo de pagar anualmente 250 libras de renda ou tença à Casa-Mãe no Convento de Tomar. Dois anos depois, em 1323, no início do Mestrado de D. João Lourenço, a Comenda da Cardiga recebeu uma doação de território que pertencia um antigo cavaleiro da Ordem do Templo[10].

A riqueza e lucro da Comenda da Cardiga eram de tal forma avultados que davam rendas a três comendadores. Em 1494 era seu comendador frei Afonso Furtado, tendo se realizado em 1504 o Tombo dos Bens da Comenda da Cardiga. Em 1520, frei Nuno Furtado Mendonça sucede ao seu pai no cargo de comendador, e após a sua morte, em 1536, a Comenda da Cardiga foi cedida ao Convento de Tomar em troca da Comenda de Santiago de Santarém, passando a alimentar o convento tomarense e o Colégio de Coimbra[11].

Reinava D. João III (1502-1557), o Piedoso, menos rei e mais teocrático romano, por ele se introduzindo o Tribunal da Inquisição no país. Suspeita-se das “heresias” das freiria de Cristo, herdando-as e prosseguindo-as dos antecessores templários. Decide-se pôr cobro a isso e iniciam-se as reformas morais e sociais da Ordem de Cristo, para tanto sendo incumbido pelo monarca o jerónimo frei António Moniz da Silva, mais conhecido por frei António de Lisboa, familiar do Santo Ofício[12]. Como o D. Prior de Tomar, frei Diogo do Rego, em 1529, se recusou aderir à reforma imposta por frei António, a mando de D. João III, foi expulso do convento com muitos outros freires que foram dispersos por várias casas religiosas do reino, alguns deles inclusive sido expulsos da Ordem por esse novo D. Prior de Tomar, cabeça da mesma.

Sete anos depois, em 1536, a Comenda da Cardiga deixaria de existir como unidade jurídico-administrativa, e sob a alegação do Convento de Tomar necessitar de terrenos para os seus gados, a Ordem sob administração real retira-lhe o título de comenda ficando só o de quinta, criando em substituição a comenda da Igreja de Santiago de Santarém[13]. Em 7 de Novembro desse ano, por carta de concessão de D. João III, frei António de Lisboa tomou conta da Cardiga in situ perante o contador régio Francisco de Aboim, cavaleiro da Cúria Real, na ausência do contador do Mestrado de Cristo, Pio Rodrigues, e aí passou a viver um reitor da Ordem nomeado pelo mesmo frei António, pouco importando a este ter escolhido um leigo quase analfabeto mas com sucesso nos negócios de transformar a Cardiga em quinta do Convento de Tomar, constituindo-se na base económica substancial da Ordem de Cristo, já então enclausurada por reivindicado direito régio sobreposto ao eclesiástico, ela que antes fora Ordem claustral ou de expansão continental e ultramarina, facto que frei Gonçalo Velho, comendador da Cardiga, demonstrou bem ser assim na Gesta Dei per Portucalensis ou Conquista Espiritual do Mundo ao participar na demanda marítima da Índia e da América, ou do Oriente e do Ocidente, como regista a inscrição de 1926 na lápide, com retrato do encomiado por cima, junto à entrada da quinta:

“FREI CONCALO VELHO / COMMENDADOR DA / CARDIGA NA ORDEM DE / IESVS CRHISTO ABRIV O CAMINHO / MARITIMO DA INDIA EM 1416 / CHEGANDO A TERRA ALTA E O / DAS AMERICAS EM . 1431 . 1432 . / DESCOBRINDO OS AÇORES / + PARA PERPETVA MEMORIA DE / TÃO ECRECIO VARÃO SE COLOCOV / ESTA LAPIDE A PEDIDO DO INSTITVTO / HISTORICO DO MINHO CELEBRANDO / O . V . CENTENARIO DO PRIMEIRO / DESCOBRIMENTO PORTVGUEZ / + MCCCCXVI + MDCCCCXVI +”

Data de 20 de Julho de 1544 a referência a esse reitor da Cardiga, de nome Francisco Lopes, como “criado, feitor e procurador” de frei António de Lisboa.

Isso apesar de só em 1623, reinando Filipe III, aparecer registada a designação de quinta à Cardiga, vulgarizada a partir de 1629-1630, sendo feitor o sobrinho de frei António de Lisboa, frei Pedro Moniz, eleito nesse cargo, desde 1592, por quatro vezes, segundo Luís Miguel Batista (ob. cit.).

Sob pretexto de desassorear as Terras da Cardiga a fim de facilitar o escoamento das águas do Tejo, em 1545 o infante D. Luís (1506-1555), irmão de D. João III e autorizado por este, mandou fazer a importante obra hidráulica de mudança do curso do rio, construindo-se então a cerca envolvente da quinta-convento indo as águas bater nela. “Tirando-o do alveo a que hoje se chama Tejo Velho, mudando-lhe a corrente para o Tejo Novo por motivo de coitar o ímpeto das areias que carregavam as lezírias das Barrocas que ficavam por cima de Santarém”[14].

Mas a empresa resultou em grande prejuízo para a Ordem de Cristo e a Quinta da Cardiga: vários mapas antigos assinalam uma ribeira que em 1900 ainda se denominava Tejo Velho, resultado da escorrência das águas provenientes dos relevos da margem sul mostrando que as areias não tinham sido totalmente imobilizadas como se pretendia. O novo troço (com dez quilómetros de extensão) ou Tejo Novo saído, segundo as crónicas, da Lagoa Fedorenta vizinha da quinta, directa e rectilíneamente para sul, não agradou ao rio que escolheu novo traçado deslocando-se cada vez mais para norte, tornando-se progressivamente mais sinuoso, desenvolvendo ampla curvatura a norte da dita lagoa. Como consequência da erosão provocada na margem côncava da curva que se formava, foram desaparecendo as terras de cultivo da Quinta da Cardiga[15]. O desastre foi total e em cerca de quinze anos erodiu toda a área que ia do canal artificial até às casas da quinta, junto às quais passava (e passa)[16].

Entre 1545 e 1557 o rei D. João III instalou-se várias vezes no palácio desta quinta, tendo subido o rio de barco, pernoitado na Cardiga, e depois seguido a cavalo para observar – vigiar e censurar – as obras no convento de Tomar levadas a efeito pelo seu censor frei António de Lisboa. A mesma intenção censória o terá assistido aqui na Cardiga, desde que em 1540 frei António de Lisboa a transformara em palácio paçal digno do rei e da sua esposa, rainha D. Catarina, sob risco do mestre arquitecto biscainho João de Castilho (1470-1552), responsável pelas obras no Convento de Tomar e também aqui.

Mas esse não era um mestre qualquer, já brilhara no providencialismo messiânico do Manuelino, possuía a arte da dissimulação com que bem soube iludir tanto ao inquisidor frei António como ao monarca igrejeiro, e arguto, figura de destaque na corrente dos Mestres-Canteiros como um dos principais na introdução da Renascença em Portugal, deixou sinais da presença hermética na Cardiga indicativos da existência de Corte de Amor, espaço já de si courela “mística” (parcela mista) desde o século XII, sobretudo a partir da centúria de XIV, onde a Iniciação Senhorial ou Mariana, afim ao ideal de Cavalaria, seja esta militar ou filosófica, aqui teve o seu foro, a despeito do censório eclesiástico.

Essa arte de dissimular, como a de apresentar uma coisa aparentemente piedosa e inocente mas realmente com sentido diverso primando conceitos herméticos só acessíveis a raros iniciados, vem a reproduzir aquelas outras palavras em francês provençal contidas em Alexandre, de Albéric de Pisançon ou de Briançon (cerca de 1110)[17]:

“Aquele a quem Deus concede o senso,
não deve escondê-lo sem cuidado,
antes deve certificar-se de que aqueles
a quem o confia são dignos de o conhecer,
pois grande loucura cometerá
quem deitar a porcos a sua pérola.”

Seria sobretudo no século XVI a formação de Corte de Amor em núcleo fechado, e com a Cardiga não tendo mais a função militar defensiva do Tejo contra invasões mouras e castelhanas como outrora, pois tudo estava pacificado, consolidado desde há muito, remeteu-se a Ordem de Cristo à exclusividade das lides culturais e metafísicas, destacando a demanda do Supremo Amor no assinalado Santo Vaso de nome Santo Graal, intimamente correlacionado ao tema mariano[18], consequentemente, ao culto da Mulher, da Senhora Ideal, aprofundamento exigindo o hermetismo que a teologia confessional não possuía (nem possui). Isso também coincidiu com o aparecimento de duas obras literárias maneiristas tornadas universais: em Espanha, o D. Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes, assinalando o fim da Cavalaria Temporal; em Portugal, Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, marcando o começo da Cavalaria Espiritual.

Nessa última obra, a “Bíblia” dos Lusos, Camões utiliza o método danteano e virgiliano dos Fiéis de Amor de revelar escondendo. Opõe a Igreja do Amor à de Roma, e assim fariam os Fiéis de Amor não a ostracizando, antes a rectificando indo além da “letra que esconde”. Se Camões desfeche com a Ilha dos Amores no seu poema imortal, aqui na Cardiga eleva-se o Palatium Amoris, com o carácter de centro primordial – centrum primum – replicando a condição idêntica do castelo do Graal, da morada do Amor nas lendas e narrativas medievais escoadas nos saberes iluminados da Renascença. Assim, a quinta da Cardiga batida pelo Tejo não deixa de ser réplica do castelo do Graal “rodeado por um grande rio”[19], tudo no seguimento da primeira e mais difundida obra literária latina deste género surgida na segunda metade do século XII, o De Amore ou De arte honeste amandi ou Gualtieri, de Andrea Cappellano (1150-1220), tratado de normas de amor cortês com o subentendido de realmente tratar de amor ideal, espiritual, carregando o simbolismo hermético associativo do feudo de amor ao feudo celeste, ao Centro Primordial do Mundo, pomo da demanda e reintegração do Iniciado, despertando a Madona Inteligenza em si, a Shakti, “contraparte” ou alma espiritual dotada do Fogo Criador do Espírito Santo, este associado à Força Electromagnética que leva o nome hindu de Kundalini. Se, na linguagem alegórica dos Fiéis de Amor, a “amizade expressa” representa o acto da Iniciação, o “amante no Amor” é o Imortal, o que perpassou a condição física de morte, e no Amor ou Iluminação tem por símbolo a Rosa, símbolo da Mulher Ideal em quem doravante está integrado[20], nisto sendo legitimamente Cavaleiro da Rosa, outro nome dado ao Fiel de Amor, sinal observável em medalhão de abóbada, obra de João de Castilho, na “adega dos frades” desta quinta da Cardiga.

O sentido místico de castelo do Graal dispõe-o na igualmente mística insula occultam (“ilha oculta ou velada”) já assinalada no século XIII pelo iraniano Ali Ibne Fazel Mazandarani em Relato das coisas estranhas e maravilhosas que ele contemplara e vira com os seus olhos na Ilha Verde situada no Mar Branco, epopeia iniciática liga à tradição xiita do 12.º Iman ou “Iman Oculto”, recambiando para a versão ocidental do Encoberto na insula brandonis, “ilha de São Brandão”. Apresenta severas semelhanças com as epopeias ocidentais da Cavalaria Mística, mais que tudo a da Demanda do Santo Graal. A Ilha Verde, associada aos Mons Salvat do mito arturiano, é para Henry Corbin o “lugar onde os seus fiéis [os do 12.º Iman ou o Encoberto] se aproximam do Pólo Místico do Mundo”[21], a Ilha que abriga a Fonte da Vida à sombra do Paraíso Terreal. Para o autor, os amigos e amantes de Deus islâmicos e cristãos possuem muitas convergências identitárias eles. Enquanto os mulahs privilegiaram o simbolismo hermético e a busca iniciática, aqui os dotados das luzes superiores da Ordem de Cristo destacaram a cavalaria espiritual e mística, encadeando-se a essa sociabilidade cristã motivada pela esperança de uma comunidade utópica de perfeitos na Arte do Amor demandado e por fim realizado.

Sendo a Corte de Amor sinónima de Centro Iniciático, assinalado neste espaço pelo monóptero ou templete com a Cruz de Cristo, construção quinhentista do mestre biscainho a que se chegava saindo da capela primitiva hoje desaparecida, mais que “casa de fresco” deitando para o jardim (simbólico do éden) tem-se no mesmo a representação simbólica do Sanctum Sanctorum do antigo Templo de Salomão, a porta de acesso das almas salvas, eleitas pelos seus próprios méritos, à Jerusalém Celeste[22]. Por isso paira sobre o jardim em baixo. O protótipo salomónico do Santo dos Santos influenciou a forma de muitos sacrários e tabernáculos, razão pela qual foram construídos segundo um modelo centralizado, em rotunda figurativa da hóstia – para Francisco de Holanda – expressiva da Mónada ou Nous que pela sua circulatura expressa a infinitude divina, “sem princípio nem fim”, com isso encomiando o Santíssimo Sacramento que a devoção conheceu nos tempos pós-tridentinos, em reacção ao cisma protestante que não aceitava a presença de Cristo na Eucaristia[23].

Celebrando os deuses galantes na primavera de Advento, autêntica Corte de Aldeia (1619) para o igual “amante” Francisco Rodrigues Lobo, prosseguidor de Fernão Álvares do Oriente com a sua bucólica Lusitânia Transformada (1607), tinha-se:

Nisto entram os chamados “discursos secretos” em junção com os “livros de segredo”, tendo como matrizes os tratados de Hermetismo, cuja influência estendeu-se desde as artes e ofícios até obras filosóficas e religiosas, “discursos” inclusive aplicados em círculos restritos de Ordens aparentemente de rígida ortodoxia confessional[24]. Vários acontecimentos censórios, condenatórios e persecutórios registados na História Eclesiástica durante a Idade Média e na primeira metade da Renascença, haviam concorrido para esse ambiente de segredo e secreto em núcleos selectos no seio da própria Igreja, que assim precavenidos escaparam ao condenatório desta, o que igualmente terá ocorrido aqui na Cardiga.

Falando em Hermetismo evoca-se o nome do seu criador Hermes Trismegisto ou Trimegistus, que em latim significa “Hermes o três vezes Grande”, associado pelos neoplatónicos, alquimistas, cabalistas e demais hermetistas ao deus egípcio Thot, identificado com o deus grego Hermes e até com o patriarca Enoch do Antigo Testamento. Personagens fabulosos nos dias de hoje, os antigos consideravam-nos os criadores originais da escrita fonética, da magia teúrgica e do profetismo messiânico nas respectivas culturas.

Thot estava relacionado com os ciclos lunares cujas fases expressam a harmonia do Universo. Os escritos egípcios referem-no como “duas vezes grande”, por ser o deus do Verbo e da Sabedoria. Na atmosfera sincrética do império romano deu-se ao deus grego Hermes o epíteto do deus egípcio Thot, mas como “três vezes grande” (trimegistus), no Verbo, na Sabedoria e por ser Mensageiro de todos os deuses do Eliseu ou Olimpo, pelo que os romanos o associaram a Mercúrio, planeta mediador entre a Terra e o Sol, facto que os cabalistas judeus apelidaram Metraton, “Medida Perpendicular entre a Terra e o Sol”.

Como “escriba e mensageiro dos deuses” no Egipto helénico, Hermes era considerado autor de um conjunto de textos sagrados, ditos herméticos, contendo ensinamentos sobre arte, ciência, religião e filosofia – o Corpus Hermeticum – cujo propósito era a deificação da Humanidade através do Conhecimento de Deus (Gnôsis). É provável que esses textos tenham sido escritos não por uma só pessoa mas pelo conjunto de personalidades que corporificavam a Escola Hermética do Antigo Egipto, assim expressando o saber acumulado ao longo do tempo indo atribuí-lo ao seu deus da Sabedoria, em tudo similar ao deus Ganesha do panteão hindu.

O Corpus Hermeticum, datado provavelmente de entre o século I e o século III d. C., representou a fonte de inspiração do pensamento hermético e neoplatónico renascentista. Apesar do erudito suíço Casaubon ter pretendido provar o contrário no século XVII, continuou a acreditar-se que o texto remontava à antiguidade egípcia anterior a Moisés e que nele também estava contido o prenúncio do Cristianismo. Segundo Clemente de Alexandria, eram 42 livros subdivididos em seis conjuntos. O primeiro tratava da educação dos sacerdotes; o segundo, dos rituais no templo; o terceiro, de geologia, geografia, botânica e agricultura; o quarto, de astronomia e astrologia, de matemática e arquitectura; o quinto, continha os hinos em louvor aos deuses e um guia de acção política para os reis; o sexto, era um tratado de medicina.

Acredita-se que Hermes Trimegisto terá inventado um baralho de cartas repletas de símbolos esotéricos, sendo as primeiras 22 feitas em lâminas de ouro e as restantes 56 em lâminas de prata. Esse é o chamado Tarot ou “Livro de Thot”. Também é creditado a Hermes a escritura do Livro dos Mortos ou “Livro da Saída para a Luz”, além do mais famoso texto alquímico: a Tábua de Esmeralda, que exerceu uma grande influência sobre a Alquimia e a Magia praticadas na Europa medieval.

Na mesma Europa medieval, sobretudo entre os séculos V e XIV, o Hermetismo também foi uma Escola de Hermenêutica, que considerava alguns poemas da Antiguidade, os diversos mitos e as obras de arte enigmáticas como tratados alegóricos de Alquimia ou Ciência Hermética. Por isso, ainda hoje o termo hermetismo designa o carácter esotérico de um texto, de uma obra, de uma palavra, de uma acção, no sentido de possuírem um significado oculto que exige uma hermenêutica, isto é, uma ciência filosófica que interprete correctamente o sentido velado do objecto apresentado.

Os princípios herméticos foram adoptados e aplicados pelos collegia fabrorum romanos, agremiações de artífices de construções civis, militares e religiosas, cujos conhecimentos foram herdados no século XII pelos monges construtores cristãos, edificadores dos grandes edifícios românicos e góticos da Europa, executando as suas obras pelo método da arquitectura sagrada tendo como modelo a também geometria sagrada. Esta é herança directa dos conjuntos terceiro e quarto do Corpus Hermeticum, pelos quais as cidades e os edifícios eram construídos de maneira a interrelacionarem-se com determinados planetas e constelações para que reproduzissem na Terra a disposição do céu, encadeando nela as suas energias cósmicas ou siderais, constituindo isto a actualmente chamada arqueoastronomia. Tudo isso para dar cumprimento à sentença hermética de “o que está em cima é como o que está em baixo”.

Durante a Renascença europeia (séculos XVI-XVII), o Hermetismo foi substituído pelo Humanismo. As formas foram racionalizadas e o transcendente ignorado, desaparecendo a sociedade tradicional substituída pela sociedade laica, barroca e pré-modernista abrindo caminho ao advento do materialismo mecanicista que domina o mundo moderno. Ainda assim, houve excepções a essa regra dominante na Europa: a aparição dos mestres canteiros, herdeiros dos monges construtores, em Portugal no século XVI, inaugurando o estilo Manuelino baseado nas regras herméticas da arquitectura sagrada. A influência desses construtores livres manteve-se até ao século XVIII e a sua última grande obra foi a restauração de Lisboa após o terramoto de 1755. Por isso é que a Lisboa Pombalina está traçada e construída segundo as medidas geométricas e arquitectónicas da tradição legada por Hermes Trismegisto [25].

Esse Hermetismo ou Gnose era a Teosofia ou Sabedoria Divina, palavra muito anterior à sua divulgação universal no século XIX pela ucraniana Helena Petrovna Blavatsky, tendo sido Jabob Boheme (Jakob Böhme, 1575-1624)) o primeiro a usar e reivindicar para si o termo na sua obra De signatura rerum (1621). Já antes, em 1618, Valentin Weigel empregou o mesmo vocábulo no seu Libellus theosophiae. Seguiram-se outros autores, como Johann Georg Gichtel (1638-1710) ou Gottfried Arnold (1665-1714). A partir do início do século XVIII, a utilização da palavra tornou-se corrente e o seu significado fixou-se. Dentre as obras que contribuíram para a fixar, destacam-se as seguintes: La Très Sainte Trinosophie (Ms. n.º 2400 na Biblioteca de Troyes), obra setecentista do Conde Saint-Germain, Theophilosophia theoretica et practica (1710), de Sincerus Renatus, Opus magocabalisticum et theosophicum (1721), de George von Welling, e ainda a obra em latim de Johann Jacob Brucker, Historica critica philosophiae (1741), consagrando um capítulo inteiro à Teosofia (De theosophiis). Foram as obras destes e outros filósofos herméticos que deram direito de cidadania a essa palavra e à sua realidade. A Teosofia quer-se sobretudo como uma abordagem mental aos princípios que unem a Divindade, a Natureza e o Homem, baseando-se numa hermenêutica esotérica instruída no princípio das correspondências e das homologias. Nisto, prolonga os ensinamentos que o Hermetismo e as diferentes Filosofias da Natureza haviam veiculado: tudo participada da lei da analogia ou homologia na Criação, estando cada parcela do Universo em íntima relação com a Luz Divina. Simultaneamente, a Teosofia participa de duas opções: a que consiste em penetrar em compreender, a partir da experiência interior, os mistérios da Divindade, e a que se preocupa mais profundamente com aproximar esses mistérios no e pelo Universo criado. Esta última opção integra evidentemente uma Filosofia da Natureza e uma conceituação esotérica, ao passo que a primeira situa-se sobretudo do lado iluminação interior e da contemplação mística. A função da imaginação criadora é importante neste caso, posto tudo participar, por efeitos de “espelho”, dos processos analógicos. As duas opções completam-se e dão a Teosofia completa, como teórica e prática, como via de entendimento e vivência do entendido, e a isto chamava-se Filosofia Querubínica [26], aliás, registada em vários lavores na Quinta da Cardiga e por certo assumida em segredo por doutos da Ordem de Cristo.

Na fachada nordeste do palácio da Cardiga, defronte para o jardim com o Tejo adiante, tem-se a porta por onde se acederia à primitiva capela pelas traseiras, cuja cimalha quinhentista apresenta o busto de um homem novo à esquerda e o de um homem velho à direita, este que alguns teimam em associar à figura célebre do misterioso baphometh templário. Abaixo da cimalha apresenta-se a Cruz de Cristo laureada com folhas de carvalho, que na simbólica antiga era indicativo de Templo pela fortaleza das suas madeiras, agora indicativa da Glória e Triunfo da Ordem de Cristo. Além de retratarem personagens importantes que aqui terão vivido, não deixam de evocar o discípulo (jovem cortesão) e o mestre (artesão encapuçado) na Ars Magna conservada secreta no esconso da freiria de Cristo.

Por falar em baphometh, afigura-se conveniente dedicar algumas palavras a essa figura mítica popularizada a partir do século XIX pelo ocultista Eliphas Lévi em seu Dogma e Ritual da Alta Magia (1855), seguido de outros autores que fariam da efabulação enublada vero facto.

Associado ao crânio, este tem sentido duplo, apesar de para o Catolicismo só significar a lembrança da morte. Mas o crânio contém o cérebro e está na parte mais alta do homem. Por isso é o lugar sagrado do corpo humano por excelência e o símbolo da descoberta do Saber Supremo.

O termo baphometh provém do árabe ouba-al-fometh, a “boca do Pai”, com o sentido de Saber Supremo verbalizado pelo Pai. Como o Pai contém o Filho e o Espírito Santo, Ele é também a Luz da Sabedoria, a que alguns deram o sentido grego tardio de Baphêmétous. Nisto residirá o sentido da frase no poema Ira et Dolor, escrito em 1265 por um trovador occitano: “E Baphometh obra de son poder” – E Baphometh fez brilhar o seu poder. Na língua mourisca da Península Ibérica herdada do mudéjar, escrevia-se Abufihamat (e pronunciava-se soando Buphimat), com os sentidos de “Pai, Fonte, Compreensão”. Uma expressão derivada, Ras-el-fah-mat, significando “Cabeça do Conhecimento”, refere-se à capacidade mental do homem após a sua consciência ter sofrido um aprimoramento. A tal processo reporta-se precisamente a expressão “Eu construo uma cabeça”, usada por algumas escolas corânicas da Península Ibérica que os cristãos medievais, a maioria de catequese e confissão simples, chamaram depreciativamente bafometarias e carvoarias, no sentido impopular de “negras e diabólicas”, pois aí ensinavam e praticavam conhecimentos secretos ou ininteligíveis aos simples para os quais, por isso mesmo, só podiam ser “coisas do Diabo”.

É assim que o crânio «baphomético» vem a prefigurar uma Iluminação Mental, muito próxima da finalidade da oração mental dos jerónimos, tal qual como no simbolismo de Santa Brígida, figurando no santoral dos antigos templários, tratando-se da readaptação da Brigite celta presidindo ao Imbolc, a festa da purificação celebrando o fim do Inverno, representando a iluminação do Mundo após as trevas estéreis. Eis o motivo de, por vezes, Santa Brígida também aparecer iconografada com um círio na mão e uma vaca aos pés, esta expressando a lactação, no caso, referindo-se ao retorno da vida na Primavera. Talvez por isso o conjunto escultórico esteja defronte ao jardim, como também, por feliz causalidade, a Cardiga foi poderosa exploração agropecuária.

Assim se chega a 30 de Maio de 1834, quando então o Ministro dos Negócios Eclesiásticos e da Justiça, Joaquim António de Aguiar (1792-1884), declarou extintas as Ordens religiosas e os seus bens secularizados e incorporados na Fazenda Nacional. Tal acto valeu-lhe a alcunha de “mata-frades”. Regia D. Pedro IV  desde os Açores em nome da sua filha D. Maria da Glória, futura D. Maria II de Portugal. Foi quando que a Quinta da Cardiga passou para a posse do Estado, que passado pouco tempo, ainda nesse ano de 1834, vendeu-a ao capitalista Almeida Lima, o “Lima da Cardiga”[27].

Depois o imóvel transitou por outros proprietários até finalmente Luís Sommer de Andrade, de ascendência germânica cujo antepassado Henrique Francisco Luís von Sommer se alistara no exército liberal de D. Pedro IV e fora um dos 7.500 “bravos do Mindelo” sendo promovido capitão, o adquirir. Homem culto e prático, mostrou afecto e respeito pelo espaço já despojado dos bens imobiliários da freiria de Cristo que o enriqueciam outrora[28]. Então, a partir de 1908, encetou a obra do seu engrandecimento na tentativa de lhe restituir a primitiva dignidade espiritual e temporal, intento onde não foi infeliz e demonstrou a sua pessoa culta e informada. Assim chegou até hoje como solução “nacionalizada”, ou vernacular, do modelo clássico de palácio-fortaleza, conforme a recebera ainda no século XVIII.

Luís Sommer mandou aparelhar uma nova capela, cujo pórtico manuelino exterior adquiriu da igreja demolida de Castanheira do Ribatejo, mandando-o colocar aqui, e comprou a um colecionador de arte o retábulo em pedra lavrada de Nossa Senhora da Misericórdia, da autoria de João de Ruão, para figurar sobre o altar. Também o grupo de azulejos seiscentistas com legendas da Ladainha Mariana nas paredes do pátio interior do palácio[29], aí colocados entre 1939 e 1940, foram adquiridos por Luís Sommer da extinta igreja de Santa Apolónia, em Lisboa, situada onde hoje está a estação ferroviária[30].

Chegado aqui, endereço o agradecimento ao dr. Ruy Sommer de Andrade por gentilmente me ter aberto as portas deste seu palácio e sido guia conhecedor dos seus cantos e recantos.

Em plena lezíria ribatejana, num recanto paradisíaco à beira-Tejo, carregando o silêncio e o significado histórico português, a Quinta da Cardiga continua a manter a aura mística que não deixa ninguém indiferente, fruto de séculos de preces e divinais  labores, agora aguardando destino digno da sua grandeza e tradição de outrora que viverá sempre na egrégia memória portuguesa, como vibra no testemunho patrimonial legado pelos passados aos presentes, agora o  devendo destinar aos futuros desta nossa pátria, tudo a bem da Alma-Mater de Portugal.

NOTAS

[1] Rui de Azevedo, “Período de formação territorial: Expansão pela conquista e sua consolidação pelo povoamento. As terras doadas. Agentes colonizadores”, in História da Expansão Portuguesa no Mundo, vol. I, Lisboa, 1937.

[2] Manuel Sílvio Alves Conde, Tomar Medieval – O espaço e os homens. Cascais, 1996.

[3] Monumenta Henricina, vol. I, doc. 7. Lisboa, 1960.

[4] Mário Jorge Barroca, Epigrafia Medieval Portuguesa (862-1422), vol. II, t. I, Porto, 1995.

[5] Vitor Manuel Adrião, Portugal Templário (Vida e Obra da Ordem do Templo). Euedito, Lisboa, 2020.

[6] Vitor Manuel Adrião, Santiago de Compostela (Mistérios da Rota Portuguesa). Ed. Dinalivro, Lisboa, 2011.

[7] Gustave Cohen, la grande clarté du Moyen Âge. Editions Gallimard, Paris, 1945.

[8] Batalha Gouveia, A Origem dos Nomes – Golegã. Jornal do Incrível, n.º 110, 28 de Dezembro de 1981.

[9] João José Alves Dias, As Comendas de Almourol e da Cardiga, das Ordens do Templo e de Cristo, na Idade Média. In As Ordens Militares em Portugal. Actas do 1.º Encontro sobre Ordens Militares. Palmela: Câmara Municipal de Palmela, 1991.

[10] Iria Gonçalves (organização), Tombos da Ordem de Cristo. Comendas do Médio Tejo, vol. 2. Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa, 1995.

[11] Luís Miguel Preto Batista, Cardiga: de Comenda a Quinta da Ordem de Cristo (1529-1630). Torres Novas: Município de Torres Novas, 2009.

[12] Isaías da Rosa Pereira, Notas sobre a Inquisição em Portugal no século XVI. Revista Lusitânia Sacra, 1.ª Série, 1956-1978), Tomo 10 (1978), Centro de Estudos de História Eclesiástica, Lisboa.

[13] João de Almeida, Roteiro dos Monumentos Militares Portugueses, vol. III. Lisboa, 1947.

[14] A.N.T.T., Conventos de Tomar, Ordem de Cristo. Maço 30, n.º 1 e 4 (vermelho), fl. 21.

[15] J.J. Alves Dias, Uma grande obra de engenharia em meados do séc. XVI. Mudança do curso do Rio Tejo. Revista Nova História, Editorial Estampa, Lisboa, 1984.

[16] M. Teresa M. Azevêdo, A utilização dos dados históricos no estudo das cheias do Tejo. In “Estudos do Quaternário”, 4, Lisboa, 2001.

[17] Jean-Claude Rixte, Rhône-Alpes, terre de troubadours. EMCC, Lyon, 2012.

[18] Mário Martins, Nossa Senhora nos romances do Santo Graal e nas ladainhas medievais e quinhentistas. Edições “Magnificat”, Braga, 1988.

[19] Luigi Valli, Il linguaggio segreto di Dante e dei “Fedeli d´Amore”. Roma, 1928.

[20] Julius Evola, O Mistério do Graal. Editorial Vega, Lisboa, Julho de 1978.

[21] Henry Corbin, En Islam Iranien:Aspects spirituels et philosophiques, tomo I de 4 volumes. Éditions Gallimard, Paris, 1971-1973.

[22] Mircea Eliade, Imágenes y Símbolos. Taurus Ediciones, Madrid, 1974.

[23] Mircea Eliade, Tratado de História das Religiões. Martins Fontes, São Paulo, 2002.

[24] Ana Maria Alfonso-Goldfarb, As derivações enciclopédicas no Hermetismo medieval e seus vestígios na Ciência do Seiscentos: um estudo sobre os trânsitos e correlações entre dois nichos documentais. Revista “Tecnologia e Sociedade”, Curitiba, 2006.

[25] Vitor Manuel Adrião, Lisboa Insólita e Secreta (Guia editado em seis línguas: português, espanhol. Italiano, francês, inglês e alemão). Editorial Jonglez, Versailles, 2010.

[26] Ângelus Silesius (1624-1677), O Peregrino Querubínico. Edições Loyola, São Paulo, 1996.

[27] Gustavo de Matos Sequeira, Inventário Artístico de Portugal, vol. 3. Academia Nacional de Belas Artes, Lisboa, 1949.

[28] Luís Miguel Preto Batista, Cardiga ou a História de uma Quinta (1169-2019). Edição dos Municípios do Entroncamento, Golegã e Barquinha, 2019.

[29] J. M. dos Santos Simões, Azulejaria em Portugal no Século XVII, tomo I. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997.

[30] Ana Cristina Ferreira Rodrigues, Estudo, avaliação de risco e conservação e restauro do património azulejar da Quinta da Cardiga. Instituto Politécnico de Tomar, 2015.

Saudação aos Maçons – Por Sebastião Vieira Vidal

04 Terça-feira Maio 2021

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No dia 11 de Junho de 1949, o Presidente da Sociedade Teosófica Brasileira, Professor Henrique José de Souza, recebeu na sede da entidade, no Rio de Janeiro, uma delegação norte-americana, liderada por Mr. Ralph Moore, da Augusta Ordem Maçónica, pertencente ao Rito de York, uma das Obediências da Maçonaria Universal, que O saudou como seu Supremo Mestre Secreto.

Nós vos saudamos, Venerável Mestre desta Loja, assim como a todos os Obreiros deste Augusto Quadro.

LUZES DO NORTE!

Prodigiosos Obreiros desta nossa Oficina!

LUZES DO SUL!

Glória a todos aqueles que deram entrada nesta Loja, ansiosos pela Fraternidade Universal!

Encontramo-nos, desta maneira honrosa, neste Templo, onde se acham Irmãos sedentos de conhecimentos dos aspectos da Verdade Eterna encobertos pelos sublimes véus da Linguagem Simbólica, a Linguagem da Iniciação na Sabedoria Iniciática das Idades.

É uma imensa alegria, algo indiscritível, deparar com elevadas criaturas que se interessam por tão excelsos conhecimentos, embora envoltos pelo manto da Simbologia.

Estamos nesta Loja, neste Templo, defrontando-nos com estudiosos dos ensinamentos da Verdade Eterna, adquiridos por aqueles que se interessam em vivenciar as Iniciações Arcaicas, cuja herança foi legada por Irmãos de Maior Idade que souberam honrar, em todos os Templos e Tempos, o poderoso Nome do G. . . Arch. . . D. . . U. . .

Reunidos estamos para uma conversa íntima, para conversa em família, por isso falando de peito aberto, porque há confiança mútua.

Embora militando noutra Coluna, trazemos aos Veneráveis Irmãos desta Loja a Mensagem Fraterna e Amiga dos componentes da Ordem do Santo Graal, com Sede em São Lourenço, Estado de Minas Gerais, Brasil.

A Augusta Ordem do Santo Graal foi fundada em 28 de Dezembro de 1951 pelo seu Grão-Mestre Perpétuo, Professor Henrique José de Souza, com a finalidade de continuar, de manter o Culto de MELKI-TSEDEK na Face da Terra, e ao mesmo tempo preparar a Mentalidade Humana para o Advento do Budha Síntese MAITREYA ou do Cristo Universal, que se manifestará como G. . . Arch. . . D. . . U. . . , ou seja, do Avatara do Ciclo de Aquarius, dest´arte inaugurando uma Nova Era para o Mundo.

Para esse Ciclo é que vários seres e de vários modos, todos juntos trabalhamos de acordo com o estado de consciência de cada um, em conformidade às Iniciações vivenciadas.

Ela é, por assim dizer, a co-herdeira do Trabalho, da Iniciação, dos Ensinamentos dos Sábios, Magos, Magis, Magisteres, dos Maha-Logoi, dando, portanto, continuidade ao desenvolvimento dos Mistérios estudados na Ciência Sagrada das Idades.

A Ordem do Santo Graal, segundo os ensinamentos do seu Grão-Mestre, Professor Henrique José de Souza, tem a Missão de divulgar, como já dissemos, os conhecimentos relativos às Iniciações do Futuro, adoptando, sem dúvida, novos Ritos, nova Liturgia, novos métodos de iniciar os homens.

Promove em todos a transformação das tendências, a superação da inteligência e a identificação, a metástase com o Espírito de Verdade, com a Consciência Superior.

A prática destes Mistérios é salutar para o desenvolvimento da espiritualidade entre as criaturas humanas, posto que na época que atravessamos urge a necessidade dos homens procurarem viver sob o pavilhão do bom entendimento, da concepção real da vida, da compreensão e respeito mútuos, a fim de não serem arrastados pela torrente destruidora que assola o Mundo inteiro.

E para resistirmos à descomunal tempestade, ameaçando destruir a tudo e a todos, não há como adoptarmos e vivenciarmos o maravilhoso lema: “UM POR TODOS E TODOS POR UM”.

A Iniciação do Professor Henrique José de Souza permite ao Discípulo fortalecer a Personalidade, para que o poder da Ideia possa plasmar-se com toda a potência. O que se transforma de Pedra Bruta em Pedra Polida, esta para a Individualidade, é a Personalidade com todas as suas complexidades. A Personalidade como veículo do Som, do Verbo Divino.

Quando a Tradição Iniciática, os Mestres Vivos falam no Pai-Mãe no Mundo Objectivo, dão forma aos actos da Individualidade através do termo Pai, e fortalecendo a Personalidade pela expressão Mãe. Eis aí o Espírito Polido e a Matéria Bruta que cabe transformar a um e todos os Obreiros do Novo Edifício Humano e, por consequência, Social.

Desde que os homens começaram a desenvolver a inteligência e  a sensibilidade através do sistema cérebro-espinhal, a adquirir a Individualidade, a serem à semelhança de Deus Criador, da Consciência Superior, da Divindade em relação ao que “há de vir”, ao “vir a ser”, passaram, naturalmente, a se diferenciar.

Uns andando muito rápido, outros mais devagar.

De acordo com a solicitação íntima, com o interesse interno, passaram a ter preferências vocacionais.

Essas preferências vocacionais variam de acordo com a evolução espiritual de cada um.

Se o Homem pensa, logo existe… e, via de regra, os mais avançados fogem ao consenso comum, por isso são julgados ignaramente, são repudiados pelos da sua época. Tempos depois são reconhecidos.

Toda a ideia nova promove naturalmente a modificação da rotina, da acomodação, da falta de circulação da vida.

As novas ideias, para os espíritos fracos, para os inseguros, oferecem receios, posto que uma nova Ideia e um novo Ideal são como sementes…

Há sempre o perigo de não germinarem, e se germinarem há muita erva para destruí-las antes de darem os frutos.

A erva daninha, no caso, é o consenso comum, profano, que não quer ter o trabalho de aprender e menos ainda praticar, e esta disposição psicofísica chega até a adentrar os recintos mais sagrados por desprecaução dos seus responsáveis.

Entre os maçons há a cerimónia do Adonhiramita, tendo a sua origem nos Mistério do Sacrifício assinalado pela palavra sânscrita Yagú, que no Culto do Santo Sangue, no Mistério do Santo Graal, corresponde aos Mistérios dos Sacrifícios dos Bodhisattwas, dos Compassivos Seres Divinos, dos Yokanans ou Arautos que foram sacrificados perdendo a cabeça, a fim de redimirem com o seu acto sacrificial os componentes das Hierarquias que rolaram das Esferas Celestes para os Reinos tenebrosos da Matéria.

Logo, os que se dedicam ao Culto do Santo Graal, digo, ao Culto do Santo Sangue, dos Mistérios do Santo Graal, é o mesmo que se dissesse: os que se dedicam aos Mistérios dos Sacrifícios, ao Culto do Sacrifício.

Mas também os que praticaram, desencadeando a Lei Kármica ou de Causa-Efeito, o acto de atraiçoarem a Missão, os segredos, os ensinamentos superiores que lhes foram confiados, perdem as suas cabeças, o seu juízo e paz mental se esvaem.

HIRAM ABIFF, arquitecto do Templo de Salomão, também foi um Yokanan, posto ter sido assassinado por três indivíduos que lhe queriam arrancar os segredos da Arte Real.

Em cada Portal do Templo recebeu um golpe mortal.

Isso quer dizer que foi assassinado por três Sombras relacionadas com os restos kármicos dos Seres de Reinos inferiores ao Hominal: Mineral, Vegetal e Animal.

Recebeu um golpe mortal no Portal do Meio-Dia, outro no Portal do Ocidente e o terceiro no Portal do Oriente.

Símbolo, sem dúvida, do trabalhos dos três primeiros Nirmanakayas Negros ou Adeptos Tenebrosos, tendo as suas expressões nos três Flagelos Humanos: Átila, Ghengis-Khan e Tamerlão, senão, Mussolini (Fascismo), Hitler (Nazismo) e Estaline (Comunismo)… acima de todos, a Concórdia Universal, a Sinarquia, o Fio-de-Prumo do Equilíbrio disposto por Henrique ou EL RIKE, expressão lídima de MELKI-TSEDEK.

É digno de atenção: Hiram Abiff foi morto com três pancadas no ano 985 antes de Cristo. Mil anos mais tarde, em determinado Templo Tibetano, com o nome de Jara-Khan-Lhagpa, por coincidência, ou antes, causalidade, JHS, Akbel, Hiram… também foi mutilado e assassinado, no ano 985 depois de Cristo.

Hiram Abiff nasceu em 1063 e morreu em 985 a.C., logo, viveu 78 anos na Face da Terra.

Para o efeito do Equilíbrio, devemos dar “a César o que é de César” e “a Deus o que é de Deus”.

Baseados no equilíbrio dessa sentença dúplice, no seu verdadeiro significado, e para evitar desequilíbrio social, colectivo, na Antiguidade surgiu dos Magos ou Sábios o método da Iniciação. Mas Iniciação como estudo e prática da Ciência Sagrada das Idades. Sim, passaram a existir dois métodos conformados à evolução dos candidatos: os Mistérios Menores e os Mistérios Maiores.

Iniciação Simbólica, Hierográfica, e Iniciação Real.

A Iniciação Simbólica consiste na apresentação do símbolo na sua forma gráfica e com o que está relacionado, o que representa, de modo vago. É o estado de Especulativo.

Na Iniciação Real estuda-se e pratica-se em todos os sentidos, em todos os aspectos, penetrando-se os mistérios que nela se encerram. É a condição de Operativo.

Por exemplo, na Iniciação Simbólica tomamos contacto com o Triângulo com um Olho no centro donde irradiam 13 Raios. Na mesma aprende-se que expressa o G. . . Arch. . . D. . . U. . ., a Divina Providência.

Na Iniciação Real vamos mais além, estudamos o que representa o Olho central, o significado real do Triângulo e dos 13 Raios, quer no aspecto cosmogénico, quer no aspecto antropogénico, procurando senti-los, como chave do Conhecimento Transcendente, como orientação da nossa própria vida, no sentido de se ser uma miniatura DELE.

O grande Pitágoras apresentou ao Mundo a sua TETRAKTYS representada pelo número 4, base da construção das Pirâmides, base da Filosofia dos 4 Kumares ou Kabires.

Baseadas na primorosa TETRAKTYS pitagórica, vimos as grandes Ordens aplicarem essa maravilhosa Lei dos Números para organizar universalmente as constituições.

Tratando-se de Ordens Ocultas, Maçónicas, vejamos:

1.º) O Ciclo Maçónico teve o seu início na construção do Templo de Salomão, logo, numa fase tipicamente hebraica, e daí a origem dos Kadosh, “consagrados, santificados”.

Esta fase equivale aos Graus de 1 a 14, o que equivale a dizer, ao valor das 14 Hierarquias Criadoras.

O Arcano 14, cujo sentido iniciático é o Perfeito Equilíbrio.

2.º) A Filosofia Cristã baseada no Ciclo do Ocidente, na Era Cristã.

A Maçonaria funcionando como cobertura da Nova Civilização.

Por isso, as cidades tradicionais relacionadas à vida do Cristo têm os nomes de Belém e Jerusalém, ou seja, as iniciais da qualificação das duas Colunas, Jakim e Bohaz.

Corresponde aos Graus 17 e 18. Sim, à fusão do Oriente (18, a Lua) com o Ocidente (17, a Estrela).

3.º) A iniciação dos Kadosh, Kadoshim, Kodesh – Graus 19 a 30, posto que os Kadosh são os realizadores das Grandes Iniciações, são os realizadores dos Supremos Ritos.

4.º) os componentes dos Grande Conselhos – Graus 30 a 33.

Em determinadas Ordens o Grau 33 cabe ao mais elevado em evolução. M. . . T. . . M. . . só pode usá-lo o Senhor MELKI-TSEDEK, REI DE SALÉM e SACERDOTE DO ALTÍSSIMO, ou então quem as suas vezes fizer.

A Verdade apresenta-se como se fosse alguma Lei Universal através da Polaridade.

Sempre existiram dois sectores na orientação do Mundo: um tipo Templário, mantenedor do EU INTERNO de cada um, mantendo a Fé iluminada pelo Conhecimento, mas que pode transformar-se em religião confessional, em crença… fanatismo… por falta dos esclarecimentos necessários.

O outro sector é realizado através das Ordens Ocultas, das Associações Secretas, prestando cobertura ao primeiro sector.

Associação Secreta porque não ensina tudo o que sabe, ou por outras palavras, ministra os ensinamentos somente àqueles que estão preparados para os receber.

No Cristianismo, por exemplo, há o aspecto clerical que começou com Pedro, e há as Ordens de todos conhecidas, fazendo a cobertura política, a manutenção…

Mas tudo evolui, logo, vai assumindo outros aspectos em conformidade ao desenvolvimento das concepções humanas.

Palavras do Senhor da Palavra Perdida:

– Maçons do Brasil!

Maçons de todas as partes do Globo!

Quem vos dirige a Palavra é um humilde servidor do Eterno, para vos dizer que HIRAM, o “Filho da Viúva”, ressuscitou…

E traz consigo o mais precioso de todos os símbolos que é o Excelso TETRAGRAMATON, como expressão ideoplástica do Homem Cósmico que é JEHOVAH!

Glória a todos os Maçons portadores do Compasso e do Esquadro, para medirem o grau de espiritualidade, o grau de inteligência superior.

Aliás, essas principais ferramentas dos Pedreiros-Livres ou Maçons que, entrelaçadas e invertidas, formam o HEXÁGONO, símbolo, também, do Macrocosmos e do Microcosmos, da Cosmogonia e da Antropogonia.

Colocadas nas direcções horizontal e vertical, apresentam claramente a ROSA e a CRUZ, desde que se firme no centro a Folha de Acácia, simbólica da Iniciação e Imortalidade.

HIRAM, KUNATON, CHRISTIAN ROSENKREUTZ, SÃO GERMANO! Pouco importa o nome, posto que ELE JÁ VEIO E VÓS NÃO O RECONHECESTES…

Mas… em breve Ele voltará à sua Santa Morada, para fazer jus à antiga palavra franco-maçónica, VITRIOL, constituída de sete letras, com as quais era formada a frase mais secreta que se conhece, verdadeira palavra de passe, cujo sentido real até hoje não foi decifrado senão por Aquele que tem o direito de penetrar no mais sublime de todos os Tabernáculos:

“VISITA INTERIORA TERRIS RECTIFICANDO INVENIES OCCULTUM LAPIDEM”.

Como outrora no Egipto:

MISRAIM – MENFIS – MAISIM!

Essas três palavras eram assinaladas entre as Colunas do Templo Maçónico por 3 M. . ., os quais possuíam outras interpretações de imenso valor nos Ritos egípcios. Trata-se do MAHA-RISHI e as suas duas Colunas Vivas MAHIMÃ e MOHIMÃ, o qual nas tradições transhimalaias é chamado de BRAHMATMÃ, o REI DO MUNDO, com as mesmas Colunas, os Três como Supremos Orientadores da MAÇONARIA DOS TRAICHUS-MARUTAS ou os Mantenedores do CULTO DE MELKI-TSEDEK.

Por isso estão no Reino de MALKART.

E com isto aceitai – velhos Irmãos e Amigos – as homenagens de quem hoje, já não estando no mundo dos homens mas vivendo o verdadeiro sentido da palavra de passe VITRIOL, vos respeita e admira, mas também pede que homenagens, por sua vez, sejam prestadas àqueles que já se foram e sobre cujos respeitáveis túmulos não devemos permitir que seque e desapareça a simbólica e sagrada Flor de Acácia.

Com a destra voltada para o Céu e o polegar invertido para a Terra, contrariamente a quantas saudações caóticas foram instituídas pelas decadentes ideologias deste Ciclo em franco declínio, maiores homenagens devemos prestar ao mais Digno e Excelso de todos os Construtores:

O G. . . Arch. . . D. . . U. . .

SAUDAMOS, FINALMENTE,  OS KADOSH, KODESH, KADESHIM, REALIZADORES DAS SUPREMAS INICIAÇÕES, DOS MAIS ELEVADOS RITUAIS!…

JUSTUS ET PERFECTUS!

CONSUMMATUM EST.

Mistério do Pentecostes (Vita et Opera Christi) – Por Vitor Manuel Adrião

13 Sábado Fev 2021

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O Pentecostes marca e remata o sétimo Mistério da Vida e Obra de Jesus, o Cristo, deixando a derradeira mensagem de esperança no Advento da Divindade à Humanidade, ao mesmo tempo que floresce nos peitos de um e de todos. Nisto se cumpre a mais que poética retórica, realidade subtil, etérea transcendente e imanente, cheia de graça em esperança, de que quando Cristo sorri a Humanidade enxuga as lágrimas.

A celebração do Pentecostes (“quinquagésimo”, em grego) é quando o Judaísmo e o Cristianismo se encontram e se conciliam nas suas idiossincrasias teológicas, sobretudo nas relativas ao porvir do Messias. Historicamente, pela sua origem agrária, recua à festa hebraica das colheitas (shavuot), aquando o povo ia oferecer a dízima das primícias ao Templo de Jerusalém, nisto também celebrando a entrega dos Dez Mandamentos no Monte Sinai a Moisés, cinquenta dias depois do Êxodo.

É, pois, uma festa do antigo calendário bíblico (Êxodo 23:14-17, 34:18-23) referida com vários títulos:

Festa da Colheita ou Sega (Hag Haqasir, em hebraico). Por se tratar de uma colheita de grãos (trigo e cevada), ganhou esse nome.

Festa das Semanas (Hag Xabu´ot, em hebraico). A razão do seu nome está no período mediando entre a Páscoa (Pessach, “trânsito”, “passagem”, em hebreu) e esta festa, que é de sete semanas. Acontece cinquenta dias depois da Páscoa, com a colheita da cevada e encerrando com a colheita do trigo.

Festa das Primícias dos Frutos (Yom Habikurim, em hebraico), nome tendo a sua origem de ser pela entrega de uma oferta voluntária, a Deus, dos primeiros frutos colhidos naquela sega (Números 28:26). Possivelmente, a oferenda das primícias acontecia em cada uma das três festas tradicionais do calendário bíblico. Na primeira (Páscoa), oferecia-se uma ovelha nascida naquele ano; na segunda (Colheita ou as Semanas), entregava-se a dízima (décima parte) dos primeiros grãos colhidos; finalmente, na terceira festa (Tabernáculos ou Cabanas), o povo oferecia a dízima da colheita dos primeiros frutos, como uvas, tâmaras e especialmente figos. Por essas dízimas agrárias verifica-se que o Templo beneficiava de grande riqueza, motivo dos levitas não abdicarem das suas funções nele por lhes trazer fartura de bens.

Festa de Pentecostes. Os motivos deste novo nome são vários, a começar por nos séculos III-I a.C. os gregos terem assumido o controle do mundo conhecido e imposto a sua língua, que se popularizou entre os hebreus. Assim, os nomes hebraicos Hag Haqasir e Hag Xabu´ot perderam as suas actualidades sendo substituídos pela denominação Pentecostes, cujo significado é “cinquenta dias depois (da Páscoa)”. Como o império grego passou a ter hegemonia em 331 a.C., é possível que o nome Pentecostes tenha ganhado popularidade a partir desse período. Também devido às três línguas dominantes (hebraico, grego e latim) na Judeia e Palestina, é que Pilatos ordenou se escrevesse com as mesmas a célebre frase na tabuleta da Cruz – Iesus Nazarenus Rex Iodeorum (Jesus Nazareno Rei dos Judeus).

No Cristianismo, o dia de Pentecostes chega a ser considerado como o dia do nascimento da Igreja cristã, origem do movimento pentecostal católico (“universalista”, por abranger os países latinos, gregos e orientais da Ásia Menor) que originalmente era “os do Caminho”. Constitui uma das celebrações mais importantes do calendário cristão, comemorando a descida do Espírito Santo em Línguas de Fogo sobre os Apóstolos de Cristo encabeçados no cenáculo por sua Mãe Maria, que logo começaram a falar todas as línguas do mundo dotados de poderes maravilhosos (curar os leprosos, ressuscitar os mortos, etc.). Aconteceu ao meio-dia de cinquenta dias após o domingo de Ressurreição e no décimo dia depois da Ascensão de Jesus, após Ele ter permanecido quarenta dias entre os discípulos, transmitindo-lhes os derradeiros ensinamentos. Entre os cinquenta dias que se completam da Páscoa até ao último dia de Pentecostes, sobram dez dias. Esses foram o tempo que os Apóstolos com Maria Mãe e Maria Madalena permaneceram no cenáculo, até à descida ou manifestação do Espírito Santo. Por este motivo, o domingo de Pentecostes é o último dia da Festa do Divino Espírito Santo, tomando forma em Portugal na Festa do Império do Divino Espírito Santo (pelas mãos da Rainha Santa Isabel, em 1321, na vila de Alenquer), depressa se fixando no Brasil e noutras partes lusas do antigo império português.

O Espírito Santo no Cristianismo é o mesmo Espírito de Santidade no Judaísmo, referido como a Terceira Potência Divina cuja manifestação, para ambas as religiões, é sempre sob a forma de uma pomba, em hebraico yohnah, palavra derivada de ´anah, “prantear”, referente ao arrulho lamuriento da ave, universalmente considerada a mensageira da Boa Nova e portadora da Paz, como igualmente da sublimação da vida, da existência corpórea à vivência espiritual, como se representa no trânsito de São Policarpo com uma pomba branca, imaculada, saindo do seu corpo.

Como Pomba de Luz vem a ser representativa da manifestação do Fogo Criador do Divino Espírito Santo, ao qual os sábios iniciados do Oriente identificam como Kundalini, a Força Electromagnética da Mãe-Terra que a sustenta desde o seu Centro Ígneo, agindo como bioenergia motora das capacidades criativas humanas, de forma inconsciente na maioria dos seres pensantes, e de maneira consciente, despertada, activada e dirigida desde o cóccix à corona, ao alto da cabeça onde se revela como aura flamejante, nos raros Iniciados na ciência de marejar as suas forças ocultas e assim as de toda a Natureza. Eis aqui o símbolo do Fogo Criador expressado na figura feminina, seja Maria no cenáculo, seja a sarça de Horeb no Monte Sinai, seja a Maha-Shakti criadora do Universo, com as suas sete Forças que, afinal, vêm a ser os sete Dons do Espírito Santo irradiando sete Raios da Luz do Logos Único, cada um com uma qualidade da Mãe Universal. Esta dá à Luz o Filho, saído da Alma do Segundo para o Corpo do Terceiro Logos manifestado em tudo e em todos.

O termo Espírito Santo – Ruach ou Ruah-Elohim – aparece apenas três vezes na Bíblia hebraica, em Salmos 51:11, e duas vezes em Isaías 63:10-11. Já o termo Ruah ha-Kodesh (“Espírito de Santidade”) aparece com frequência no Talmude e na Midrash, utilizado como uma hipóstase ou metonímia de Deus, IHVH (Iod-He-Vau-He), por meio da qual é concedida a inspiração profética ao Kadosh (“consagrado”). Ruah significa literalmente “sopro, vento, ar, alento”, aparecendo em várias outras combinações na Bíblia hebraica com o significado de Espírito de Deus, associado a Ruah ha-Kodesh, o mesmo Ru al-Qudus islâmico, o Pneuma to Hagion grego ou o latim Spiritu Sanctu, Espírito Santo.

No Cristianismo, o Espírito Santo é a Terceira Prosopon ou Pessoa da Santíssima Trindade, revelando Deus Omnipresente. Como Hypostasis ou Hipóstase, contém a Primeira (Spiritu) como Omnipotência e a Segunda (Sanctu) como Omnisciência, promanadas de uma Divina Substância Única (Ousia, em grego) a quem chamam Deus.

Acompanhados das respectivas contrapartes expressivas do Eterno Feminino, assim clareando por que a Deusa-Mãe era o único pomo de culto e adoração à Divindade entre os povos antigos, que durou até muito tarde chegando mesmo a adentrar o período patriarcal sucessor do matriarcal.

O despertar e ascender de Kundalini ao topo cranial vale por Poder da Mãe Divina manifestado – Shekinah, “Presença Real de Deus” – em cujo acto Madalena assinala a conversão do sexo (initio, cóccix) e a Nazarena a assunção da mente (finis, corona).

As sete Forças de Kundalini afins aos sete Dons do Espírito Santo, pelo desenvolvimento do Chakra Vibhutî ou Cardíaco Inferior, são:

Por aí se vê quão distantes estão da realidade certas seitas hodiernas ditas carismáticas/pentecostais, servindo-se da ingenuidade alheia em sua tenra idade mental para, pretensamente, irem colmatar as suas deficiências/carências psico-orgânicas. Colmatando o vazio espiritual das mesmas com bizarras corografias folcloristas, estão nos antípodas de exploração psicossocial que nadíssima tem a ver com os poderes desenvolvidos, por esforço próprio, do Adepto verdadeiro, do verdadeiro Iniciado na Ciência da Vida.

O mesmo vale para a dízima ou oferta da décima parte dos seus ganhos, tradição iniciada com Abraão rendendo tributo a Melki-Tsedek, o Rei do Mundo, para as bandas das terras de Gar-Édon ou a Agharta, sendo a dízima nada mais que o resgate kármico da décima parte do seu povo, nunca pondo os valores materiais à dianteira da mais-valia espiritual.

Paulo de Tarso, por sua vez, identifica não sete mas nove dons ou poderes do Espírito Santo, o Terceiro Logos tomando forma no Filho, que irão manifestar-se pelo Apóstolo ou Adepto. Diz: “A um é dada pelo Espírito uma palavra de sabedoria; a outro, uma palavra de ciência, por esse mesmo Espírito; a outro, a fé, pelo mesmo Espírito; a outro, a graça de curar as doenças, no mesmo Espírito; a outro, o dom dos milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, a variedade de línguas; a outro, por fim, a interpretação das línguas.” – I Coríntios 12:8-10.

Nisto, os nove dons espirituais podem ser repartidos em três grupos, como Dons de Poder, Dons de Revelação, Dons de Fala, não deixando de estar relacionados às naturezas Dharmakaya (Espírito Omnipotente), Shambogakaya (Alma Omnisciente) e Nirmanakaya (Corpo Omnipresente) afins ao Tríplice Logos manifestado na Unidade imperecível do Adepto Perfeito.

Dons de Poder

Fé
Curar
Operar maravilhas

Dons de Revelação

Palavra de sabedoria
Palavra de conhecimento
Discernimento dos espíritos

Dons de Fala

Profecia
Variedade de línguas
Interpretação de línguas

O Mistério do Pentecostes, como disse, assinala a última etapa da Vida e Obra do Cristo, que sendo sete vêm as mesmas iniciáticas do Homem em seu gradual volvimento ao estado Divino.

Resta a Consolação da doutrina e do rito até ao Advento que marcará o início da Nova Jerusalém, ou seja, a da Idade da Promissão assinalando um Novo Ciclo de Humanidade, com a sua transição de Piscis a Aquarius, por certo portador de melhores dias para o Mundo.

Com o Pentecostes consolidou-se a derradeira Promessa de Cristo, antes da Ascensão, quanto à sua segunda vinda no final dos Tempos, ou seja, do Ciclo vigente, tal qual Krishna prometera ao seu discípulo Arjuna, como consta no Bhagavad-Gïta: “Todas as vezes, ó filho de Bhârata (a Índia), que Dharma (a Lei justa) declina e Adharma (a lei injusta) se levanta, Eu me manifesto para salvação dos bons e destruição dos maus. Para restabelecimento da Lei, Eu nasço em cada Yuga (Idade)”. Ou aquela outra profecia contida no Vishnu-Purana: “Quando o fim da Idade das Trevas estiver próximo, o Kalki-Avatara (Manifestação Divina) descerá sobre a Terra. Dotado das oito qualidades sobre-humanas, Ele estabelecerá a Justiça no Mundo”.

Para a Segunda Vinda do Messias, Segundo Advento ou Parúsia (“Presença”, em grego), concorrem as três religiões monoteístas do Livro, mas também todas as demais tradicionais do Oriente, cada qual interpretando ao seu modo milenarista a futura manifestação do Avatara, todas concordando na certeza do Advir.

Acerca disso, Pinharanda Gomes escreveu no seu Dicionário de Filosofia Portuguesa (Edição Círculo de Leitores, Lisboa, Junho de 1990):

“MESSIANISMO. Teoria da esperança ou da expectação em um Messias salvador e redentor de uma Humanidade considerada em estado degradado, quedado ou de perdição (por, ou ter perdido a natureza sagrada, ou ter caído da sua condição original, ou ter cometido pecado), após cuja vinda a mesma Humanidade recupera, regenera, restaura e redescobre o primitivo estado de felicidade, e nela se consagra para sempre. Esta simples definição contém variantes conceptuais, por exemplo, o messianismo formulado na Sagrada Escritura e relativo ao Messias Salvador, e as tendências messiânicas inerentes, tanto às culturas como aos povos e às políticas, em que variamente se mostra um messianismo entendido como a procura de um arquétipo, ou paradigma, de bondade, de beleza e de verdade, possuidor do remédio para os males, ou como a promessa de um chefe ou condutor que detenha o ceptro da sabedoria, e seja digno de instaurar a harmonia na cidade terrestre. Em todas as acepções o messianismo manifesta o conhecimento de antinomias existenciais – o que está mal, o que é bem, o que se julga ser o bem, pelo que, em todas as suas variantes, é remédio, cura e solução. A ideia messiânica envolve a reconquista da felicidade original (Paraíso Perdido), a restauração dos bens destruídos (Idade de Ouro), a instauração da harmonia (Paz Perpétua) e, noutra instância, a assunção do homem à sua essencial dignidade (Reino de Deus). A teoria messiânica tem diferentes linhas discursivas, tanto consistindo num messianismo sem Messias, capaz de realizar a justiça na República, pela simples vontade operativa dos homens, num projecto de imanência, como num messianismo que passa pelo coração humano, mas se realiza por aliança do divino e do humano, aí chamado por Deus à salvação. Esta forma messiânica manifesta os atributos da transcendência, é escatológica, teleológica e soteriológica, sendo estes os predicados do messianismo paradigmático, o judaico-cristão, mesmo considerando que a ele afluíram as teses do providencialismo das outras religiões monoteístas, designadamente o Islamismo, teses essas que são devedoras ao finalismo da filosofia grega que, em tempo, se adjuvou à teoria da esperança salvífica hebraico-cristã.

“A figuração messianológica aparece em plurais situações, por exemplo, nos mitos germânicos dos “heilbringer” ou “portadores da salvação”, no mito do “Salvador” inteligido por Virgílio (Écloga IV), na imagem persa de “Saohyant”, na concepção hindu de “Buda Maitreya”, na esperança islâmica de “Mahadi” e na tábua de salvação da autonomia portuguesa, figurada no nome “Sebastião”. Todavia, a original e originante figura do Messias é hebraica, derivando do aramaico Meshihà, pelo hebraico Hammashiah (= o Ungido), pelos gregos ou helenos traduzido no nome Christós. A raiz do substantivo é meshah (= ungir), verbo com que se designa a unção sacerdotal, profética e real das chefias temporais e espirituais do povo de Israel. O javismo, que se concretiza na aliança do Sinai, assume Javé como “Rei de Israel” (Gén., 49, 10), o “Ceptro de Judá”, razão para um povo que se constituirá assembleia de religião única, verdadeira, perfeita e definitiva, com mensagem salvífica destinada a todos os povos, conforme se vê na passagem em que Javé chama Abraão e o manda olhar para o firmamento para que, contando as estrelas, fique a saber quantos filhos há-de ter (Gén., 15, 5). Israel seria o veículo condutor deste messianismo à divinis que se dinamiza em torno de fórmulas quais o Restaurador do Povo de Deus, Messias de Israel e Salvador da Humanidade, no fim dos tempos, cujos dias ninguém conhece. No messianismo israelita, e consoante a evolução do povo de David, o messianismo é real, profético e sacerdotal, mas a ideia nuclear, ainda que o nome Messias pouco apareça no Antigo Testamento, revela a tipologia de um Rei-Sacerdote, que virá no fim dos tempos, para instaurar o Amor, a Justiça e a Paz. A sua figura é absorvente nos livros históricos, poéticos e sapienciais, sendo revelado como “Rei Messias” (Jer., 30, 9), “Servo Sofredor” (Js., 53, 1) e “Filho do Homem” (Dan., 7, 13), cognomes antigos que a modernidade evangélica atribui a Jesus de Nazaré, olhado como o verdadeiro Messias já vindo. Este hossana, atribuído ao filho do carpinteiro, constitui (sobretudo a partir dos dias de Pôncio Pilatos, que ficaria no símbolo da pística cristã, o Credo, como o referencial histórico do tempo) a causa da cisão na unidade do messianismo hebraico, na medida em que, ao Messias vindo dos seguidores de Jesus, se opõe – por vezes com a rigidez de Saulo, antes da estrada de Damasco – o fariseísmo e o tradicionalismo judaicos, cujos tempos messiânicos continuam por vir, sine die adiados.

“As formas históricas e temporais, quando desligadas do primordial núcleo teológico, são mais um sentimento de carência do que um pensamento agente, decidido a transformar o pessimismo da perdição no optimismo da redenção. Ora, conforme se prova pelo contexto do Livro da Corte Enperial, que é uma súmula isagógica do século XV sobre os dogmas e artigos de fé das três religiões bíblicas, e cujo tema é a tipologia e a vinda do Messias, a tradição messianológica predomina em filosofia e teologia e bebe de três tradições sapienciais, documentadas, tanto na tradição oral, como no documento escrito.”

Antigamente usava-se o termo parúsia para descrever a visita de um rei ou imperador. Esse sentido foi colado ao Ritual Eucarístico para assinalar o Advento da Divindade no momento alto da bênção eucarística com o Ostensório, ou tão-só com o Cálice Eucarístico, figurativo da Taça Sagrada do Santo Graal, aquando o Futuro se torna Presente com a Visita ou Parúsia do Rei dos Reis durante o momento de comunhão do crente com o seu Cristo Interno e, sequentemente, com o Espírito do Cristo Universal.

Assim se cumpre o Advento, a Parúsia Divina, o Futuro se faz eterno Presente na hora da Elevação, postura maior em que se encerra a mensagem primicial do Mistério do Pentecostes.

Encerro com um trecho breve de obra reservada no chamado Mundo de Duat, com o título Livro do Grande Império Universal – capítulo “Os Sete Dedos de Deus” (Secção 5 – Códice 17):

A Anarquia e as Trevas seguirão – com a alma de Judá e o corpo do Judeu errante – até as memórias da Tragédia se tornarem cinzas, para que uma Nova Idade e um Novo Salvador venham reinar.

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